Nova lei laboral. CIP não faz “finca-pé” em nenhuma medida. UGT acusa Governo de impor anteprojeto

A CIP garante que não rejeitará o anteprojeto do Governo para rever a lei laboral, mas a UGT acusa o Executivo de impor um texto feito “à medida dos empregadores”.

Armindo Monteiro assegurou esta quarta-feira que a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) não vai recusar o anteprojeto apresentado pelo Governo na Concertação Social para mudar a lei do trabalho tendo por base a presença ou não de uma medida concreta. “Não fazemos finca-pé de nada”, afirmou o presidente da CIP esta quarta-feira, num debate integrado na conferência “Reforma da lei do trabalho”, promovida pelo ECO.

Mas nós fazemos“, contrapôs, logo de seguida, a secretária-geral adjunta da UGT, Soraia Duarte, exemplificando desde logo com o caso das medidas do banco de horas e do outsourcing previstas na alteração à lei. Soraia Duarte acrescentou ainda que considera que “o que está a acontecer não é uma negociação“, mas antes uma “imposição de um anteprojeto“.

O presidente da CIP defendeu então que o anteprojeto “foi uma forma séria que o Governo encontrou de apresentar a proposta”, ideia que Soraia Duarte rebateu dizendo que o mesmo foi uma forma de “dar resposta aos empregadores”.

Este é um anteprojeto da senhora ministra e dos empregadores. E, se eu tivesse dúvidas de que este anteprojeto é contra os trabalhadores, hoje ficaria sem elas, porque já percebi que está pronto para assinar o acordo e que concorda com todas as propostas que estão neste projeto“, atirou.

Aludindo depois às alterações de 2023 que “desequilibraram a relação laboral”, com as quais a UGT concorda mas em que “ninguém assinou um acordo”, Armindo Monteiro disse que agora se está a “corrigir” o que foi feito, termo que foi secundado por Carmo Sousa Machado, sócia e co-coordenadora da área de prática de Direito do Trabalho da Abreu Advogados, que concordou com a ideia.

Carmo Sousa Machado mostrou-se otimista quanto a um possível entendimento entre os parceiros sociais e o Governo, uma vez que o anteprojeto conta com mais de uma centena de medidas. Embora “possam haver desacordos”, disse acalentar a esperança de que “com as medidas bem explicadas e divulgadas” haja hipótese de se alcançar um acordo, o que “seria muito útil para todos e para aquilo que é o bem comum dos trabalhadores”.

Armindo Monteiro, presidente da CIP

Já Rodrigo Lourenço, senior manager da EY Law, mostrou-se mais pessimista, sublinhando que as últimas reformas laborais foram feitas num contexto em que os Governos detinham maioria no Parlamento, o que não acontece atualmente.

Pouco antes, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, tinha sublinhado que o diálogo é a prioridade na reforma laboral que o Governo está a levar a cabo, mas garantiu que não tenciona “abdicar das traves mestras” do anteprojeto.

“Acreditamos que o diálogo na Concertação Social é útil. Esperamos que esta negociação produza um resultado que o País espera. Em todo o caso, não eternizaremos o processo da negociação e nesta negociação o Governo não tenciona abdicar das traves mestras deste projeto, embora esteja aberto à construção”, disse na abertura da conferência “Reforma da lei do trabalho”.

Novos limites dos contratos a termo sem consenso

Um dos temas quentes na mesa redonda passou pela medida proposta do Governo de aumentar em um ano os prazos dos contratos a termo certo (que podem durar um máximo de dois anos) e dos contratos a termo incerto (máximo de quatro anos).

Os trabalhadores podem vir a ser contratados sucessivamente por vários empregadores para satisfazer necessidades permanentes das empresas sem qualquer justificação. Aquilo que estamos aqui a falar é eternizar contratos precários, vamos ter uma nova e infeliz figura do trabalhador a prazo“, defendeu a secretária-geral adjunta da UGT.

Isto vem “na senda de muitas outras medidas que estão neste anteprojeto de, pela falsa linha mestra da flexibilidade, alargar aquilo que é a precariedade laboral”, acrescentou Soraia Duarte.

Tendo em conta que o objetivo da proposta é fazer com que os contratos tenham uma maior duração, Armindo Monteiro — que defendeu a ideia de que esta alteração responde à necessidade de mais flexibilidade por parte das empresas — disse ter “dificuldade em aceitar” como pode ser apontado que isso trará menos estabilidade.

Mas é preciso perceber porque há tantos contratos a prazo. Há uma correlação direta entre a dificuldade de entrar e a de sair [contratar e despedir]“, disse, apontando mais tarde que “os trabalhadores estão mais protegidos num mercado dinâmico, pois quem sai [de uma empresa] num mercado rígido depois não entra”.

Soraia Duarte, secretária-geral adjunta da UGT

Sublinhando que “nem todos os empregadores são santos e nem todos são diabos”, o presidente da CIP defendeu ainda a necessidade de se perceber quem abusa dos mecanismos e fazer a devida correção.

Carmo Sousa Machado, por seu turno, alertou para a importância de se “desmistificar” a realidade dos números de contratos a termo vs contratos por termo indeterminado. A sócia da Abreu Advogados apontou então que a percentagem de contratos sem termo em Portugal ronda os 80%, pelo que “desmistificar isto e deixar de falar dos contratos a prazo como se fossem a regra ajuda a esvaziar esta discussão“.

A contratação a termo acaba por ser uma válvula de escape num sistema que é demasiado rígido. E tal como os trabalhadores precisam de estabilidade, as empresas precisam de flexibilidade“, defendeu por sua vez Rodrigo Lourenço, senior manager da EY Law. “O que me parece essencial é que a precariedade — por razões próprias da economia e do nosso ordenamento jurídico — acaba por ser fruto dessa condição, porque as empresas precisam dessa flexibilidade e se não a podem ter de uma forma vão procurá-la de outra forma”, acrescentou.

Quanto à proposta do Governo para que o período experimental de 180 dias deixe de ser aplicado aos trabalhadores à procura do primeiro emprego e aos desempregados de longa duração, a secretária-geral adjunta da UGT defendeu que a mesma “não pode ser desarticulada do que está a ser proposto para a área da contratação a prazo, sob o lema da flexibilidade“.

“Isto foi introduzido na revisão de 2019 para estimular, não a contratação a termo, mas a contratação por tempo indeterminado. A questão de termos um período experimental de seis meses é para não termos tantos contratos precários”, disse. Ou seja, na opinião de Soraia Duarte, não se trata de uma espécie de contrato a prazo, mas sim de “uma garantia e uma forma de estimular a contratação por tempo indeterminado, precisamente para diminuir a precariedade laboral e fomentar a contratação por tempo indeterminado para funções permanentes“.

Nesta ótica, o que faria mais sentido para a UGT seria “não mexer na questão da contratação a prazo” e manter os 180 dias de período experimental como “impulso e tentativa de fomentar os contratos por termo indeterminado”.

Carmo Sousa Machado, sócia e coordenadora de Direito do Trabalho da Abreu Advogados

Já Carmo Sousa Machado e Rodrigo Lourenço concordaram com redução de tempo do período experimental, com o senior manager da EY Law a defender que acabou por haver uma “subversão” do período experimental – com um aumento das denúncias por parte dos empregadores durante o período experimental – pelo que “faz muito mais sentido a atual versão”.

Os trabalhadores estão muito mais protegidos no fim de um contrato a termo do que no fim de um período experimental. A proteção dada pela lei é muito maior“, disse, acrescentando que os trabalhadores podem mais facilmente impugnar a decisão dos empregadores no caso dos contratos a termo, pelo que “acaba por ser mais difícil para as empresas adotarem os contratos a termo”. Assim sendo, a redução do período experimental “acaba por ser uma ótima medida”, concluiu.

Soraia Duarte argumentou por seu turno que Portugal “é dos países onde é mais fácil e barato despedir” (coletivamente e por extinção do posto de trabalho), reiterando que a questão do período experimental foi uma medida implementada com o objetivo de fomentar a contratação a tempo indeterminado, nomeadamente no que diz respeito aos jovens, “que são os que têm contratos mais precários”.

“Estavam a haver alguns resultados desde 2023 até à presente data, mas com estas medidas [o problema] vai-se agudizar novamente. Até posso acreditar que os jovens não querem empregos para a vida, mas não querem contratos precários e salários baixos. Não me parece que empurrar os jovens para contratos precários com baixos salários seja a resposta a dar para resolver o diagnóstico que temos“, acrescentou.

Regresso do banco de horas motiva discussão

Outra das medidas que foi alvo de especial discussão no debate foi a do possível regresso do banco de horas individual ao leque de opções dos empregadores, que é vista com bons olhos por Armindo Monteiro, Carmo Sousa Machado e Rodrigo Lourenço.

Desde logo, Armindo Monteiro relacionou os benefícios da medida com a necessidade que os jovens trabalhadores demonstram de querer conciliar o trabalho com a família e os seus projetos de vida. Além disso, o “relógio de ponto já não tem lógica hoje em dia”, argumentou Armindo Monteiro, defendendo que os KPI (indicadores de desempenho) são mais importantes do que um horário de trabalho. “Cada vez mais os empregadores não compram tempo, compram resultados“, disse.

Mostrando-se “absolutamente de acordo”, Carmo Sousa Machado defendeu que ainda existe uma “visão de infantilidade dos trabalhadores” e de se achar que “ou é para todos ou não é para ninguém”.

Mas cada um tem a sua dinâmica pessoal e profissional, pelo que o trabalhador deve poder decidir e acordar com o empregador. Não prejudica a maioria e beneficia quem quer entrar em acordo com o empregador“, disse a sócia e cocoordenadora da área de prática de Direito do Trabalho da Abreu Advogados.

Esta opinião foi ainda secundada por Rodrigo Lourenço que defendeu que o banco de horas “permite uma flexibilidade e uma gestão do próprio trabalhador, que as pessoas apreciam e podem incluir na gestão das suas vidas“, pelo que “acaba por ser uma boa medida”.

No entanto, “tende-se a olhar para o banco de horas como uma perda de rendimento, e essa realidade não pode de facto ser escamoteada“, disse. “Estou convencido que se se implementasse um banco de horas no Serviço Nacional de Saúde, se resolvia o défice da saúde praticamente de um mês para o outro” devido ao facto de muito do custo vir de trabalho suplementar, exemplificou.

Rodrigo Lourenço, senior manager da EY Law

Armindo Monteiro apontou também que o banco de horas grupal tem o problema de fazer com que a vontade individual, na organização de trabalho, muitas vezes não corresponda com a vontade da maioria, prevalecendo regularmente uma “ditadura da maioria”. “Numa questão tão individual como é a do trabalho, porque não se pode decidir individualmente?”, interrogou.

Se o banco de horas individual fosse referendado, ir-se-ia perceber que os sindicatos não estão a entender o sentimento dos trabalhadores. E porque é que os sindicatos são contra o banco de horas? Porque defendem que se há trabalho a mais, as empresas que paguem, e se há trabalho a menos, os trabalhadores que descansem“, questionou e respondeu Armindo Monteiro. “Já nós dizemos que se há trabalho a mais vamos trabalhar, há trabalho a menos vamos compensar“, concluiu.

Já Soraia Duarte disse desde logo que a UGT “é claramente contra recuperar a questão do banco de horas”, argumentando que aumentar duas horas de trabalho por dia conduz ao aumento “encapotado” do período normal de trabalho, ao não pagamento do trabalho suplementar e ao esvaziamento da negociação coletiva, que é um “instrumento de excelência para regular as relações laborais”.

O banco de horas individual “não é um acordo, é uma imposição aos trabalhadores”, que “visa exclusivamente os interesses económicos dos empregadores”, não tendo nenhuma medida que beneficie o trabalhador, criticou a secretária-geral adjunta da UGT, que apelidou ainda esta medida como “um ataque aos trabalhadores”.

Veja abaixo o painel na íntegra:

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