“É o máximo que conseguimos obter”. Europa cede na COP com texto menos ambicioso, a pensar no multilateralismo
A UE esteve à procura de uma solução para que a COP30 terminasse com um acordo aceitável para todas as partes. "Era isto ou um não acordo", admite ministra portuguesa.
Na manhã deste sábado, na COP, à porta da sala da delegação da União Europeia, concentrou-se um mar de jornalistas. Um dia depois daquele que deveria ter sido o fim oficial da cimeira, ainda não havia uma versão do acordo que reunisse consenso. O grupo dissonante era precisamente a União Europeia (UE), cujos 27 membros se encerraram numa sala desde as 7 horas da manhã, da qual apenas saíram, com um resultado, cerca de 4 horas depois.
O problema estava na ambição: vários países não estavam satisfeitos com a versão apresentada pela presidência na sexta-feira. Por outro lado, manter vivo o processo e o multilateralismo era uma preocupação. A UE acabou por sair da sala com três parágrafos, que já estão incluídos no texto que será votado em plenário, esta tarde, em Belém. Um texto assumidamente menos ambicioso do que o desejado pelos 27, mas que se espera que permita o acordo entre todas as Partes da COP.
“Não vamos esconder que preferíamos ter mais ambição em tudo. E penso que isso deveria ser possível, tendo em conta a forma como o planeta continua a aquecer”, afirmou Wopke Hoekstra, o comissário do Ambiente e o representante máximo da Comissão nas negociações da COP, à saída da sala da delegação. Confessa que “há muito” que o bloco europeu gostaria de acrescentar ao acordo. Ainda assim, a União Europeia considerou que devia apoiar o que está em cima da mesa.
“Devemos apoiá-lo porque, pelo menos, vai na direção certa”, defendeu Hoekstra. Mas, mais que isso, justifica com a necessidade que vê em manter o multilateralismo, que é “sempre difícil de medir” mas ao qual atribui um valor “intrínseco”. “Estamos a viver, como sabem, tempos complicados em termos geopolíticos”, pelo que, entende, “há valor, não importa o quão difícil seja, em procurar avançar juntos”.
“Viemos aqui com grandes ambições em comparação com o que acabamos por aceitar. Mas também estabelecemos um acordo que manterá o processo vivo. ficará para as futuras COP decidir como é que estas oportunidades que mantivemos abertas serão aproveitadas”, afirmou, a seu lado, Lars Aagaard, ministro da Energia e do Clima da Dinamarca, que preside ao Conselho da UE.
“É o máximo que conseguimos obter, era isto ou um não acordo, pelo que é bom termos conseguido o acordo”, entende Maria da Graça Carvalho, a ministra do Ambiente portuguesa. Questionada sobre se havia sido difícil chegar a acordo entre os membros da UE, confirma: “Foi, muito”.
Por um lado, pelo desejo de ambição, por outro, porque não percebiam o porquê de outros países com os quais a Europa tem boas relações não estarem a apoiar esta visão – geralmente o grupo “umbrella”, que que se inclui o Reino Unido, Austrália e Canadá. A última parte a ceder foi a França, indica a ministra.
“Não nos oporemos ao texto que será apresentado. Não há nada de particularmente mau nele. É um texto bastante insípido. [Mas] não podemos dizer que o apoiamos, porque não tem o nível de ambição que esperávamos”, afirmou a ministra francesa, à saída. E insiste: “nenhum de nós sai daqui com um sentimento de triunfo“. “Não posso chamar esta COP de sucesso”, remata, considerando o processo até pouco transparente.
“As questões do clima, as questões da democracia, as questões do processo multilateral, também toda a nossa relação com os países da América Latina, com o Brasil, tudo isso estava em cima da mesa”, explica Maria da Graça Carvalho. Confrontada com forças que podem ter boicotado as negociações, mesmo na sua ausência, como os Estados Unidos, entende: “também seria uma vitória de quem tentava boicotar este processo, se nós não conseguíssemos o acordo”.
Os parágrafos “possíveis”
Ainda assim, a ministra considera que os pontos que constituíam o mandato da UE acabam por estar patentes na versão europeia: mitigação, maior ambição nas Contribuições Nacionalmente Determinadas e a referência ao hiato para que o aquecimento global se limite a 1,5.º centígrados.
O parágrafo 41 do acordo, um dos três sugeridos pela UE, sugere lançar o Acelerador Global de Implementação, uma iniciativa cooperativa e voluntária, “para acelerar a implementação por todos os atores, de modo a manter o aumento de temperatura dentro do limite de 1,5 °C”, e à luz do “consenso” dos Emirados Árabes Unidos – isto é, a primeira e única referência ao abandono gradual dos combustíveis fósseis, que consta do acordo assinado há dois anos no Dubai.
Os restantes sugeridos, o 53 e o 57, abordam as cedências: a União Europeia concede “pelo menos triplicar” o financiamento para adaptação até 2035, e concede que exista diálogo, no seio do da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e da Organização Mundial do Comércio “para considerar oportunidades, desafios e barreiras relacionados com o reforço da cooperação internacional”, diálogo do qual deverá sair um relatório.
Esta última questão foi badalada depois de algumas Partes terem mostrado desconforto com o Mecanismo Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM, na sigla em inglês) é um mecanismo que prevê que passem a ser contabilizadas as emissões de carbono associadas aos produtos importados pela União Europeia, e que essas passem a ter um custo associado.
Sobre um dos temas que mais foi debatido nesta COP e que a Europa também defendia, a inclusão de um roadmap para os combustíveis fósseis no acordo final, não foi para a frente nesta forma, apenas fica a referência ao consenso no Dubai. Mas há uma promessa. A presidência brasileira garantiu à UE que, apesar de ter de manter a neutralidade na COP30 dado a sua posição, no próximo ano irá promover reuniões internacionais sobre o roteiro dos combustíveis fósseis e da floresta. “Portanto isso não vai cair”, conclui a ministra portuguesa.
*A jornalista viajou a convite do Governo português
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