Aumentar natalidade? É preciso dar alternativas de emprego
Em mercados mais concentrados e entre trabalhadores a prazo, fecundidade é menor, aponta estudo. Pedro Martins frisa que lei laboral contribuirá para nascimentos, se incentivar contratos permanentes.

Os mercados de trabalho onde há menos empregadores alternativos estão associados a níveis de fecundidade mais baixos, de acordo um novo estudo. Pedro Martins, um dos autores, explica ao ECO que também o tipo de contrato de trabalho afeta essa decisão dos trabalhadores, sublinhando que, se a nova lei laboral promover a contratação sem prazo, estará, então, a dar um contributo para os nascimentos no país.
“A principal conclusão é que, quando os trabalhadores estão confrontados com um mercado de trabalho mais concentrado e com situações em que têm menos alternativas ao nível de potenciais empregadores, os níveis de fecundidade são mais reduzidos“, salienta o professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE). “Quando os trabalhadores têm mais alternativas, os níveis de fecundidade são muito mais altos“, acrescenta o também antigo secretário de Estado do Emprego, em conversa com o ECO.
O estudo do qual é coautor (a par de Luís Cabral e Enzo A. Almeida) parte da ideia de que, em mercados mais concentrados, é “mais fácil” às empresas “substituir ou penalizar os trabalhadores que tiram licenças”, daí que os empregados prevejam “custos de carreira” mais elevados e, portanto, estejam menos inclinados para crescer a família.
“Quando há mais empregadores potenciais (um mercado menos concentrado), a ameaça do empregador atual substituir o trabalhador é mais fraca, e as alternativas disponíveis fora desse emprego são melhores”, lê-se no estudo, que conclui, assim, que, à medida que a concentração aumenta, a probabilidade dos trabalhadores terem filhos (e tirarem licenças) diminui, como mostra o gráfico abaixo.

De acordo com os autores, além dos mercados mais concentrados estarem associados a menos nascimentos, estão também ligados a menor gozo das licenças parentais, o que sugere “pressão para regressar mais cedo“.
Além disso, o estudo (que tem por base, nomeadamente, os dados dos Quadros de Pessoal de 2010 a 2023) indica que os trabalhadores que têm filhos em mercados com maior concentração sentem um maior impacto na sua trajetória salarial do que aqueles que os têm em mercados com mais empregadores alternativos. “Isto sugere que a estrutura do mercado pode ampliar penalizações salariais bem conhecidas associadas a ter filhos“, lê-se na análise.
Perante estas conclusões, os autores realçam que, ainda que as políticas ligadas à natalidade e as políticas de concorrências sejam frequentemente vistas separadas, há uma relação a que importa ter atenção.
"Em suma, apoiar as famílias pode exigir apoiar a concorrência entre os empregadores.”
“O escrutínio de fusões que fazem encolher o número de empregadores alternativos, a transparência e o cumprimento das licenças parentais e o apoio à mobilidade dos trabalhadores podem complementar as políticas ligadas às famílias ao reduzirem os custos de carreira vistos como consequência de ter filhos. Em suma, apoiar as famílias pode exigir apoiar a concorrência entre os empregadores“, assinalam Luís Cabral, Pedro Martins e Enzo A. Almeida.
Em declarações ao ECO, Pedro Martins admite que em Portugal, regra geral, o nível de concentração do mercado de trabalho “não é muito elevado”, tendo em conta que o país “continua a ser dominado por empresas pequenas”. Mas alerta: “por vezes, há fenómenos que criam alguma distorção dessa métrica“.
"Por vezes, os empregadores estabelecem pactos de não concorrência, formais ou informais. Nesse sentido, o número de aparente alternativas não corresponde ao número efetivo de alternativas.”
“Por exemplo, por vezes, os empregadores estabelecem pactos de não concorrência, formais ou informais. Nesse sentido, o número de aparente alternativas não corresponde ao número efetivo de alternativas. Se há uma prática em que o empregador A não contrata do empregador B, e vice-versa, os trabalhadores veem duas empresas, mas, na prática, só têm aquela em que estão atualmente“, alerta o professor universitário.
Pedro Martins reconhece, além disso, que há variações significativas entre atividades económicas. No setor transformador e no setor das utilities, os trabalhadores têm menos alternativas de empregadores, identifica o ex-secretário de Estado. Ou seja, há uma maior concentração.
Já nos serviços, o cenário é inverso. “De acordo com este estudo, é nestes setores que os níveis de fecundidade poderão ser mais elevados“, destaca Pedro Martins.
Nova lei laboral apoia fecundidade?
As mais de 100 mudanças ao Código do Trabalho que o Governo quer levar cabo têm feito correr muita tinta, nomeadamente no que diz respeito aos pais que trabalham. A esse respeito, o foco tem estado, por exemplo, na limitação da dispensa para amamentação, no horário flexível, nas faltas por luto gestacional e nas licenças parentais.
Mas o professor Pedro Martins chama a atenção para outro tema: os níveis de fecundidade entre os trabalhadores com contratos a termos são “muito mais baixos” do que entre os empregados com contratos permanente, pelo que a nova lei laboral, se contribuir para a contratação sem prazo, poderá contribuir para os nascimentos em Portugal.
“Quando vejo medidas relacionadas com a oposição à reintegração do trabalhador na sequência de um despedimento ilícito e a não necessidade da fase instrutória no processo de despedimento, o que penso é se isto vai dar confiança aos empregadores para contratar sem termo“, atira o professor catedrático.
De forma global, o economista dá nota positiva a esta polémica revisão da lei do trabalho. “Penso que é uma reforma estrutural muito alargada, que altera vários temas e promove uma convergência grande relativamente às legislações laborais que encontramos na maioria dos outros países da União Europeia, que, em geral, têm níveis de fecundidade mais elevados que os portugueses”, declara.
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