O “acordo possível” da COP que nasce da nova dinâmica geopolítica

Saiba as vitórias e derrotas contidas no acordo final da COP. Várias partes celebram o simples facto de ter sido possível chegar a acordo, embora a abordagem perante os combustíveis fósseis desiluda.

A 30.ª Conferência das Partes (COP30) terminou no passado sábado com um acordo que foi considerado por vários como pouco ambicioso, mas ainda assim positivo, na medida em que se chegou a um consenso. O ECO/Capital Verde foi falar com alguns dos especialistas que acompanham as negociações da COP para perceber as principais vitórias e derrotas da cimeira. A visão é unânime: há pequenos avanços dignos de assinalar, uma derrota – a ausência de acordo sobre um roteiro para o final dos combustíveis fósseis – e uma vitória: ter existido acordo num mundo cada vez mais dividido geopoliticamente.

Foi o acordo possível”, considera Angela Lucas, sócia da Systemic, cofundadora do fundo Land e consultora da Universidade Católica. Para uma COP que foi qualificada como “COP da verdade” e “da implementação” “não atingiu completamente os objetivos”, considera Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).

O pior resultado seria não chegar a acordo nenhum. Podia enfraquecer muito a própria estrutura de negociação climática. Não é bom que seja um acordo fraco, mas não é o pior que poderia ter acontecido”, diz Bianca Chinelli, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, especializada em negociações relacionadas com as mudanças climáticas.

Não é bom que seja um acordo fraco, mas não é o pior que poderia ter acontecido.

Bianca Chinelli

O presidente CNADS, que já acompanha de perto as cimeiras desde os anos 2000, concorda com a tese de que “teria sido desejável concretizar aquilo que foi a decisão em Doha, de descontinuar progressivamente os combustíveis fósseis” e que houvesse um roteiro para esse processo.

Angela Lucas destaca pela negativa tanto a ausência deste roteiro, apoiado por mais de 80 países, como outro com vista a travar e reverter a desflorestação, que contou com o apoio de mais de 90 países. “As propostas de roadmaps apresentadas pelo Brasil enfrentaram forte resistência por parte dos países produtores de petróleo e, no final, foram os opositores que prevaleceram”, relata, assinalando a falta de uma nova ambição nestes temas.

De forma a acautelar estas preocupações, ainda na decisão do Mutirão, está previsto o “Acelerador Global da Implementação”, um processo de dois anos liderado pelas presidências – atual e futura –, através do qual se trabalhará para reduzir o desfasamento em relação ao objetivo de que o planeta não aqueça mais que 1,5°C face aos níveis de 1990, e estabelecer um percurso para cada um dos temas, combustíveis fósseis e desflorestação, salienta Angela Lucas.

Filipe Duarte Santos considera “positivo” que a presidência se tenha comprometido ainda a fazer esforços fora dos mecanismos da convenção tanto para descontinuar o uso de combustíveis fósseis como para reverter a desflorestação. O compromisso “paralelo” da presidência chama-se a “Bússola da Transição de Belém”.

Também fora do acordo final, será continuado o esforço em torno da Declaração de Belém, que nasceu da união de países opositores aos combustíveis fósseis na COP, um documento liderado pela Colômbia e pelos Países Baixos. A este aderiram 24 países, que se comprometem a aumentar a cooperação para haver um fim para os combustíveis fósseis. A Primeira Conferência Internacional para a Eliminação Progressiva dos Combustíveis Fósseis realizar-se-á na Colômbia, em abril de 2026, para promover a cooperação, reforçar a ambição e construir um caminho global de abandono dos fósseis.

Em paralelo, Filipe Duarte Santos ressalva que o espírito do mutirão, a palavra brasileira que expressa auxílio mútuo e gratuito, e que foi usada para intitular os esforços de negociação, está presente no compromisso de triplicar fundos para a adaptação até 2035. “Ter-se concordado [nesta meta] é muito importante”, afirma.

Dinâmicas de negociação alteram-se e atrapalham

Como é costume, a COP não terminou “a horas”: arrastou-se quase por mais um dia, com muito trabalho desenvolvido de madrugada. Na manhã de sábado, quando a cimeira deveria ter terminado na sexta, a delegação da União Europeia reuniu-se pelas 7 horas da manhã e discutiu o que fazer em relação ao documento apresentado pela presidência, como proposta de acordo final, que ignorava a maioria das exigências do bloco.

Dessa reunião saíram três parágrafos (muito diluídos, face aos objetivos) e que acabaram por fazer parte do acordo final. Este foi votado (e aprovado) durante a tarde, no meio de uma discussão mais acesa que o costume, e acusações de falta de transparência no processo por parte dos países latinos. Até ao final da reunião da UE, estava em cima da mesa uma hipótese que muitos viam como alarmante: a possibilidade de não acordo.

Não vamos esconder que preferíamos ter mais ambição em tudo. E penso que isso deveria ser possível, tendo em conta a forma como o planeta continua a aquecer”, afirmou Wopke Hoekstra, o comissário do Ambiente e o representante máximo da Comissão Europeia nas negociações da COP, à saída da sala da delegação.

Justificou a posição com a necessidade que vê em manter o multilateralismo, que é “sempre difícil de medir” mas ao qual atribui um valor “intrínseco”.

“Estamos a viver, como sabem, tempos complicados em termos geopolíticos”, pelo que “há valor, não importa o quão difícil seja, em procurar avançar juntos”, concretizou.

Para Filipe Duarte Santos, a COP foi positiva do ponto de vista do multilateralismo. O mesmo observa que China e Índia contêm uma fatia muito relevante da população mundial, e o poder económico da China rivaliza com o dos Estados Unidos, sendo que este último país optou por estar ausente.

Assinala um “grande entendimento” entre China e Índia durante as negociações, o que toma como um sinal para os países em desenvolvimento, já que muitos têm uma ligação muito forte à China. E as posições apoiadas por China e Índia vingaram: “O Ocidente ainda não está completamente adaptado a este quadro internacional”, considera.

O ocidente ainda não está completamente adaptado a este quadro internacional.

Filipe Duarte Santos

Presidente do CNADS

Foi alcançado consenso sobre o texto final, e isso está longe de ser insignificante nos tempos em que correm – o risco de não se chegar a acordo algum era real e teria representado não só um recuo perigoso num momento em que assistimos a um regresso do negacionismo climático, como também um sério golpe na credibilidade do multilateralismo”, entende Angela Lucas.

Na ótica da cofundadora do fundo Land, pode-se avançar a diferentes velocidades nalguns temas, o que “não é ideal”, mas ainda assim um avanço, “e o caminho assim torna-se irreversível”.

O risco de não se chegar a acordo algum era real e teria representado não só um recuo perigoso num momento em que assistimos a um regresso do negacionismo climático, como também um sério golpe na credibilidade do multilateralismo.

Angela Lucas

Sócia da Systemic

Por seu lado, a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais observa que, desde a segunda guerra mundial eram os Estados Unidos que tinham o papel de garantir a ordem internacional. Contudo, desde que esta potência se retirou – por iniciativa do presidente Donald Trump – das negociações climáticas (e, no geral dos temas, tem agido de forma unilateral), “ainda não há um novo garante para este sistema”.

Pelo contrário, várias forças, desde países até empresas e outros atores da sociedade civil, têm reivindicado mais espaço. “O que se discute cada vez mais é se a nova ordem mundial não vai ser hegemónica mas antes uma organização multipolar”, com protagonistas como a União Europeia e os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Em vez de multilateralismo, uma espécie de vários “minilateralismos”.

Angela Lucas assinala que ficou patente na COP que “há muitas iniciativas em todos os cantos do mundo, no sentido da transição para uma economia de baixo carbono”, e que mesmo tendo a Índia e a China evitado compromissos políticos escritos nos textos, “a verdade é que estão a fazer uma aposta séria nas energias renováveis e com os preços da energia renovável a baixarem face aos combustíveis fósseis”.

Este período de transição entre dinâmicas traz incerteza, sublinha a investigadora Bianca Chinelli. Numa COP, que se insere num contexto geopolítico amplo, “tornam-se mais difíceis acordos multilaterais”. Antes, relembra, os EUA tinham uma influência benigna para se chegar a consenso. Tinha, por exemplo, ascendência sobre países como a Arábia Saudita e Rússia, que foram fortes opositores da referência a um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis no acordo final da COP30.

A União Europeia, por seu lado, ficou com a posição negocial enfraquecida a partir do momento que não mostrou união desde início, com Itália e Polónia a serem mencionados como vozes dissonantes. Nesta COP, o Reino Unido e a Austrália estiveram favoráveis ao acordo final, que não mencionava os combustíveis fósseis, deixando a UE isolada, com o apoio apenas de países da América Latina.

Chinelli sugere que a Austrália, que divide a próxima presidência da COP com a Turquia, poderá ter preferido não levantar mais os ânimos este ano e atuar mais vincadamente na próxima cimeira.

Neste contexto, “não haver um retrocesso já é um avanço”, remata Bianca Chinelli. Como evidência de que, apesar de avanços pequenos, o processo multilateral da cimeira tem servido para melhorar o panorama climático, Angela Lucas realça que, em 2015, o ano do acordo de Paris, as emissões globais de dióxido de carbono estavam a aumentar quase 2% ao ano; hoje, essa taxa abrandou para cerca de 0,3%.

Como resultado, as projeções que antes apontavam para um aumento da temperatura global de 4°C até 2100, antes da adoção do Acordo, alteraram-se: estamos agora a caminho de um aumento de aproximadamente entre 2,1 a 2,5°C, que, embora ainda distante do ideal 1,5ºC, marca uma evolução. Isto pressupõe que os países implementem plenamente os seus planos de transição climática. Até agora, 122 entregaram esses planos atualizados, cobrindo cerca de 75% das emissões globais.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O “acordo possível” da COP que nasce da nova dinâmica geopolítica

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião