Bruxelas lança ofensiva para construção do mercado único europeu nos serviços financeiros

A reforma de Maria Luís Albuquerque pretende unir 300 bolsas europeias para ativar 10 biliões de euros em poupanças. O plano centraliza a supervisão na ESMA e assume uma legislação mais homogénea.

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  • A Comissão Europeia aprovou um pacote de medidas para eliminar barreiras no mercado único de serviços financeiros, promovendo maior integração e eficiência.
  • Atualmente, a fragmentação do mercado europeu resulta em custos financeiros elevados, com serviços a custarem o dobro do que deveriam, segundo o Fundo Monetário Internacional.
  • A proposta visa facilitar o acesso a financiamento para empresas em Estados-Membros menores, permitindo que as poupanças das famílias sejam melhor aplicadas e reduzindo a dependência do financiamento bancário.
Pontos-chave gerados por IA, com edição jornalística.

A Comissão Europeia aprovou esta quinta-feira um pacote de medidas para eliminar barreiras e libertar todo o potencial do mercado único de serviços financeiros na União Europeia. A iniciativa, central na Estratégia da União da Poupança e dos Investimentos (SIU), visa criar um sistema financeiro mais integrado, eficiente e competitivo, oferecendo melhores opções aos cidadãos para fazer crescer o seu património e apoiar as empresas no acesso a financiamento.

“Durante demasiado tempo, a Europa tolerou um nível de fragmentação que limita a nossa economia. Hoje, fazemos uma escolha deliberada para mudar de rumo”, afirma Maria Luís Albuquerque, Comissária europeia para os Serviços Financeiros e a SIU, em comunicado. “A integração de mercados não é um exercício técnico, é um imperativo político para a prosperidade e relevância global da Europa”, acrescenta.

Para atingir esse objetivo, Bruxelas desenhou um extenso pacote que, essencialmente, assenta em quatro pilares fundamentais:

  • Derrubar as muralhas entre bolsas e sistemas de pagamento. O primeiro pilar do pacote ataca o problema mais visível: a Europa tem mais de 300 bolsas de valores enquanto os EUA têm meia dúzia. A Europa tem ainda 14 sistemas de compensação de riscos em derivados e 32 depositários centrais de valores. Lá são 8 e 2, respetivamente. Este excesso de plataformas fragmentadas significa custos mais altos para quem quer comprar ações ou títulos de empresas noutro país. A solução proposta é criar um “passaporte único” para as bolsas de valores e permitir que grandes operadores funcionem com uma única licença europeia, em vez de obterem licenças em cada país. A ideia é simples: se uma bolsa ou um banco cumpre as regras europeias, funciona em toda a União. Sem burocracia nacional duplicada. Também vai facilitar-se a forma como os fundos de investimento circulam entre países. Atualmente, um fundo português tem de fazer notificações burocráticas em cada país onde quer ser vendido. No futuro, apenas terá de fazer uma só notificação.
  • Uma só polícia para os mercados financeiros europeus. Atualmente, cada um dos 27 Estados-membros da União Europeia tem autoridades que supervisionam as suas bolsas, bancos de dados de valores e sistemas de pagamento. Isto cria confusão: uma instituição financeira sabe que em Portugal tem uma regra, em Espanha tem outra, em França tem mais outra. Isto custa dinheiro, tempo e gera complicações. A proposta da equipa de Maria Luís Albuquerque consiste em transferir a supervisão das principais infraestruturas de mercado para a ESMA (a autoridade europeia de valores mobiliários). Em vez de 27 polícias a vigiar, há uma polícia europeia. As autoridades nacionais mantêm funções locais — por exemplo, vigiam abuso de mercado no seu país –, mas as decisões principais saem de Bruxelas. É o mesmo que começar a ter um código da estrada único em toda a Europa, em vez de cada país ter as suas regras.

    Fundo Monetário Internacional calcula que a fragmentação da Europa faz com que os serviços financeiros custem o dobro do que deviam: é como pagar uma taxa extra de 100% só por se fazer negócios noutro país.

  • Facilitar a tecnologia que está a chegar. Os mercados financeiros estão a mudar também à velocidade da tecnologia, que permite fazer transações de forma muito mais rápida e segura, naquilo que se chama “registos distribuídos” ou blockchain. Mas a regulação europeia atual travava isto. O pacote da Comissão Europeia simplifica as regras para permitir que empresas testem esta tecnologia em maior escala. Passa-se de um limite de 6 mil milhões de euros para 100 mil milhões em instrumentos financeiros que podem funcionar com esta tecnologia. É deixar a inovação respirar sem sacrificar a segurança.
  • Cortar a burocracia de que ninguém precisa. As empresas financeiras têm de lidar com regulamentos nacionais contraditórios, com regras interpretadas de forma diferente em cada país. O pacote de Bruxelas converte algumas dessas regras em legislação diretamente aplicável em toda a Europa, eliminando a possibilidade de cada governo adicionar a sua própria camada de complexidade. É como passar de um guia de instruções com 200 páginas para um com 50, mas que promete funcionar de forma mais eficiente.

“O desenvolvimento de um verdadeiro mercado único para serviços financeiros é travado principalmente pela persistente fragmentação”, reconhece o documento da Comissão. Esta fragmentação impede que as entidades financeiras aproveitem as liberdades do Tratado, fazendo com que percam economias de escala e ganhos de eficiência, resultando em custos mais elevados para os utilizadores.

O impacto desta realidade traduz-se na dimensão do próprio mercado europeu. No ano passado, a capitalização bolsista da União Europeia representou apenas 73% do PIB, comparando com 270% nos EUA. Além disso, o Fundo Monetário Internacional calcula que a fragmentação da Europa faz com que os serviços financeiros custem o dobro do que deviam: é como pagar uma taxa extra de 100% só por se fazer negócios noutro país.

A proposta da Comissão Europeia garante que empresas em Estados-Membros mais pequenos ou remotos possam obter financiamento em qualquer parte da União Europeia.

Para os cidadãos europeus, o pacote apresentado esta quinta-feira pela Comissão Europeia procura facilitar o acesso a oportunidades de investimento em toda a União Europeia, alargando a concorrência e reduzindo custos.

Atualmente, cerca de 10 biliões de euros de poupanças das famílias permanecem em depósitos bancários, com retornos relativamente baixos. A simplificação do acesso aos mercados de capitais reduz custos e torna os mercados mais atraentes para investidores e empresas em todos os Estados-Membros, independentemente da dimensão, permitindo que estas poupanças possam ser mais bem aplicadas, acredita a Comissão Europeia.

“Ao construir um verdadeiro mercado financeiro único, daremos às pessoas melhores oportunidades para aumentar a sua riqueza e desbloquearemos um financiamento mais forte para as prioridades da Europa”, destaca Maria Luís Albuquerque, sublinhando ainda que “a integração do mercado não é um exercício técnico” mas “um imperativo político para a prosperidade e a relevância global da Europa.”

Para as empresas, especialmente as de menor dimensão, a integração permite aceder a uma base de investidores mais alargada, reduzindo a dependência do financiamento bancário. A proposta da Comissão Europeia garante que empresas em Estados-Membros mais pequenos ou remotos possam obter financiamento em qualquer parte da União Europeia, enquanto as famílias acedem a uma gama mais alargada de produtos financeiros seguros, acessíveis e fáceis de utilizar.

A proposta inclui ainda a transformação do estatuto Pan-European Market Operator (PEMO), permitindo a operadores com plataformas de negociação em vários Estados-Membros funcionar sob uma única licença e supervisão da ESMA, e ainda reforma legislação existente relacionada com a diretiva MiFID, EMIR, o Regulamento das Centrais de Valores Mobiliários (CSDR) e normas associadas ao regulamento dos criptoativos MiCA. Além disso, transforma a Diretiva de Finalidade de Liquidação em Regulamento para garantir maior harmonização.

As propostas devem agora ser negociadas e aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, mantendo a “unidade do pacote” como condição essencial para o seu êxito.

A Comissão Europeia sublinha que o sucesso depende da “ação conjunta” com os Estados-Membros, que devem reduzir complexidade administrativa e alinhar abordagens nacionais, com o intuito de a Europa se afirmar como potência financeira global, através da integração dos seus mercados nacionais num sistema maior que a soma das suas partes.

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