Galp afunda no acordo das águas profundas da Namíbia e pode voltar a mergulhar
Ativo da Galp na Namíbia tem sido uma montanha russa para as ações da empresa. Depois de as conduzir a picos, leva-as agora a mínimos, e a volatilidade é para ficar, avisam analistas. Saiba porquê.
- A Galp anunciou uma parceria com a TotalEnergies para a exploração do complexo de Mopane, resultando numa desvalorização significativa das suas ações.
- Após a descoberta de reservas de até 10 mil milhões de barris em 2024, as ações da Galp subiram, mas agora enfrentam volatilidade devido à falta de detalhes sobre o acordo.
- O acordo pode reduzir o risco financeiro da Galp, mas gera incertezas sobre a capacidade de monetização e o controle sobre ativos estratégicos.
Em abril do ano passado, uma descoberta na Namíbia tornou-se o “menino de ouro” da Galp. No dia 21 desse mês, a um domingo, a petrolífera portuguesa divulgou a estimativa de que seria possível extrair 10 mil milhões de barris do complexo de Mopane, no qual detinha uma participação de 80%. Na sessão bolsista que se seguiu ao anúncio, as ações dispararam para níveis inéditos: a escalada foi de 21% numa só sessão, e atingiram o máximo histórico ainda nessa semana.
Desde então, o tema, em particular a venda de metade da participação de 80% da Galp nesta exploração, tem dominado as chamadas com analistas da petrolífera, a cada apresentação de resultados. As ações corrigiram paulatinamente desde então, tendo descido à fasquia dos 12 euros para regressar, mais recentemente, aos 18 euros. Esta terça-feira, a Galp anunciou que a parceira na exploração e Mopane vai ser a TotalEnergies, e a promessa que fez a Galp descolar, afinal, com o acordo, conduziu-a a mínimos de março de 2020, um mês que marcou o início de uma pandemia muito penalizadora (também) para as petrolíferas.
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A ação da Galp fechou a sessão desta terça-feira com uma quebra de 14,68% para 14,79 euros, na maior desvalorização do título desde o dia 9 de março de 2020. Tal desempenho implicou que a petrolífera tivesse perdido 1,77 mil milhões de euros em valor de mercado — apresenta agora uma capitalização bolsista de 10,3 mil milhões.
O Banco Carregosa indica que, no curto prazo, “é expectável que a Galp enfrente volatilidade elevada“, tendo em conta a falta de detalhe sobre o acordo e a ausência de reservas provadas. A trajetória dependerá da confirmação dos volumes e da maior visibilidade do plano de monetização, indica João Queiroz, head de Trading do Banco Carregosa, assinalando como “catalisadores” do movimento da ação a evolução do preço do crude e o progresso na transição energética. “Pode haver espaço ainda para mais quedas, principalmente se o preço do petróleo não aumentar“, vaticina o analista da XTB, Vítor Madeira.
Pode haver espaço ainda para mais quedas, principalmente se o preço do petróleo não aumentar.
Numa chamada com jornalistas, que decorreu ao final da tarde, João Diogo Marques da Silva salientou que “este processo foi um longo processo” e concedeu que, do lado do mercado, houvesse a expectativa de “um acordo com mais benefícios no curto prazo, com cash up front evidente”.
Nesse sentido, alguns investidores poderão ter ficado “menos entusiasmados”. Contudo, “nós estamos claramente entusiasmados com a visão de longo prazo que estes ativos nos trazem e que ganham com este parceiro”, rematou o co-CEO. Explicou ainda que há um conjunto de indicadores que estarão a ser digeridos pelo mercado e que podem levar a outra visão por parte dos investidores.
Nós estamos claramente entusiasmados com a visão de longo prazo que estes ativos nos trazem e que ganham com este parceiro.
Para a co-CEO Maria João Carioca, a reação reflete o facto de a Galp ter uma base de investidores com alguma diversidade, desde os acionistas de referência, “que acolhem muito bem” esta visão, na medida em que se alinha com a estratégia da Galp; mas refere que existem também “investidores com um perfil muito mais de curto prazo”, e que contavam com devolução de cash mais rápida.

Na bolsa, sentiu-se a falta do cash
“A queda reflete sobretudo expectativas muito elevadas que o mercado tinha em relação a este negócio“, justifica, por sua vez, o analista da XTB, Vítor Madeira. O acordo gera dúvidas sobre a “capacidade de monetização autónoma”, considera João Queiroz, head de trading do Banco Carregosa. A Reuters cita a RBC, que afirma que o negócio aparenta ser “mais construtivo” para a Total Energies do que para a Galp, já que não envolve pagamentos líquidos à cabeça.
Segundo a XTB, após a divulgação da descoberta, no ano passado, os investidores antecipavam “um cheque de muitos milhares de milhões”, que se traduziria num “forte encaixe imediato”. Para a mesma casa de investimento, os 40% da participação que a Galp retém acarretam ainda “bastante risco e muito potencial”, mas não cristaliza já o valor nem abre tanto espaço para dividendos extraordinários ou recompras de ações. Além disso, os rendimentos esperados da exploração caíram.
É expectável que a Galp enfrente volatilidade elevada.
Na ótica da XTB, se o acordo incluísse um pagamento em dinheiro ou o suporte maioritário nos investimentos da exploração por parte da TotalEnergies, “a reação provavelmente seria menos negativa ou até positiva”. Para Queiroz, podia verificar-se uma reação menos negativa ou positiva caso a opção tivesse sido por uma venda parcial com prémio ou uma parceria que preservasse maior controlo operacional.
“Este acordo parece ser uma tentativa da Galp para reduzir o seu risco na exploração de Mopane, dado que a reserva petrolífera se encontra em águas profundas e, por isso, o risco da operação é elevado“, interpreta Vítor Madeira. Queiroz sublinha que fica reduzido o controlo sobre um ativo “transformacional”, redefinindo expectativas quanto à captura de valor por parte da Galp, apesar de mitigar desafios financeiros e operacionais.
“A cedência da posição da Galp em troca de posições mais pequenas em outras explorações poderá gerar um output inferior para a empresa a longo prazo”, atira Vítor Madeira.
Numa call com analistas, no início da tarde de terça-feira, a co-CEO da Galp, Maria João Carioca, afirmou que “de facto, trata-se de uma troca de ativos” e pelo que tem “consciência de que isto não distribui imediatamente dinheiro (cash)”, mas existem outros “motores de criação de valor”. Assim, “considerámos que era um compromisso que continuava a ser significativamente gerador de valor“, sublinhou.
Total Energies entrega ativos e ajuda no financiamento
Os dois “motores de criação de valor” no âmbito do acordo, no entender da co-CEO, são os ativos obtidos em troca da participação, assim como o apoio ao financiamento, o chamado “carry“. Em troca da participação de 40% em Mopane, entregue à TotalEnergies, a Galp receberá uma fatia de 10% na licença 56 (PEL56), onde se encontra a descoberta Venus, e de 9,4% na licença 91 (PEL91), ambas operadas atualmente pela TotalEnergies.
A chairman da Galp, Paula Amorim, destaca que a Galp “fortalece” o seu portefólio com “projetos de elevado potencial”. No caso da licença 56, está prevista uma decisão final de investimento para 2026. O complexo Venus estará cerca de dois a três anos mais adiantado do que o de Mopane.

A petrolífera francesa assume ainda metade dos custos de exploração, avaliação e desenvolvimento da Galp em Mopane, que serão pagos mais tarde à TotalEnergies com 50% dos cash flows gerados pelo projeto até à fase de desenvolvimento, isto é, até ser extraído o primeiro barril e começarem a surgir os primeiros fluxos de caixa. O custo total até esse ‘first oil’ deverá ficar entre 10 mil milhões e 12 mil milhões de dólares, adiantou a co-CEO.
“Enquanto anteriormente estávamos a suportar 100% da despesa de desenvolvimento do Mopane, agora passaremos a suportar 25% dessa despesa. Isto representa um valor significativo”, considera a co-CEO, que apontou o carry como uma “prática relativamente frequente”. Maria João Carioca sublinha que o carry não tem definido qualquer tecto (uncapped) e é feito sem juros.
Enquanto anteriormente estávamos a suportar 100% da despesa de desenvolvimento do Mopane, agora passaremos a suportar 25% dessa despesa. Isto representa um valor significativo.
A co-CEO da Galp salientou que o acordo protege também a saúde financeira da empresa. “Até aqui a nossa posição financeira, que é particularmente sólida, tem sido muito importante, tem sido instrumental e fundamental mesmo para nos permitir fazer um negócio que não é apenas um negócio, não é apenas uma transação de captura de valor no curto prazo, é também uma transação que é uma perspetiva a mais prazo”.
A petrolífera francesa também já reagiu ao negócio, considerando que o acordo a posiciona como operadora das duas maiores descobertas de petróleo na Namíbia e abre caminho ao desenvolvimento de um importante polo de produção.
Após a conclusão da transação, o consórcio para a exploração no complexo de Mopane será detido em 40% pela Galp, 40% pela TotalEnergies, 10% pela Namcor e 10% pela Custos.
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