IA e “bifurcações” entre EUA e Europa colocam desafios à ‘governance’. Deve resistir-se as modas?

Futuro da corporate Governance desenha-se entre "bifurcações" entre EUA e Europa e as preocupações com o surgimento de "administradores-algoritmo".

Os tempos têm sido de instabilidade no que diz respeito aos temas de sustentabilidade, onde a governança se insere. Neste contexto, anteveem-se divergências no horizonte, às quais é necessário dar atenção, mas a mensagem é de estabilidade e de não se ir em modas, pelo menos no que diz respeito às orientações de governança corporativa. Pelo caminho, a inteligência artificial impõe-se como um tema fulcral para ser endereçado e reforçado pelo Código de Governo das Sociedades e pelas empresas.

Estas são algumas das reflexões feitas após a divulgação do sétimo Relatório Anual de Monitorização (RAM) elaborado pelo Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) e relativo a 2024. Foram analisadas 35 empresas, das quais 15 integram o índice bolsista PSI e três são empresas não cotadas, tendo todas aderido ao exercício voluntariamente. A apresentação teve lugar ao final do dia desta terça-feira, no estúdio ECO.

Numa primeira intervenção, Duarte Calheiros, presidente da Comissão Executiva de Acompanhamento e Monitorização (CEAM) do Código do IPCG, começou por realçar as três empresas não cotadas que foram alvo de monitorização. “É um número que esperamos ver crescer nos próximos anos, seja pela adesão de outras empresas, seja pelo incentivo que as empresas já monitorizadas possam fazer aos seus stakeholders“, vaticinou.

[Foram três as empresas não cotadas que foram alvo de monitorização e] é um número que esperamos ver crescer nos próximos anos, seja pela adesão de outras empresas, seja pelo incentivo que as empresas já monitorizadas possam fazer aos seus stakeholders.

Duarte Calheiros

Presidente da Comissão Executiva de Acompanhamento e Monitorização (CEAM) do Código do IPCG

Miguel Athayde Marques, presidente da Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado (AEM), salientou que o relatório é “útil a quem toma decisões de investimento no mercado”, e que por isso as empresas da AEM estão interessadas em consolidar a qualidade da boa governança e demonstrar isso aos mercados e aos investidores internacionais.

O relatório anual do IPCG é “útil a quem toma decisões de investimento no mercado”

Miguel Athayde Marques)

Presidente da Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado (AEM

Além destes desejos para o futuro, Pedro Maia, presidente da Comissão de Acompanhamento e Monitorização (CAM) do Código do IPCG, lançou um dos motes que acabou por dominar a discussão: “nenhum de nós sabe o que vem aí. Mas é possível que venham aí coisas”. O mesmo observou que, até agora, os movimentos em governança corporativa não eram muito divergentes, no universo das economias ditas ocidentais. “Eu não sei se nós não temos no horizonte alguma bifurcação ou alguma coisa parecida. Nos próximos tempos, vamos ter que estar muito atentos, desde logo, para saber o que se passa e também para refletirmos, analisarmos e sabermos que caminhos é que queremos seguir”, rematou.

Eu não sei se nós não temos no horizonte alguma bifurcação ou alguma coisa parecida. Nos próximos tempos, vamos ter que estar muito atentos.

Pedro Maia

Presidente da Comissão de Acompanhamento e Monitorização (CAM) do Código do IPCG

Olhando à forma como as questões relacionadas com a sustentabilidade têm sido alvo de entropia nos Estados Unidos e na Europa, Juliano Ferreira, membro do conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, realça que “o código foi prudente em 2023”, quando foram acrescentadas apenas duas recomendações no que diz respeito à sustentabilidade, no sentido de as empresas prestarem informação sobre as suas práticas.

Justamente num momento em que não é claro o sentido exato para onde vamos, faz sentido que o código se mantenha neste plano, de alertar para a importância do tema e fomentar que as empresas deem informação.

Juliano Ferreira

Membro do conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

Justamente num momento em que não é claro o sentido exato para onde vamos, faz sentido que o código se mantenha neste plano, de alertar para a importância do tema e fomentar que as empresas deem informação”, considerou.

O papel do código é resistir às modas e manter uma certa estabilidade de médio e longo prazo.

João Moreira Rato

Presidente da direção do IPCG

Na mesma linha, João Moreira Rato, presidente da direção do IPCG, identifica que a revisão de 2023 permitiu que se fortalecesse a previsibilidade, apesar de uma “grande pressão” para se fazerem “imensas alterações ao código”. “E essas pressões para fazer a alteração ao código, muitas delas se calhar hoje até já estão fora de moda. O papel do código é resistir às modas e manter uma certa estabilidade de médio e longo prazo“, sublinhou. O mesmo prevê que, no contexto da próxima revisão, que vai começar em 2026, se continue a resistir “às novas modas”.

Inteligência Artificial traz riscos e pede ética

No âmbito do relatório anual, entre as recomendações cujo acolhimento mais cresceu está a prestação de informação sobre o uso que está a ser feito da inteligência artificial na tomada de decisões pelos órgãos sociais: subiu de 82% para 89%, o terceiro maior salto, e foi acolhida por todas as empresas cotadas no PSI.

Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM, Juliano Ferreira, administrador da CMVM e Rui Pereira Dias, diretor do IPCG

Questionado sobre se a questão da inteligência artificial tem que ser densificada no próximo código, Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da AEM, afirmou que “a resposta fácil à pergunta é sim”. O responsável da AEM identificou três dimensões que deverão ser alvo de reflexão, no seu entender.

Parece ficção científica, mas nós já temos ministros-algoritmo na Albânia e já temos administradores-algoritmo em fundos de investimento. Portanto, não é tanto ficção científica.

Abel Sequeira Ferreira

Diretor executivo da AEM

A forma como o Conselho de Administração governa a inteligência artificial dentro da empresa é um dos ângulos possíveis. “E esse aspecto é provavelmente aquele para o qual vamos ter de olhar com mais atenção”, vaticina. Outra questão é como é que a IA e os dados alimentam o processo de decisão. Por fim, uma realidade que parece distante, mas não o é assim tanto: o administrador algoritmo. “Parece ficção científica, mas nós já temos ministros-algoritmo na Albânia e já temos administradores-algoritmo em fundos de investimento. Portanto, não é tanto ficção científica“, alerta.

“É importante nesta discussão atual sobre governance, haja já orientações éticas” no que diz respeito à IA

Rui Pereira Dias

Diretor do IPCG e membro da CEAM

No mesmo capítulo, Rui Pereira Dias, diretor do IPCG e membro da CEAM, salientou que “há que estar atento aos riscos que a inteligência artificial vem trazer”, como é o caso do possível enviesamento dos algoritmos. “É importante nesta discussão atual sobre governance, haja já orientações éticas” no que diz respeito à IA, defende. O mesmo considera que as ferramentas existentes devem primeiro estar sempre sob supervisão humana. Além disso, devem existir mecanismos de proteção contra a discriminação, de forma a que não surjam enviesamentos que acabem por fazer com que a IA não contribua para uma boa governance, mas antes o contrário.

 

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