Greve geral dá “cadastro político” ao Governo e oposições fazem “prova de vida”
Executivo sai duplamente penalizado por ter tentado transmitir uma imagem de pacificação social sem sucesso, concluem vários politólogos ouvidos pelo ECO.
O Governo sai com “cadastro político” desta greve geral, convocada por CGTP e UGT, que pode minar a longevidade da legislatura e, numa primeira etapa, o Orçamento do Estado para 2027, concluem vários politólogos consultados pelo ECO. E o fantasma da troika reaparece, ainda que num contexto económico radicalmente diferente.
Há 12 anos, a 27 de junho de 2013, as duas centrais sindicais uniram-se numa paralisação geral, a última de que há memória, mas o país estava mergulhado numa crise financeira. Realidade bem diferente da atual, com saldos orçamentais positivos, excedentes e a dívida pública a cair. Mas a contestação nas ruas repete-se esta quinta-feira, desta vez, contra o pacote laboral. Para as oposições, designadamente PCP e BE é “uma prova de vida”.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, tem repetido que “esta greve não faz sentido”. “A questão que se coloca, e é séria, é esta: uma greve geral porquê? Uma greve geral para reclamar o quê? Do Governo e do poder político”, acusou o chefe de Governo.
“Há um pretexto que é esta pretensão de tornarmos a legislação laboral mais amiga do crescimento económico, mais amiga do emprego, mais amiga dos trabalhadores, mais amiga dos salários mais altos. Mas é um pretexto, porque esse objetivo foi apresentado aos parceiros sociais no dia 24 de julho e está em cima da mesa negocial”, vincou durante o debate quinzenal da passada sexta-feira.
“A greve é política. A greve motiva aqueles que nunca, nunca chegarão a acordo, não querem chegar a acordo – a CGTP – e mobiliza os outros que, sinceramente, caíram na armadilha da CGTP”, continuou, numa indireta à UGT.
E até já acenou com um aumento do salário mínimo para os 1.600 euros, caso a reforma da lei laboral avance. Uma cenoura que não convenceu PCP, PS nem tão poucos os trabalhadores.
“Em vésperas de uma greve geral, é pouco digno; os trabalhadores não merecem que lhes façam isto”, atirou o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, em reação à pretensão do chefe do Executivo em elevar a fasquia do salário mínimo à custa de uma centena de alterações ao Código Laboral. A CGTP considerou o “ato desesperado” e “um insulto” aos 2,5 milhões de trabalhadores com menos de 1.000 euros”. Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, acredita que a mobilização não irá esmorecer depois das palavras de Montenegro.
“Esta greve geral deve ser analisada sob dois quadrantes. Para as oposições mais à esquerda, como PCP e BE, trata-se de uma prova de vida, depois dos desaires eleitorais que têm sofrido. Mas, para Chega e PS, os dividendos não são tão claros, porque não têm uma base sindical tão implantada”, de acordo com a análise de André Azevedo Alves, professor de Ciência Política da Universidade Católica Portuguesa.
Paula Espírito Santo, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, considera, contudo, que “Chega e PS também ganham com esta greve”. É mais uma pedra na engrenagem do Executivo e um mau presságio para o Orçamento do Estado para 2027. Nessa altura, o novo Presidente da República já poderá dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas em caso de chumbo da proposta orçamental. Atualmente, está impedido de o fazer porque se encontra a seis meses do fim do mandato e, durante o primeiro semestre presidencial, o Chefe do Estado também não pode usar a bomba atómica.
“Em termos políticos, há um ganho evidente para os partidos da oposição, principalmente se a greve tiver uma adesão significativa, o que é provável. Há muitos anos que não há uma greve geral e tem sido dado destaque significativo a este momento. Tendo havido uma mobilização das duas centrais sindicais, pode haver um movimento de claro aproveitamento político por parte dos partidos mais à esquerda, demonstrando uma sociedade civil e um mundo laboral em força contra o Governo”, completa Bruno Costa, professor de Ciência Política da Universidade da Beira Interior.
Governo sai “duplamente penalizado”
E o Governo sai “duplamente penalizado”, assinala André Azevedo Alves. Para o politólogo, o Executivo despendeu muitos recursos para tentar mostrar uma “imagem de pacificação social com os múltiplos acordos com diversos setores da sociedade”, mas gorou colher esses frutos agora às portas de uma greve geral, convocada pelas duas centrais sindicais.
“Significa que o Governo esgotou todos os argumentos e não conseguiu evitar uma paralisação. Essa paralisação também vem desmentir o primeiro-ministro quando defende que está preocupado com a classe trabalhadora”, sinaliza Paula Espírito Santo. Para além disso, acrescenta a politóloga, “a greve funciona aqui como um cadastro político, é mais um elemento que pode vir a atrapalhar o caminho do Governo e a sua longevidade”.
“Depois de vários acordos de concertação social em diversos setores, pacificando algumas áreas (professores, polícias) o Governo demonstra alguma inabilidade face à gestão desta greve. A reação de Montenegro é tardia e centrada num aumento de salários que não está diretamente associado a medidas concretas da reforma laboral”, considera Bruno Costa.
Para o politólogo, o facto de Luís Montenegro “entrar na discussão, demonstra a incapacidade dos elementos do Governo defenderem as medidas anunciadas”. O Executivo “sairá tanto mais fragilizado quanto mais significativa for a paralisação”, reforça.
Mas na perspetiva de Bruno Costa, não há um reaparecimento da troika, “até pelos indicadores económicos”. “Há sim um debate mais ideológico face às opções do Governo”. Para além isso, o especialista em Ciência Política rejeita a ideia de Governo com “cadastro”, uma vez que vai tentar procurar “afirmar a ideia de que as greves são uma arma de arremesso político e que são a resposta ao esvaziamento do poder dos partidos mais à esquerda, mesmo que não o afirme de forma direta”.
O Governo fica, porém, “obrigado a agir e a procurar um consenso mais alargado, nomeadamente através da UGT, o que pode acontecer após as eleições para esta central sindical”, remata Bruno Costa. O próximo congresso eletivo realiza-se, no entanto, só em outubro de 2026.
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