O verão mais frio nas contratações tech está a chegar? Temperatura está amena (para já)

Decisões de redução de pessoal sucedem-se pelos Estados Unidos e Europa no setor tech. E em Portugal, as contratações estão a abrandar? Tecnológicas ouvidas pela Pessoas afastam esse cenário.

Depois de picos de rondas de investimento, disparos nas contratações, criando um clima salarial hot, hot no ecossistema tech, dos EUA e da Europa chegam notícias sucessivas de lay-offs. Os fundos de investimento já avisam: há que esticar as rondas de investimento e abrandar contratações no ecossistema das startups. E a unicórnio com ADN português Remote é uma das mais recentes tecnológicas a registar esse arrefecimento: reduziu 100 pessoas, cerca de 10% da sua força global de trabalho, incluindo Portugal. O inverno parece estar a chegar ao verão das tech. Será mesmo assim? As tecnológicas ouvidas pela Pessoas estão “atentas” mas afastam um cenário de arrefecimento nas contratações. A temperatura, para já, mantém-se amena. Só a Axians este ano conta contratar 500 pessoas.

Anúncios de reduções de pessoal no setor tecnológico estão a tornar-se frequentes. E nem a Microsoft está alheia. “Comunicámos a um pequeno número de colaboradores para cessarem as suas funções na empresa. Esta decisão foi o resultado de um realinhamento estratégico e, como todas as empresas, avaliamos regularmente o nosso negócio. Continuamos a investir em certas áreas e a aumentar o número de colaboradores no ano que se avizinha“, reagiu fonte oficial da companhia à Pessoas, depois de notícias darem conta de um corte de pessoal, embora não precisando que eventual impacto – se algum – esta decisão poderá vir a ter no mercado nacional onde a empresa já tem mais de 1.200 pessoas e estuda potenciais novos hubs fora de Lisboa.

Diogo Mónica da Anchorage Digital afasta um cenário de redução de velocidade no recrutamento. “Não estamos de modo algum a abrandar nas contratações. O recrutamento continua a ser uma prioridade para satisfazer uma procura em rápido crescimento, expandir a nossa oferta de produtos e apoiar os nossos atuais clientes”, garante o cofundador da fintech, o mais recente unicórnio com ADN português.

“Mantemos os nossos planos para alargar a nossa equipa. Estamos atualmente a contratar para mais de 50 funções diferentes em Portugal e nos EUA, e também estamos a contratar na Ásia-Pacífico. As posições variam desde a engenharia ao design, departamento jurídico, vendas e marketing“, reforça o presidente da Anchorage Digital.

Não estamos de modo algum a abrandar nas contratações. O recrutamento é a nossa principal prioridade para satisfazer uma procura significativa e em rápido crescimento, expandir a nossa oferta de produtos e apoiar os nossos atuais clientes.

Diogo Mónica

Cofundador e presidente da Anchorage Digital

Planos de crescimento que se estendem ao mercado português, onde a startup tem escritório. “Em Portugal, especificamente, estamos a expandir a nossa já significativa presença no país através de iniciativas de recrutamento de pessoal de engenharia, técnico e outras funções mais operacionais. Estamos também a estabelecer parcerias com instituições que nos podem ajudar a chegar às pessoas mais talentosas e qualificadas. Orgulhamo-nos de contribuir para cultivar o talento técnico português através dos nossos objetivos de contratação”, refere. “Sempre demos prioridade a uma abordagem ponderada e estratégica de contratação e continuaremos a fazê-lo na segunda metade de 2022”, garante o cofundador da fintech.

A Axians está “atenta” aos sucessivos anúncios de lay-off, mas o ritmo de contratações continua business as usual. “Temos estado atentos a esses anúncios. Nos primeiros seis meses de 2022, em Portugal e em outras geografias onde atuamos, continuamos com uma dinâmica de crescimento semelhante a 2021. E é transversal aos diversos setores de atividade em que estamos presentes – Telecomunicações, Energia, Indústria, Retalho, Banca e Seguros, Construção, Setor Público, entre outros”, refere Fernando Rodrigues. Por isso, “mantemos o plano para este ano”, garante o managing director na Axians Portugal.

“Iremos contratar cerca de 500 pessoas em 2022. Engenheiros de software, nas mais diversas tecnologias, como machine learning, inteligência artificial, python, outsystems, analistas, gestores de projeto, engenheiros e técnicos de redes, cybersecurity, cloud, técnicos de suporte em aplicações de colaboração, consultores, gestores comerciais, técnicos de recursos humanos, entre outros”, adianta à Pessoas.

E o mesmo diz a Pipedrive. A companhia “não está a passar por nenhum período de redução de pessoal, uma vez que estamos com uma taxa semelhante à do ano passado”, assegura Lara Rodrigues, people & culture manager de Lisboa. Desde que arrancou em 2010, com cinco pessoas, o ritmo de crescimento tem sido elevado: hoje são mais de 900 colaboradores, com mais de 50 nacionalidades, em dez escritórios distribuídos pela Europa e EUA.

Globalmente, a empresa tem mais de 100 vagas que pretende preencher este ano. E também em Portugal. “No ano passado fizemos 98 contratações em Lisboa e, até ao momento, fizemos 34 contratações e temos mais 50 vagas previstas até ao final do ano. Estamos principalmente à procura de programadores de software, especialistas em customer support e customer success, gestores de produto, designers, profissionais de vendas e de marketing“, adianta a people & culture manager de Lisboa da Pipedrive.

“Estamos atentos ao desenvolvimento do contexto macroeconómico, continuando a contratar de acordo com as necessidades do negócio e sendo criteriosos em cada decisão de contratação”, diz fonte oficial da Uber.

“Prosseguimos com o nosso compromisso e investimento em Portugal, de acordo com as necessidades do mercado. Em setembro passado inaugurámos o Centro de Excelência em Lisboa. O hub da Uber e a sede de operações representam um investimento de mais de 90 milhões de euros e já geraram mais de 500 empregos diretos”, reforça a mesma fonte da plataforma digital.

A Mercedes-Benz.io também “continua comprometida com os seus planos de desenvolvimento nos mercados onde está presente”, garante à Pessoas. “Hoje somos cerca de 300 pessoas em Portugal e temos atualmente várias vagas em aberto, para programadores de front-end e back-end, cloudops, engenheiros de diversas áreas, solution architects, product owners, scrum masters e UX designers, entre outras”, refere.

Estamos atentos ao desenvolvimento do contexto macroeconómico, continuando a contratar de acordo com as necessidades do negócio e sendo criteriosos em cada decisão de contratação.

Fonte oficial Uber

O arrefecimento em outros mercados parece estar ainda longe de Portugal. “Talvez o que se passa no resto da Europa seja diferente do que sentimos em Portugal, pela simples razão de que o ecossistema tecnológico está fervilhante. As pessoas do setor das tecnologias na Europa e algumas grandes personalidades não querem perder o que está a acontecer em Portugal (Web Summit, The Europas Tech Startup Award, entre outros), o que faz com que a maioria do pessoal do setor tech queira também fixar-se em Lisboa para não sentir o famoso FOMO (Fear of Missing Out)”, considera Rui Martins, responsável da marca Volkswagen Digital Solutions.

“Não temos sentido esse ‘arrefecimento’ e até temos crescido muito nos últimos anos: em dois anos praticamente duplicámos o número de colaboradores”, continua. Hoje já são 300. “Temos pessoas de mais de 20 nacionalidades, de países tão diversos como a Hungria, o Brasil, a Escócia, a Jordânia, a África do Sul, a Índia. Os dados apontam para a maior vinda de pessoas oriundas do Brasil, nos últimos dois anos, e é precisamente deste país que vemos um fluxo muito grande de talento tech a vir para Lisboa“, descreve.

Contamos chegar aos 450 colaboradores em 2023 e anunciar mais projetos a virem para Portugal em linha com um fortalecimento da marca Volkswagen Digital Solutions.

Rui Martins

Responsável da marca Volkswagen Digital Solutions

E os planos para este ano são de crescimento. Este ano o objetivo é atingir cerca de 400 colaboradores, o que significa recrutar cerca de 100 pessoas até ao final do ano.

“Contamos chegar aos 450 colaboradores em 2023 e anunciar mais projetos a virem para Portugal em linha com um fortalecimento da marca Volkswagen Digital Solutions”, diz. “Para breve, temos a abertura da segunda edição da Junior Academy, em setembro, desenhada para a formação de jovens graduados nas áreas tecnológicas. É um programa que iniciámos em 2021 e ao qual damos continuidade este ano, querendo sobretudo que se torne uma edição anual”, adianta Rui Martins.

Escassez de talento tech mantém-se

“É sempre com alguma apreensão que ouvimos as notícias sobre as movimentações de mercado e as reduções que se vão sentido nesta indústria. No entanto, no caso da Manta, ainda nos encontramos numa fase contraciclo. Tendo recentemente finalizado a ronda de 35 milhões de dólares de investimento, estamos numa fase de aceleração e de crescimento do nosso headcount. Com a abertura do novo escritório em Lisboa, a nossa expectativa continua a ser de crescimento, sobretudo no que diz respeito a perfis tecnológicos“, afirma Cláudia Leitão, vp of people & culture da Manta.

Crescer a equipa está, assim, nos planos imediatos. “A nossa ambição para o desenvolvimento e evolução do nosso produto fazem com que o foco seja o crescimento da equipa, nomeadamente no que diz respeito a perfis de Java software Developer, DevOps engineers, Product Managers, entre outros”, diz. Até ao final do ano, a companhia quer recrutar até 50 colaboradores.

Até ao momento, o arrefecimento do mercado vivido lá fora ainda não atingiu a Smartwatt. “Ainda não estamos a sentir o impacto na nossa atividade, mas a razão desse abrandamento poderá ter como principal razão o equilíbrio do mercado, já que nos últimos anos esteve muito acelerado e competitivo. No entanto, toda a instabilidade que se tem vivido nos últimos dois anos, poderá ter causado um abrandamento“, aponta Tiago Santos, intelligence manager da Smartwatt.

Na Smartwatt a estratégia desenhada para este ano mantém-se. “Continuamos a seguir a nossa estratégia definida para 2022, sendo que ainda estamos a reforçar a nossas equipas. Iremos manter todos os planos iniciais, aumentando a nossa equipa em 50% até ao final do ano – cerca de 16 pessoas –com perfis desde software developers, tanto para backend como para frontend developers, data engineers, machine learning engineers, data scientists, business developers e marketing“, revela o intelligence manager.

Mas as dificuldades de recrutamento, geradas pela escassez de talento, mantêm-se. A Swartwatt “continua com alguma dificuldade na procura de perfis adequados para as nossas necessidades, assim como a sentir a pressão salarial presente no setor tecnológico“, reconhece Tiago Santos.

… e a pressão salarial também

A escassez de talento tem empurrado os salários dos profissionais. Em Portugal, os salários na indústria tecnológica dispararam 36,5%, em comparação com o valor remuneratório médio no ano passado, para um salário médio anual bruto de 44.449 euros. Ainda assim, o aumento salarial parece não ser suficiente para reter o talento: cerca de sete em cada dez profissionais considera mudar de emprego nos próximos três meses, segundo o relatório “Deep-dive into the Portuguese tech market”, elaborado pela Landing.Jobs, em parceria com a Volkswagen Digital Solutions.

E, tudo indica, nem tão cedo deverá aliviar. “A pressão no mercado nacional mantém-se elevada. Prevemos que no curto e médio prazo se mantenham da mesma forma, ou seja, com um desequilíbrio entre a procura e a oferta de talento”, acredita Fernando Rodrigues. “Essa circunstância leva as organizações e serem mais criativas no desenvolvimento do seu EVP (employee value proposition), que vai muito além do salário, incluindo aspetos mais extrínsecos como flexibilidade laboral, formação, benefícios em espécie, partilha de resultados, e outros mais intrínsecos ou transcendentes, como orientação-a-projeto, realização pessoal e profissional, propósito e valores, e manifesto de sustentabilidade”, reforça o managing director na Axians Portugal.

A pressão no mercado nacional mantém-se elevada. Prevemos que no curto e médio prazo se mantenham da mesma forma, ou seja, com um desequilíbrio entre a procura e a oferta de talento.

Fernando Rodrigues

Managing director na Axians Portugal

“Para sermos competitivos neste mercado, cada vez mais exigente, é fundamental garantir que estamos atentos aos comportamentos salariais, mas sabemos também que as mais recentes notícias referentes a potenciais reduções poderão trazer uma desaceleração quanto a esta percentagem de aumentos salariais”, reconhece Cláudia Leitão. “O nosso foco será sempre garantir que continuamos a acompanhar os comportamentos do mercado e a garantir o nosso posicionamento como um empregador de referência, também a nível de compensação & benefícios”, garante vp of people & culture da Manta.

“A pressão salarial surgiu pela vinda de empresas internacionais para Portugal, beneficiando de um ecossistema de talento muito atrativo e oferecendo pacotes salariais acima daquelas que eram praticadas no nosso país, absorvendo dessa forma o talento nacional, obrigando as empresas nacionais, como a Smartwatt, a refazer os pacotes salariais para se manter competitiva”, comenta Tiago Santos.

“A pressão salarial é uma realidade e continuará a ser sentida no setor, sendo que a solução será uma adaptação das empresas a esta nova realidade com a criação de modelos de negócios mais atrativos, eficientes e globais, que possam suportar essa pressão, refletindo estes aumentos na sua oferta, caso contrário será muito complexo conseguirem competir por talento”, considera o intelligence manager da Smartwatt que não vê tréguas rápidas na chamada ‘guerra pelo talento’.

Para sermos competitivos neste mercado, cada vez mais exigente, é fundamental garantir que estamos atentos aos comportamentos salariais, mas sabemos também que as mais recentes notícias referentes a potenciais reduções poderão trazer uma desaceleração quanto a esta percentagem de aumentos salariais.

Cláudia Leitão

Vp of people & culture da Manta

“A guerra de talento continua e irá continuar pelo menos a curto e médio prazo. O talento é a chave para o sucesso das empresas. E a atração de talento está mais complexa de gerir, não apenas pela questão salarial, que cresceu significativamente, mas sim pela necessidade de oferecer um pacote de benefícios tangíveis e intangíveis que são esperados pelos candidatos, e acima de tudo garantir que as pessoas estão permanentemente motivadas para contribuir para o nosso projeto e se sentem valorizadas”, considera o responsável da Smartwatt.

Uma visão partilhada por Rui Martins. “Portugal é visto cada vez mais como um dos principais hubs tecnológicos a nível europeu (para não dizer mundial), e por isso, temos não só grandes empresas a virem para Portugal e a sediarem no nosso país os seus tech hubs, como vemos do lado dos recursos um aumento de talento tech estrangeiro a escolher Portugal como destino – quer seja para trabalhar nas empresas aqui sediadas, quer seja como nómadas digitais a trabalhar para empresas noutros países”, diz o responsável da marca Volkswagen Digital Solutions.

“Tudo isto faz com que haja uma maior competitividade entre as empresas para contratarem o melhor talento e apostarem na sua retenção. Há muito talento (e bom talento) a fixar-se em Portugal e isso aumenta a necessidade de fixação e retenção dos trabalhadores nas empresas, que cada vez mais fazem esforços acrescidos no sentido de aumentar salários, benefícios e outras perks, apostando ainda em regimes de trabalho híbrido, para serem atrativas face à concorrência”, argumenta.

A guerra pelos talentos é real. Os últimos dois anos mudaram significativamente as práticas de contratação e o mercado de trabalho está mais concorrido do que nunca”, diz Lara Rodrigues. “A Pipedrive tem planos de desenvolvimento ambiciosos para os próximos anos, sendo o seu principal desafio passar pelo crescimento da empresa focada nos novos talentos, especialmente em Portugal, uma vez que as grandes organizações continuam interessadas em sediar-se aqui”, continua a people & culture manager de Lisboa da tecnológica.

Por isso, defende, “a retenção é fundamental para aliviar a pressão das crescentes exigências salariais, mas também acreditamos que ser uma marca forte no employer branding é um fator de diferenciação importante”.

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