Dos glossários à designação de cargos. Nestas empresas trabalha-se para a inclusão da comunidade LGBTQI+
Apesar de defenderem que a diversidade é fundamental para a cultura, apenas 26,5% dos profissionais dizem que a sua empresa lançou iniciativas nesse âmbito. Estas empresas contrariam os números.
Quase 70% dos profissionais consideram que a sua empresa se preocupou com a gestão da diversidade nos últimos dois anos, mas apesar de 42% defender que a diversidade é uma parte importante da cultura corporativa, apenas 26,5% refere que a sua organização lançou efetivamente programas e iniciativas. E 22,8% indica que ainda não o fez, embora esteja nos planos da empresa, revela o estudo “Diversidade & Inclusão”, da Michael Page. A TAP, Microsoft, Free Now e Teleperformance são algumas das empresas que contrariam estes números e que, não só incluem a diversidade nos seus planos, como a transpõem para ações concretas. Glossários, personalização de tratamento, neutralidade na designação de cargos e promoção de festividades são algumas das iniciativas que se têm realizado por estes dias — assinalando o mês em que se celebra o Dia do Internacional do Orgulho LGBT, que decorre esta terça-feira — mas que, nestas empresas, ocorrem também durante todo o ano.
“É a primeira empresa onde sinto que o tema de diversidade e inclusão é levantado como um ponto de discussão”, diz Moisés Sousa, partner technical advisor da Microsoft Portugal. “Como imigrante de um país com baixo crescimento económico e social, sonhar com um futuro de oportunidades e inclusão era uma tarefa impossível. Quando a vida me deu a oportunidade de viver fora das minhas fronteiras e trabalhar numa empresa onde o meu valor reside em capacitar muitas perspetivas, qualquer necessidade de ocultar a minha verdadeira essência ficou completamente esvaziada”, admite o profissional, natural da Venezuela, à Pessoas.
Para dar voz às comunidades LGBTQI+ (sigla para lesbian, gay, bisexual, transgender, queer e intersex), a Microsoft trouxe para Portugal, em 2018, as atividades já desenvolvidas pelo Global LGBTQIA+ Employee and Allies at Microsoft Employee Resource Group (GLEAM), criado em 1993. Moisés Sousa faz parte desta plataforma que é constituída por voluntários da empresa, com o objetivo de impulsionar mudanças relacionadas com a comunidade LGBTQI+ nas políticas e no ambiente de trabalho da gigante tecnológica.
Quando a vida me deu a oportunidade de viver fora das minhas fronteiras e trabalhar numa empresa onde o meu valor reside em capacitar muitas perspetivas, qualquer necessidade de ocultar a minha verdadeira essência ficou completamente esvaziada.
No primeiro ano, o grupo nacional já contava com 60 membros internos e, atualmente, são 120. “Como membro da comunidade LGBTQI+, é muito importante para mim ser fiel à minha personalidade. Parte da luta que mantemos pelos direitos da nossa comunidade começa por garantir que este é um tema de discussão no ambiente de trabalho, e que podemos trabalhar pela diversidade e inclusão em todas as atividades das nossas equipas. O GLEAM, para mim, representa a oportunidade de usar a minha plataforma laboral para informar e educar outras pessoas sobre temas importantes na luta LGBTQI+. Esta foi, sem dúvida, a razão que me incentivou a integrar esta equipa, e deixa-me muito orgulhoso pertencer a uma organização que promove os valores de diversidade e inclusão entre os seus colaboradores”, afirma Moisés Sousa.
O GLEAM foi impulsionado inicialmente por Rita Piçarra, atual CFO da Microsoft Portugal, que, depois de ter vivido 12 anos em países como os EUA, França, Brasil e Espanha, notou que a Microsoft em Portugal estava a crescer a um ritmo muito elevado e que ainda não tinha o chapter GLEAM localmente. “Desafiou-me para avançarmos com a criação deste projeto em Portugal e arrancámos o grupo com apenas cinco membros”, recorda Sergio Matos, sr finance manager & GLEAM lead na Microsoft Portugal.
Na mais de uma centena de membros do GLEAM, há colaboradores da comunidade LGBTQI+, mas também “aliados”. “Uma pessoa que toma intencionalmente a decisão de perceber, criar empatia e atuar para apoiar o outro; é um compromisso e uma prática ao longo da vida, que deve ser adotado por todos nós”, esclarece Sergio Matos. Os “aliados” são fundamentais no grupo, “de forma a eliminarmos as formas de discriminação e melhorarmos a empatia entre as pessoas das organizações”.
Durante o mês de junho, a Microsoft, à semelhança de muitas outras empresas, intensificou as iniciativas neste âmbito, celebrando, com os colaboradores em todo o mundo, o orgulho gay. No dia 17 de junho, a partir do mote “Pride has no borders”, as comunidades LGBTQIA+ da Microsoft organizaram um evento experimental no metaverso. Os participantes mergulharam na história do Pride, num mundo virtual, e aprenderam mais sobre os direitos LGBTQIA+ com ativistas, jogadores e defensores das comunidades LGBTQIA+ na Microsoft, Xbox e organizações como a International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (ILGA World) e OutRight Action International.
Já a Free Now, que também tem sido uma voz ativa na luta pela igualdade de direitos da comunidade LGBTQI+, tornou-se mobility partner das atividades da Pride Week, em Lisboa, nomeadamente do Arraial Lisboa Pride, que decorreu este fim de semana. Para além de um desconto exclusivo de 15% em todas as viagens até à Praça do Comércio, a Free Now levou, ainda, a cabo uma série de ativações no local.
A plataforma de mobilidade começou, ainda, em setembro do ano passado a dar formação aos seus mais de três mil motoristas sobre condutas contra o assédio e a discriminação. O objetivo é aumentar o conhecimento sobre as questões da comunidade LGBTI+ e desmistificar preconceitos e estereótipos.
Promover a familiarização com conceitos
Para garantir a familiarização das pessoas com o conceito e linguagem LGBTQIA+ e fomentar discussões construtivas, a Fox Life, com a consultoria da ILGA Portugal, assumiu um compromisso com a promoção da literacia de identidade de género e combate à intolerância e ao preconceito. Para isso, o canal da Walt Disney Company Portugal começou o projeto “ABCLGBTQIA+”, que dá a conhecer os vários termos relacionados com a comunidade LGBTQI+.
Não binária, queer, trans, identidade de género, pronomes, LGBTI-fobia, gay, expressão de género, cis ou cisgénero, aliada, bissexual, pansexual, lésbica, família arco-íris, linguagem inclusiva, misgendering, nome social, poliamor e travesti são alguns dos termos cujo significado está disponível para download gratuito em formato áudio, vídeo ou estático, no site www.abclgbtqia.com.
Dar o exemplo desde o chairperson
A TAP dá o exemplo através do próprio chairperson. Uma alteração na designação do cargo que acarreta uma mensagem muito importante. Manuel Beja, que desempenha funções na companhia aérea desde junho do ano passado, assina como chairperson e não como chairman, o mais habitual no mundo corporativo.
“Procuramos ser uma empresa na qual todos têm as mesmas oportunidades e responsabilidades, indiferentemente do género, etnia ou orientação sexual, por exemplo”, diz fonte oficial da TAP, acrescentando que este “pequeno” (e ao mesmo tempo enorme) detalhe na designação do cargo do gestor contribui para “promover a igualdade de género” numa empresa que “celebra a diversidade em todas as suas dimensões”.
A designação chairperson tem sido bem recebida pelos colaboradores e restantes gestores de topo, tal como todas as outras iniciativas que a TAP tem vindo a adotar para a promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+. Criou “serviços sociais” – que contam com um serviço de informação, aconselhamento e mediação para questões relacionadas com a diversidade LGBTQI+ no contexto do trabalho – e está a implementar um canal que vai permitir denunciar todas as situações associadas à discriminação, violações do código de ética, infrações relacionadas ou fraude, assegurando “o anonimato e o tratamento confidencial de todas as situações denunciadas”.
“Project Charlie”
Na Teleperformance, o “Project Charlie” tem feito uma grande diferença na vida de alguns colaboradores. O projeto — como o nome indica — inspirou-se em Charlie: uma pessoa não binária que, todos os dias, quando abria os sistemas para trabalhar era confrontada com o seu dead name, com o qual já não se identificava.
“Estamos a mudar parte dos nossos sistemas para que, desde que a pessoa é recrutada, possa determinar qual o seu nome preferencial e isso possa estar refletido nas tools para que seja conhecida pelo que a faz sentir melhor. É algo mínimo, não tem custos por aí além, mas tem um impacto brutal”, contava Ana Sanches, VP of diversity, equity and inclusion na multinacional, numa entrevista no início do ano à Pessoas.
Na reunião, disse-nos que, pela primeira vez, estava a partilhar as suas intenções e a forma como gostaria de ser tratada porque, até agora, nas organizações onde tinha estado tinha sido alvo de bullying e não percebiam a sua condição. E chorou um bocadinho ali connosco. Em muitos casos estamos a dar às pessoas a oportunidade de serem aquilo que querem ser.
Uma mudança que faz toda a diferença na vida de Maria. “Quando começamos o ‘Project Charlie’ um conjunto de pessoas pediram-nos para mudar o nome, inclusive um colaborador que entrou na Teleperformance como homem, com algum receio de divulgar a sua identidade, mas que queria chamar-se Maria, estava em processo de mudança legal de nome”, lembra a responsável. “Na reunião, disse-nos que, pela primeira vez, estava a partilhar as suas intenções e a forma como gostaria de ser tratada porque, até agora, nas organizações onde tinha estado tinha sido alvo de bullying e não percebiam a sua condição. E chorou um bocadinho ali connosco. Em muitos casos estamos a dar às pessoas a oportunidade de serem aquilo que querem ser.”
Como aumentar diversidade e inclusão
De acordo com o estudo realizado pela Michael Page, mais de metade dos inquiridos (58,3%) atribui a responsabilidade de implementar iniciativas de diversidade e inclusão precisamente ao departamento de recursos humanos, seguindo-se os elementos da gestão sénior (diretores e outros responsáveis).
No que toca às atividades promovidas no âmbito da diversidade e inclusão, 89,3% refere o equilíbrio de género. Seguem-se a integração de pessoas com diferentes backgrounds culturais (73,8%) e a empregabilidade de pessoas de várias idades, referida por 71,4%. Mais de metade dos entrevistados (56%) menciona, ainda, a integração de pessoas com incapacidade e 32,1% a contratação de pessoas pertencentes à comunidade LGBT.
“Uma cultura diversificada e inclusiva ajuda as organizações que desenvolvem a sua atividade também no estrangeiro. Em simultâneo, as organizações que apostam na diversidade são geralmente mais bem sucedidas. Os estudos mostram que as empresas com equipas de gestão diversificadas têm 19% mais receitas graças à inovação“, salienta Álvaro Fernandez, diretor-geral da Michael Page em Portugal.
Defendo a necessidade de as empresas promoverem a diversidade a nível interno, o estudo revela ainda que os modelos flexíveis de horário de trabalho e as iniciativas para promover o equilíbrio entre vida profissional e pessoal são as mais apontadas (64,3%).
A comunicação de iniciativas de diversidade (internet e intranet, brochuras, workshops internos, palestras em conferências e publicações) surge como a segunda forma mais utilizada (54,8%), seguindo-se a formação e incentivo de equipas interculturais.
A reestruturação dos processos de recrutamento (por exemplo, reformulação dos anúncios de emprego, adaptação do processo de candidatura e do processo de seleção) é referida por 28,6% e os programas de mentoring e intercâmbio internacional de colaboradores por 27, 4%.
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