“Há Direito”: o projeto que simplifica as leis nos bairros sociais

André Moreira Simões e Leonel Gomes Cá fundaram o "Há Direito" com o principal objetivo de aumentar a literacia jurídica. Inicialmente pensado só para bairros sociais, o projeto já expandiu horizontes

O mundo estava a atravessar uma pandemia quando, no final de 2020, André Moreira Simões, assistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Leonel Gomes Cá, mestrando na Universidade Nova de Lisboa, tiveram a ideia de fundar o projeto “Há Direito”. Face aos baixos níveis de literacia jurídica em Portugal, os fundadores decidiram avançar com esta ideia e “levar o direito” de modo simples aos bairros sociais.

“O projeto cresceu exponencialmente, entretanto e o que seriam apenas aulas de Direito num só bairro dadas pelos dois, tornou-se em eventos, organizados por uma equipa de dezenas de voluntários, em várias universidades, escolas secundárias e bairros sociais”, explicaram à Advocatus André Moreira Simões e Leonel Gomes Cá.

O principal objetivo do projeto é aumentar a literacia jurídica e permitir que todas as pessoas, “independentemente das condições socioeconómicas”, possam saber responder a questões base como: “tenho direito a quantos dias de férias?”, “como criar a minha empresa?” ou “quando devo preencher a minha declaração de IRS?”. Acreditamos que, de pouco serve escrevermos bonitos e longos códigos, se não conhecermos os nossos direitos e deveres”, acrescentam os fundadores.

André Moreira Simões e Leonel Gomes Cá, fundadores do Há DireitoHá Direito

O “Há Direito” destinava-se inicialmente a residentes em bairros sociais, mas com o crescimento do projeto decidiram estender a todos os que tenham interesse em aprender Direito, sendo que têm um grande foco nas gerações mais jovens.

“O Direito foi apresentado, muitas vezes, de um modo complicado e aborrecido. Hoje vamos mudar isso e simplificar a tua vida”. Esta é uma das frases como o projeto se apresenta nas redes sociais e André Moreira Simões e Leonel Gomes Cá explicaram à Advocatus que não tem sido nada fácil, mas que é muito enriquecedor.

“O nosso trabalho consiste muito em explorar diversas formas de explicar “palavrões jurídicos”, de uma forma que seja cativante, mas sem perda do rigor jurídico. E é esse obstáculo que, também, é o pilar e o maior trunfo do “Há Direito”. E foi por um processo em que as nossas equipas colaboram em conjunto, comentam os textos uns dos outros e mostram os textos aos voluntários não jurídicos que conseguimos tornar mais acessível o Direito a públicos tão diferentes até aqui”, notaram.

Com quase dois anos de atividade, o balanço feito pelos dois fundadores foi bastante positivo e faseado. Numa primeira fase cresceu com a ajuda de cada voluntário, permitindo um “evento mais ambicioso” e a criação de redes sociais com a produção de conteúdos diversificados. Depois, numa segunda fase e com a diminuição das restrições pandémicas, conseguiram alcançar as universidades, escolas secundárias e bairros sociais, o que lhes permitiu aproximar de um público bastante vasto e muito diferente.

“Sentimos que, neste momento, temos a oportunidade de voltar a crescer e chegar a uma nova fase onde, quem sabe, podemos alcançar pontos geográficos mais distantes, através das redes sociais e de eventos presenciais, mas é, sem dúvida, cada vez mais desafiante o balanço entre a vida profissional, pessoal e o “Há Direito””, sublinharam.

Para além dos fundadores, a equipa do projeto é composta por voluntários jurídicos e não jurídicos. Entre os voluntários jurídicos residentes estão Baltazar Oliveira, Bruna Santos, Margarida Boieiro, Pedro Cecília e Sandro Carvalho.

“No entanto, também contamos e contámos com outros voluntários jurídicos que ajudam e ajudaram a preparar os guiões online e alguns dos temas a apresentar nos eventos presenciais, em que podemos destacar: Catarina Baptista, Catarina Toscano, Francisco de Menezes, Gonçalo Caro, João Velosa, Manuel Pinheiro, Maria Biscaya, Mariana Leonardo e Vera Carvalho”, referiram os fundadores.

Na equipa de voluntários não jurídicos contam com Leonor Bettencourt e Simão Matos de Carvalho, de imagem e produção de vídeos; e Mariana de Sá Campos e Nazaré Mascarenhas, de gestão e produção de eventos. Também pertenceram à equipa, entre outros, Gustavo Martins e Beatriz Mota Pinto.

Mas o projeto não “fecha portas” e convida qualquer pessoa a colaborar com a equipa. Anualmente abrem processos de recrutamento e caso alguém tenha interesse pode sempre enviar uma mensagem com o currículo para a página de Instagram do “Há Direito”.

“Caso o projeto continue a crescer de forma exponencial, e para conseguirmos dinamizar ainda mais a página e chegar a vários pontos do país será fundamental para o “Há Direito” contarmos com voluntários de marketing digital, sem prejuízo de mantermos o interesse em recrutar as “jovens promessas” de Direito”, sublinharam os fundadores.

Até ao momento também o feedback do público tem sido muito positivo. No online, a equipa sentiu uma grande adesão. Já nas escolas secundárias o interesse dos alunos é “impressionante”. “Costumamos levar a debate a liberdade de expressão e antes de iniciar o debate explicamos os cuidados lógicos e argumentativos que se deve ter num discurso, bem como, a importância da Constituição visto que a liberdade de expressão tem dignidade constitucional”, explicaram.

Segundo os fundadores, nos bairros sociais a preparação para fazer um evento “não é fácil”. Com duas edições realizadas, conseguiram perceber a importância de chegarem até aos residentes dos bairros. “Toda a estrutura é pensada ao detalhe, desde as datas, aos temas, à duração do evento, a adequação dos casos práticos à população em causa. E sentimos, naturalmente, uma evolução com cada evento. Por exemplo, nesta segunda edição existiu uma maior adesão ainda maior neste segundo evento do que no primeiro. De todo o modo, em ambos os bairros os participantes envolveram-se e esforçaram-se bastante na resolução dos casos a levar para a simulação de julgamento criada pela nossa equipa“, referiram.

Por outro lado, nas universidades o maior foque maior é em Direito do Trabalho, uma vez que são poucos os estudantes que têm esta área nas suas unidades curriculares e “sabemos que mais cedo ou mais tarde terão que conhecer os direitos e deveres enquanto trabalhadores, ou mesmo enquanto empregadores”.

Creio que todos nós crescemos com este projeto, não só a nível jurídico (é necessário dominar para simplificar e não perder o rigor jurídico), mas desenvolvemos diversas soft skills: a preparação de eventos, a coordenação com os nossos parceiros, entrar num mundo que por vezes é diferente da nossa realidade (como é o caso dos bairros sociais), o trabalho em equipa, ouvir e aprender com as críticas”, concluem.

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