Seis meses depois, o que mudou com a invasão à Ucrânia
Com a guerra, registou-se um disparo dos preços, nomeadamente na energia. Meio ano depois há alguma estabilização, mas em matérias como o gás natural há ainda riscos avultados.
Há seis meses, o mundo acordou com a notícia de que a Rússia tinha invadido a Ucrânia. Numa sociedade que já enfrentava os desafios da saída da pandemia, surgiram novos fenómenos, nomeadamente o aumento dos preços das matérias-primas. Ambos os países têm um papel preponderante no fornecimento global de algumas mercadorias, como energia e cereais. Depois de vários máximos registados, alguns ativos estão a estabilizar e a regressar ao normal, enquanto outros continuam a escalar.
“O principal impacto foi o aumento dos preços da energia e uma grande incerteza sobre o que viria a seguir, o que fez com que houvesse algum recuo em relação a decisões de investimento e consumo”, aponta Pedro Braz Teixeira, economista da Nova SBE e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, ao ECO.
Não só impactou o preço da energia como também “de uma série de produtos alimentares, que se traduziram num aumento geral”. Além disso, a guerra “veio ter outro impacto que é acelerar todo o calendário de subida de taxas de juros dos bancos centrais“, salienta.
De facto os aumentos acabaram por impulsionar a inflação, que tem acelerado um pouco por toda a Europa. Se já a saída da pandemia tinha provocado uma subida nos preços, a invasão na Ucrânia e consequente impacto em várias matérias-primas levou o indicador a atingir máximos de várias décadas.
Na Zona Euro, a inflação em julho atingiu os 8,9%, enquanto para o conjunto da União Europeia o indicador já se fixa nos 9,8%. Em Portugal, fixa-se nos 9,1% no sétimo mês do ano.
O petróleo foi uma das matérias-primas onde mais se sentiu o aumento dos preços. Após a invasão registou-se um disparo no valor do barril de Brent, referência europeia, que atingiu um máximo em março, de 139,13 dólares. Os Governos avançaram com medidas para mitigar estes efeitos, sendo que por cá, por exemplo, avançou o AutoVoucher, que dava um montante mensal a quem ia atestar o automóvel (inicialmente de cinco euros, foi aumentado para 20), seguido de uma baixa no ISP.
Seguiu-se uma caminhada cheia de oscilações, provocadas pelos desenvolvimentos internacionais, bem como as perspetivas económicas de uma recessão e os confinamentos na China, que impactaram a procura. Nos últimos dias, o Brent tinha cedido para baixo dos 100 dólares o barril, uma fasquia que foi quase sempre ultrapassada no período inicial após a invasão. Mas voltou a passar a barreira esta terça-feira.
Este abrandamento no petróleo está a levar uma queda no preço dos combustíveis, ainda que lenta. “É verdade que há alguma estabilização de alguns preços, até porque as subidas de taxas de juro anunciadas e planeadas também estariam já a moderar a procura”, admite o economista.
Essa tendência nota-se por exemplo no trigo. Sendo a Ucrânia um dos grandes produtores de cereais, por vezes apelidada de “celeiro da Europa”, estes produtos foram bastante afetados pela invasão. Apenas recentemente foi possível desbloquear os primeiros navios com cereais a partir da Ucrânia, após um acordo com a Rússia para permitir a saída para exportação.
O trigo negociado nos mercados internacionais, por exemplo, disparou para ficar acima dos mil dólares em Nova Iorque, mas em junho começou a recuar e situa-se agora a rondar os 750 dólares.
No entanto, “tudo indica que a Rússia vai usar a arma do gás natural nos próximos meses e está à espera de chegar o Inverno para usar de forma significativa essa arma”, alerta.
Olhando para o setor da energia, é aqui que há maior aumento de preços, sendo que já com a saída da pandemia se começava a perspetivar esta tendência. O gás foi um dos grandes materiais afetados, nomeadamente pelo facto de a Rússia ser um grande fornecedor, algo que os países europeus começaram a tentar mudar, reduzindo a dependência.
Depois de uma grande subida, o gás tinha começado a estabilizar, mas nos últimos dias voltou a aumentar, nomeadamente após a estatal russa Gazprom anunciar que vai suspender o abastecimento de gás natural à Europa por três dias no final deste mês. Existem receios de um corte mais prolongado da torneira do gás russo, contribuindo para a oscilação dos preços.
Para Pedro Braz Teixeira, quando esta “arma” for usada, “vamos ter claramente um novo pico de inflação”, reitera. “É preciso distinguir a evolução do preço do petróleo e gás natural”, nota também. “A crise energética começou há ano e meio, antes da guerra, e o preço do petróleo duplicou e já baixou”, recorda. Já “o do gás multiplicou-se por 11 ou 12 e ainda está elevado”, destaca.
Quanto a medidas a ser aplicadas para mitigar os efeitos desta subida, o economista sublinha que “o que está a ser ensaiado são medidas de poupança de energia e alguma tentativa de substituição de outras fontes”, isto já que é “muito difícil ter medidas de curto prazo” devido à importância do gás para a produção da eletricidade, nomeadamente na indústria.
Para controlar os preços, de vários componentes, os bancos centrais estão também a avançar com subidas de juros. “O juro vai abrandar toda a economia e procura em geral, daí também a procura da energia”, aponta o economista, ressalvando contudo que o impacto no preço do gás “é quase irrelevante”, devido à dimensão da subida.
Incerteza traz volatilidade para mercados. Índices ainda não recuperaram totalmente
Os mercados têm estado a digerir o cenário geopolítico, sendo que a negociação é marcada por volatilidade. Receios de uma recessão global afetam o sentimento dos investidores, bem como as ações dos bancos centrais para controlar a inflação (que já se têm traduzido em subidas das taxas de juro).
“O primeiro semestre do ano foi um dos piores dos últimos anos, afetado pelas políticas monetárias restritivas adotadas pelos principais Bancos Centrais, em conjunto com as preocupações sobre o risco de recessão e também pela invasão russa à Ucrânia que apanhou os mercados de surpresa e provocou fortes quedas dos ativos de risco”, sinaliza Henrique Tomé, analista da XTB, ao ECO.
O analista aponta que, neste momento, “o desempenho das bolsas europeias têm sido inferiores às bolsas americanas, principalmente devido à exposição ao conflito que continua a existir no leste da Europa e ao risco de corte total do fornecimento de gás natural russo”. “Na mira dos investidores continuam a ser levantadas preocupações sobre as políticas monetárias demasiado restritivas e o risco de recessão que estas políticas podem trazer a fim de combater a evolução da subida dos preços (inflação)”, acrescenta.
“Embora os principais índices mundiais tenham aprofundado as quedas com o início da invasão russa, a verdade é que este tema não tem sido o driver para os mercados há vários meses”, ressalva. Pelos Estados Unidos, o índice de referência financeiro S&P 500 teve grandes oscilações e a cotação está ainda abaixo do que era no dia antes da guerra, apesar de já estar a aproximar-se. O mesmo se passou com o índice de referência pan-europeu Stoxx 600.
“No início de junho assistimos a algumas recuperações nas bolsas americanas e europeias, no entanto, estas recuperações em nada estiveram relacionadas com o que está a acontecer na Ucrânia”, explica Henrique Tomé. Os investidores “continuam a tentar perceber como é que a economia americana e europeia estão a reagir aos aumentos das taxas de juro e de que modo é que estes aumentos podem despoletar novas red flags“.
O analista prevê que “os próximos meses serão desafiantes, principalmente para se perceber a solidez do mercado de trabalho (tanto nos EUA como na Europa)”. Este “tem sido um dos poucos indicadores que continua a dar sinais robustos e que por esse motivo tem afastado o cenário de recessão, apesar dos EUA ter entrado em recessão técnica”, nota.
Nos movimentos nas bolsas, destaca também que “recentemente, os mercados voltaram a registar quedas motivadas pelos riscos de recessão e pelo aumento das tensões entre a Europa e Rússia no que diz respeito ao fornecimento de gás natural”.
É de recordar ainda que na sequência da invasão, o ouro foi outro dos materiais que registou uma subida, nomeadamente por ser visto como um ativo mais seguro no qual os investidores decidiram apostar. Chegou a ultrapassar os 2.000 dólares por onça, em março, mas tem vindo a cair e a cotar à volta dos 1.730 dólares.
A pressionar este material está um dólar robusto, que chegou mesmo a superar o euro durante a sessão desta segunda-feira, bem como expectativas de mais aumentos nas taxas de juros por parte da Fed.
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