Nas últimas horas de negociação, tensões geopolíticas também podem ameaçar acordo na cimeira do clima

Ucrânia, Rússia, Estados Unidos, China e Brasil chegaram à cimeira do clima com tensões geopolíticas que podem dificultar um acordo em Sharm el-Sheikh.

Os líderes mundiais entraram nas horas chave das negociações na cimeira do clima. As conversas entre os delegados presentes em Sharm el-Sheik, que se prolongam por longas horas da noite desde a passada quarta-feira, deverão continuar este sábado, embora o final da COP27 estivesse previsto para sexta-feira.

Sameh Shoukry garantiu esta sexta-feira estar “determinado a terminar esta conferência” este sábado, apelando às partes para que “passem a uma velocidade superior”. Já da parte do vice presidente da Comissão Europeia, foi lançado um apelo esta manhã para que as nações não desistam de chegar a um acordo e reúnam todos os esforços para se chegar a um consenso em relação às propostas de Perdas e Danos, o compromisso para a redução de emissões e o fim dos combustíveis fósseis.

Se estão aqui para negociar, então ficarão o tempo que for necessário. Ainda não vimos a proposta final, mas queremos sair daqui sabendo que fizemos tudo para manter a meta de 1.5 graus Celsius viva”, afirmou esta manhã, numa conferência de imprensa.

As versões preliminares do acordo entre as partes que têm sido divulgadas sugerem que o consenso é uma miragem e que ainda existem alguns obstáculos pela frente que podem comprometer os avanços.

“Não pode haver política climática eficaz sem paz”.

Apesar dos vários temas centrais desta cimeira, o evento anual que reúne representantes de 190 países, acontece em contexto de grande instabilidade geopolítica com a guerra na Ucrânia, que já leva oito meses desde o seu início. A situação, que abalou as relações diplomáticas em todo o mundo, ameaça dificultar as negociações na reta final. O conflito militar espoletado pela Rússia, não passou despercebido e a delegação ucraniana, no Egito, acusou o Kremlin não só de “terrorismo” mas também de “ecocídio”.

“A invasão matou animais selvagens, gerou poluição e causou instabilidade social. O nosso meio ambiente está sob ameaça por causa deste ataque terrorista”, disse Svitlana Grynchuk, ministra adjunta do Meio Ambiente da Ucrânia, em Sharm el-Sheikh acrescentando que um quinto das áreas protegidas da Ucrânia foram arruinadas e os prejuízos da contaminação de solos, anteriormente férteis, ascenderam a 11,4 mil milhões de euros.

Além disso, a guerra terá aumentado os níveis de emissão de gases de efeito estufa (GEE) naquele país em 33 milhões de toneladas, ao passo que a reconstrução poderá resultar na libertação de até 49 milhões de dióxido de carbono (CO2). Desde o início da guerra, em fevereiro, o país afirma ter reunido provas de 2.000 “crimes ambientais” avaliados em 37 milhões de euros, incluindo destruição de florestas, libertação de gases tóxicos e danos em instalações de água. O governo também afirma que cerca de 600 animais e 750 plantas e fungos estão sob ameaça.

Num discurso transmitido por vídeo, na terça-feira, o presidente Volodymyr Zelensky foi perentório: “Não pode haver política climática eficaz sem paz”.

Discurso por vídeo do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP 27), em Sharm el-Sheikh, no Egito. 8 de novembro, 2022. AHMAD GHARABLI / AFP

Presente na cimeira, ainda que não estivesse representada por Vladimir Putin, a Rússia reiterou que continua comprometida com os objetivos climáticos, ainda que esteja a sofrer as consequências das sanções do Ocidente. Ruslan Edelgeriev, enviado especial de Moscovo, rejeitou a noção de que o país estaria a contribuir para um atraso no combate à crise climática, afirmando que a Rússia seria capaz de atingir as metas de zero carbono antes de 2060 se fossem levantadas as sanções económicas.

Já ciente de que a guerra na Ucrânia seria um dos temas centrais na COP27, o presidente da COP, Sameh Shoukry, na cerimónia de abertura, apelou, mas sem dizer nomes, a que as nações não deixassem que “tensões políticas” interferissem no combate à crise climática, antecipando que o período de negociações finais pudesse sentir alguma turbulência por causa da Rússia e da Ucrânia.

EUA e China “descongelam” cooperação depois de visita a Taiwan

Mas a guerra não é o único fator que pode dificultar a chegada de consenso entre as delegações presentes em Sharm el-Sheik. A presidência do Egito já antecipava obstáculos entre a China e os Estados Unidos, os dois maiores emissores do mundo, e cujas relações azedaram depois de Nancy Pelosi, presidente demissionária da Câmara dos Representantes, ter visitado o Taiwan neste verão.

Apesar destas tensões, as duas nações reuniram-se de forma informal no arranque da cimeira do clima sob a garantia de estarem ambas a fazer “um esforço conjunto de apoiar a presidência egípcia a realizar uma COP27 bem-sucedida”. “Espero que os Estados Unidos tomem a iniciativa para eliminar as barreiras. Penso que a porta estava totalmente fechada da parte deles. Nós, na China, estamos a tentar abri-la”, afirmou o enviado especial chinês, Xie Zhenhua.

A porta reabriu-se esta segunda-feira, em Bali, no arranque da reunião dos G20, onde o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o líder chinês, Xi Jinping se reuniram e chegaram a acordo para retomar a cooperação bilateral no combate às alterações climáticas, permitindo desbloquear as negociações que se encontravam paradas desde agosto. Apesar do encontro entre os dois líderes ter ocorrido longe do Egito, os líderes prometeram que iam iriam “capacitar altos funcionários” nas áreas mais importantes de cooperação, nomeadamente, as alterações climáticas.

Presidente chinês Xi Jinping cumprimenta presidente norte-americano Joe Biden. 14 novembro 2022. EPA/XINHUA /LI XUEREN

Mas durante a cimeira do clima, os dois países também deram sinais de compromissos relativamente ao fundo Perdas e Danos e ao financiamento climático, ambos destinados a ajudar os países a cobrir os prejuízos das consequências das alterações climáticas e a mitigar os riscos. Durante a sua intervenção na cimeira do clima, o representante chinês referiu que embora não exista “uma obrigação da China” em contribuir para o fundo, Pequim está “disposto” a dar o seu “contributo” e a fazer “um esforço” no combate ao agravamento das alterações climáticas.

Já Biden, que antes de partir para a reunião do G20 passou por Sharm el-Sheikh, prometeu aos líderes mundiais que os 11,4 mil milhões de dólares anuais, destinados ao financiamento climático e que deveriam estar a ser entregues desde 2020, chegariam até 2024. A promessa foi feita antes do apuramento das eleições intercalares, cujo resultado pode colocar a aprovação destas verbas em causa, alertou o enviado especial John Kerry. Os resultado recolhidos até à data sugerem que o Senado poderá ficar nas mãos dos democratas ao passo que os republicanos recuperam a Câmara dos Representantes, cuja liderança fica em aberto depois de Nancy Pelosi se ter demitido.

“Brasil está de volta”

O Brasil e o resultado das eleições também marcaram a cimeira do clima. O presidente eleito, que só tomará posse em janeiro de 2023, dirigiu-se a Sharm el-Sheikh para deixar claro perante os líderes mundiais que o combate à crise climática e a preservação ambiental vão voltar a ser prioridade para o governo.

“O Brasil acaba de passar por uma das eleições mais decisivas da sua história. Uma eleição observada com atenção inédita pelos demais países”, referiu Lula da Silva durante o seu discurso, explicando que o momento foi decisivo para ajudar a “conter o avanço da extrema-direita autoritária, antidemocrática e do negacionismo climático no mundo”.

Com a derrota de Jair Bolsonaro, Lula da Silva afirmou que “a democracia venceu” e, com isso, “voltam a vigorar os valores civilizatórios, o respeito aos direitos humanos e o compromisso de enfrentar com determinação as alterações climáticas”.

Presidente eleito Luiz Inacio Lula da Silva na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP 27), em Sharm el-Sheikh, no Egito EPA/KHALED ELFIQI

O novo presidente do Brasil aproveitou o momento para fazer a promessa de zelar pela proteção da Amazónia (cujo a desflorestação atingiu níveis recorde durante o mandato de Bolsonaro) e de criar um Ministério dos Povos Originários, que servirá “para dar voz” à comunidade indígena no país.

O regresso do país ao diálogo sobre a crise climática incentivou Lula a lançar um desafio a António Guterres: “Vamos falar com o secretário-geral da ONU e vamos pedir que a COP de 2025 seja no Brasil, na Amazónia“.

Mais dinheiro, menos combustíveis fósseis

Apesar das questões geopolíticas, o fim dos combustíveis fósseis e o financiamento para o combate à crise climática continuaram a ser o tema crucial e determinante para um acordo em Sharm el-Sheikh. António Guterres já tinha alertado de que, face à COP26, em Glasgow, seria necessário este ano um “pacto histórico” do clima com os países mais pobres, ou “estaremos condenados”. Mas, até agora, os avanços não têm sido significativos e o próprio presidente egípcio da COP27 veio a público admitir que dentro das salas das negociações, as “divisões são profundas”.

Desde a passada quarta-feira, altura em que as conversas começaram a ir pela noite adentro, que têm sido divulgados propostas formais de países e rascunhos de um possível acordo que deveria ter ficado assinado na sexta-feira, 18 de outubro. Mas a falta de medidas vinculativas e concretas nos documentos sugerem haver ainda trabalho pela frente este sábado.

Certo é que as críticas e apelos da parte dos países mais pobres fizeram-se ouvir durante a COP27, depois de terem acusado os países mais ricos de não fazerem o suficiente para ajudar os mais vulneráveis na mitigação e adaptação das consequências das alterações climáticas. Mia Mottley, primeira-ministra dos Barbados, considerou que “o mundo ainda se parece demasiado com o que era quando havia um império colonialista”, denunciando as desigualdades e acesso a recursos entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Fomos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Devemos agora enfrentar um risco duplo por ter que pagar o custo como resultado desses gases de efeito estufa da revolução industrial? Isto é fundamentalmente injusto

Mia Mottley, primeira-ministra dos Barbados

Em causa está o financiamento climático de 100 mil milhões de dólares — mecanismo que serve para a mitigação e adaptação das alterações climáticas — e o fundo de Perdas e Danos, usado para cobrir prejuízos imediatos de catástrofes agravadas pelas alterações climáticas. Ambos da responsabilidade dos países mais ricos, destinado a ajudar os países mais pobres, mas que nunca foi concretizado — mas não pela falta de vontade. Estados-membros da União Europeia, os Estados Unidos e a Nova Zelândia reiteraram as intenções de apoiar monetariamente os países mais expostos aos riscos das alterações climáticas, prometendo vários milhões de euros ao longo da semana. No entanto, a vontade não é generalizada.

Protestos durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas de 2022 (COP 27) em Sharm el-Sheikh, no Egito. EPA/SEDAT SUNAEPA/SEDAT SUNA

 

Generalizada também não é a vontade de por um ponto final no recurso aos combustíveis fósseis, apesar de a Índia ter proposto eliminar gradualmente a utilização dos combustíveis fósseis — uma medida que passaria a englobar o gás e o petróleo que, no Pacto de Glasgow, em 2016, ficaram de fora. Espera-se que países como a Arábia Saudita e a China contestem a medida.

“A única coisa que quero evitar é que coloquemos todos os combustíveis fósseis no mesmo lote quando pedimos por uma redução gradual, porque todos sabemos que vamos demorar muito mais a reduzir gradualmente o gás natural do que reduzir gradualmente o carvão”, afirmou o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans disse. “O carvão é muito mais sujo do que o gás natural, quanto mais cedo nos pudermos livrar dele, melhor”.

A argumentação de Timmermans, não reflete, no entanto, a realidade da União Europeia. O risco de um “apagão” este inverno, como consequência da decisão da estatal Gazprom de fechar a “torneira” ao gás russo, obrigou aos 27 Estados-membros a delinear medidas de segurança extraordinárias e que garantissem, pelo menos, reservas suficientes para até março de 2023. Entre elas, a reativação de centrais a carvão para a produção de eletricidade em países como a Alemanha, Áustria, Itália ou os Países Baixos perante a ameaça de uma crise energética potenciada pela guerra na Ucrânia.

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