Macron e Costa: O que os une e o que os separa
Se na Europa o liberal francês e o esquerdista português parecem estar muito alinhados, o que dizer das suas propostas internas? Em dia de tomada de posse, o ECO explora os paralelismos.
Este domingo, Emmanuel Macron muda-se para o número 55 da Rue du Faubourg Saint-Honoré, o Palácio do Eliseu, onde reside o chefe de Estado francês. François Hollande já garantiu, citado pelo Le Figaro, que a transição não lhe vai custar tanto quanto se imagina: a tomada de posse vai ser “simples, clara e amigável”, porque, “como não passo o poder a um adversário político, torna-se mais fácil”.
E António Costa, será que vê Emmanuel Macron, que liderou um movimento recém-nascido e posicionado ao centro até à presidência francesa, como um adversário ou um aliado? O primeiro-ministro já esclareceu que vê Macron como uma vantagem para uma Europa mais unida. Será verdade que existe mais que une estes dois líderes do que os separa?
Apesar de Macron ter criado um novo espaço político para si, equidistante entre a esquerda e a direita, os politólogos acreditam que, pelo menos no campo europeu, os dois partilham uma visão ambiciosa e uma postura igualmente cautelosa. No campo interno, porém, a questão já é outra, embora existam semelhanças: na postura reformista e mesmo nalgumas propostas, relembra Francisco Assis.
“Muito alinhados” na Europa?
Emmanuel Macron está “muito alinhado” com o Governo português na perspetiva europeia. Pelo menos é o que diz António Costa, que desvaloriza a caracterização de liberal para o novo chefe de Estado francês, preferindo destacar, à Lusa: “A posição que [Emmanuel Macron] tem apresentado em matéria de Europa aposta no reforço da sua componente social e, claramente, numa nova visão da zona euro como espaço de convergência económica. O programa é muito alinhado com as ideias que temos em matéria europeia.”
Francisco Assis, eurodeputado do PS, disse ao ECO ver muitas semelhanças “importantes em relação às perspetivas de reformas na Europa” entre os dois homens. Para Assis, a noção de “solidariedade intraeuropeia” está presente nos programas e propostas de ambos, e neste campo existem “mais pontos de contacto do que de divergência”.
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O novo chefe de Estado francês centrou muita da sua campanha numa visão pró-Europa, o que o permitiu diferenciar-se tanto na primeira volta como, especialmente, na segunda contra a eurocética e extremista Marine Le Pen, da Frente Nacional. O programa de Macron propõe “lançar convenções democráticas em toda a União Europeia” a começar ainda este ano, assim como criar “um orçamento para a Zona Euro” e “um ministro da Economia e das Finanças da Zona Euro”, com a responsabilidade de controlar esse orçamento, que respondesse aos parlamentos dos países da moeda única, relembra o Le Monde.
As ideias de Macron não parecem estar assim tão longe das de António Costa, como aquelas que exprimiu na sessão de encerramento do seminário “Consolidar o euro, promover a convergência”, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian. O euro, defendeu, “é uma das principais realizações do processo de construção europeia”, insistindo na importância de uma Europa mais unida para responder aos seus desafios atuais.
"Importa assegurar a evolução do Mecanismo Europeu de Estabilidade na direção de um Fundo Monetário Europeu, explorando a sua ação no apoio à gestão mais eficiente das dívidas soberanas.”
Para o investigador da Universidade do Minho João Cardoso Rosas, é no plano europeu que os dois líderes estão mais próximos. “Julgo que poderá haver uma certa aproximação em termos de políticas europeias”, afirmou, ressalvando, porém, que falta saber se cada um deles conseguirá realizar as suas ideias. “A capacidade de realização das ideias mais europeístas que ambos têm depende não da França nem de Portugal mas sim da Alemanha”, disse ao ECO.
Pedro Adão e Silva, politólogo professor no ISCTE-IUL, onde leciona desde 2007, concorda com Cardoso Rosas. “Ambos têm uma agenda crítica mas não excessivamente ambiciosa em relação à Europa”, explicou. Essa ambição limitada “tem a ver com realismo. É pouco avisado na política ter agendas que não somos capazes de implementar”.
Propostas internas (não tão) desencontradas
E o programa interno de Emmanuel Macron para a França, terá parecenças com as propostas que António Costa, enquanto candidato do Partido Socialista e antes das suas alianças com o Bloco de Esquerda e o PCP, apresentava para Portugal? Em termos psicológicos, “são ambos reformistas”, responde ao ECO o politólogo José Adelino Maltez.
Francisco Assis, por sua vez, vê mesmo semelhanças concretas nesses programas. “Embora Macron se tenha procurado colocar como um homem para além da diferença entre esquerda e direita, no fundo o seu programa é de centro-esquerda”, afirma o eurodeputado socialista. “Macron, por exemplo, propõe que as empresas com alta rotatividade dos trabalhadores sejam penalizadas”, uma medida que está neste momento a ser trabalhada pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, assim como no reforço da competitividade das empresas. “Diria que o modelo de referência não é muito distinto do programa original do PS para as legislativas”, completa o socialista. “E em relação ao pensamento pessoal de António Costa, não vejo que seja um programa muito distinto”.
João Cardoso Rosas, no entanto, não concorda. “Pela própria experiência de governo de António Costa e de Macron enquanto ministro, assim como das propostas conhecidas, não são propriamente convergentes“, afirma.
E colocar o programa em prática?
Falta saber quantas das suas propostas é que Emmanuel Macron vai conseguir pôr em prática a nível interno em França. Terminadas as campanhas para as presidenciais, os franceses lançaram-se diretamente para a próxima fase e mergulharam de cabeça nas legislativas, que vão decorrer em duas voltas, em 11 e 18 de junho. Com o seu recém-formado movimento En Marche!, Emmanuel Macron vai ter dificuldade em conseguir maioria absoluta — e, destaca o Financial Times, o nível alto de abstenção e votos brancos e nulos na segunda volta sugere que muitos franceses ainda não têm a certeza se querem que a consiga. Uma sondagem do instituto Ipsos mostrou, na verdade, que 61% dos eleitores não querem que Macron tenha maioria absoluta na Assembleia da República.
Isso significa que o novo presidente vai ter de saber formar alianças, escolher de forma inteligente um primeiro-ministro que represente a maioria parlamentar, e colaborar com os restantes partidos para levar à frente a sua agenda. Pode isso resultar numa estrutura parecida com a portuguesa?
Para José Adelino Maltez, uma coisa é certa: “Macron tem de copiar Costa no pragmatismo”. Mas apesar de tudo o panorama é muito diferente. “Nós temos uma democracia muito mais inclusiva do que a dos franceses. Eles que nos copiem — bem gostavam mas não conseguem”.
João Cardoso Rosas também sublinha a diferença de panorama político entre Portugal e França para mostrar como Macron pode ter que optar por estratégias muito diferentes das de Costa para assegurar o cumprimento do seu programa. “Macron procura fugir, pelo menos retoricamente, à dicotomia esquerda-direita”, explica, “enquanto António Costa, pelo contrário, tomou a via de uma nova clarificação da dicotomia esquerda-direita”.
Quem é mais perentório, porém, é Francisco Assis. Paralelismos na busca de alianças no parlamento? “Aí é que não vai haver nenhum, porque é evidente que Macron vai tentar constituir uma maioria presidencial apoiada no centro esquerdo e centro direita”, afirma. “As políticas serão parecidas mas as maiorias parlamentares serão completamente diferentes”.
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