Lesados da antiga PT arriscam ficar mais duas décadas sem ver o dinheiro
Credores portugueses esperavam começar a ser reembolsados em agosto, mas a Oi apresentou um novo plano de recuperação judicial que os pode deixar mais duas décadas à espera.
Após uma longa espera, muitos credores portugueses da Oi, que eram obrigacionistas da antiga Portugal Telecom (PT), esperavam começar a reaver o seu dinheiro a partir do próximo mês de agosto. Mas a operadora brasileira lançou um novo balde de água fria sobre estes investidores, contou ao ECO o advogado Ricardo Marques Candeias, que diz representar 200 pessoas nesta situação, com créditos de mais de 20 milhões de dólares (18,6 milhões de euros).
Em causa estão antigos obrigacionistas da PT e Portugal Telecom International Finance (PTIF), atuais credores da Oi, que, em 2018, aderiram à modalidade de pagamento a 12 anos, aceitando um período de carência de seis anos e um corte de 50% do crédito para serem reembolsados em tranches ao longo de seis anos, a partir de agosto de 2024, com um juro de 6%.
Estes investidores portugueses, que o advogado diz serem em torno de 4.000, arriscam agora só começar a receber o dinheiro daqui a mais de duas décadas. Contactada pelo ECO, fonte oficial da Oi não quis comentar.
A faltar meio ano para o fim do período de carência, surgiu este mês uma “notícia horrível” com “profundo impacto” nestes lesados, disse o advogado da Candeias & Associados. A Oi, que em 2023 avançou para uma nova recuperação judicial, a segunda em que está envolvida desde 2016, por causa de uma dívida acumulada de 44,3 mil milhões de reais (quase 8,3 mil milhões de euros), divulgou no passado dia 6 de fevereiro uma nova versão do plano apresentado em maio do ano passado, propondo novas opções de reestruturação que são muito desfavoráveis, alerta o advogado.
Passámos de um cenário em que a primeira tranche venceria em agosto de 2024 para um cenário em que se exige mais financiamento a favor da Oi e recebe-se parte daqui a quatro anos e meio ou se opta por apenas se receber a partir de 2045.
Segundo Ricardo Marques Candeias, a nova versão do plano da Oi prevê três possíveis cenários em que os antigos obrigacionistas com créditos acima de 20 mil dólares, para evitarem novas perdas, terão de “participar num financiamento” de 650 milhões de dólares à Oi, reembolsado “daqui a quatro anos e meio com juros capitalizados a 8,5%”.
“Consiste em participar num financiamento, em ver reembolsado parte do valor investido (pode participar num leilão reverso) e em passar a ser acionista (aumento de capital a participar com o remanescente do saldo). Neste caso, os seus créditos não sofrem perdas”, resume a Candeias & Associados numa nota aos clientes. Ricardo Marques Candeias questiona-se de quantos credores aceitarão investir mais dinheiro na empresa depois dos prejuízos que já tiveram.
Caso optem pela segunda ou terceira opção de reestruturação dos seus créditos, estes lesados só começarão a receber o dinheiro a partir de 2045.
No caso da segunda opção, está previsto que 8% dos créditos sejam reembolsados através de um instrumento de dívida amortizado de uma vez no final de 2044. Os restantes 92% são convertidos em títulos de dívida participativa, reembolsados no final de dezembro de 2050 ou antecipadamente, de forma parcial, mediante a distribuição de metade dos lucros da Oi, mas sujeito à condição de terem sido pagos os “demais compromissos” da empresa.
A terceira e última opção pressupõe que os créditos continuem sem ser pagos até ao final de dezembro de 2045, “sendo a primeira amortização e subsequentes quatro em parcelas anuais, iguais e sucessivas, até dezembro de 2049, sem incidência de juros”, de acordo com informação remetida ao ECO pelo advogado.
Este é o cenário que se coloca na frente dos investidores aos quais a Oi deve mais de 20 mil dólares. Para os créditos até 10 mil dólares, está previsto o reembolso integral sem juros até 31 de dezembro de 2024. Quanto aos créditos entre 10 mil e 20 mil dólares, o reembolso integral está previsto ocorrer até 31 de dezembro de 2026, de acordo com a sociedade de advogados.
“Passámos de um cenário em que a primeira tranche venceria em agosto de 2024 para um cenário em que se exige mais financiamento a favor da Oi e recebe-se parte daqui a quatro anos e meio ou se opta por apenas se receber a partir de 2045″, explica a Candeias & Associados na referida nota aos clientes.
Em 2018, além do reembolso a 12 anos com perda de metade do dinheiro investido, os credores puderam optar pelo chamado regime de “pagamento geral”. Nesta modalidade, os lesados aceitavam só receber o dinheiro a partir de 2038, em cinco tranches sucessivas anuais, sem perdas. Para estes, segundo a Candeias & Associados, não se preveem alterações no novo plano da Oi.
De acordo com Ricardo Marques Candeias, foi marcada uma assembleia geral da Oi para discutir e votar o plano no dia 5 de março (ou 11 de março, se não houver quórum). Os credores que queiram participar e votar têm até 29 de fevereiro para manifestarem essa vontade junto da Oi.
“Pensamos que a melhor opção é fazer pressão junto da Oi para que esta situação seja revertida na assembleia geral e, no limite, votar contra a aprovação deste plano como forma de protesto por todo este cenário”, concluiu.
Oi tenta manter-se à tona
A leitura do novo plano de recuperação ajuda a explicar como é que se chegou até aqui. Historicamente dedicada à “telefonia fixa”, o principal negócio da Oi entrou em declínio ao longo dos anos com o crescimento das comunicações móveis e por fibra ótica.
“Neste contexto, a perda de relevância da telefonia fixa no novo contexto da prestação de serviços”, entre outros fatores, conduziu a Oi à primeira recuperação judicial, aprovada em 2016, para “permitir a solução de uma crise momentânea de uma empresa viável, garantindo a sobrevivência da empresa e a manutenção da fonte produtiva e empregos”.
Ao abrigo desse primeiro plano, a Oi vendeu um dos seus principais ativos, a Oi Móvel, bem como as torres de telecomunicações, data centers e a unidade de infraestrutura. Reestruturada, a operadora focou-se, então, nas comunicações por fibra ótica e na prestação de outros “serviços digitais”.
Contudo, a Oi viria a precisar de um segundo plano de recuperação devido à sua dívida, que continua avultada. Este novo plano, submetido em maio de 2023, e revisto este mês, “procura encontrar uma solução viável para o equacionamento da dívida financeira da companhia, alcançando assim uma estrutura de capital sustentável, promovendo um equilíbrio entre os resultados operacionais gerados e seus compromissivos financeiros passados e futuros”.
Os investidores agora prejudicados tinham investido em dívida da PTIF, veículo financeiro da antiga PT, com sede na Holanda, criado para levantar fundos no mercado. Segundo o Público, a PTIF emitiu em 2012 cerca de 400 milhões de euros em obrigações, acabando por entrar em incumprimento em 2016 em mais de metade da verba.
A PTIF faz parte do universo da Oi desde a fusão da PT com a empresa brasileira, que teve lugar entre 2013 e 2014 e que pretendia criar um gigante das telecomunicações luso-brasileiro. Mas o negócio sofreu um revés quando se descobriu que a PT tinha investido 897 milhões de euros na Rioforte, sociedade do Grupo Espírito Santo que não honrou o pagamento à PT quando a maior parte da dívida venceu em 2014. As condições da fusão acabariam por ser revistas e, atualmente, o crédito da Rioforte é detido pela Pharol, antiga holding da PT, que ainda é cotada em bolsa e que é acionista da Oi.
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