Bloco quer tratar “turismo habitacional” como hotelaria e limitar licenças
Ricardo Robles, candidato do Bloco de Esquerda a Lisboa, propõe ainda duplicar a taxa turística e reverter as receitas para o município.
Alojamento local e turismo habitacional não são o mesmo. No primeiro, há partilha de casa própria com turistas. No segundo, as casas, um “recurso escasso”, são utilizadas a 100% por turistas. Esta distinção será uma das propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda para alterar a lei que regula o alojamento local. Em entrevista ao ECO, Ricardo Robles defende que aquilo a que hoje se chama de alojamento local é, na verdade, um serviço de hotelaria, que deve ser tributado como tal e que deve estar sujeito a um limite máximo de concessão de licenças. À hotelaria tradicional, por seu lado, também deve ser imposto um limite máximo de licenças.
O candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Lisboa (CML) quer ainda que o valor da taxa turística de Lisboa seja duplicado, para dois euros por noite, para que as receitas com esta taxa ascendam a 30 milhões de euros por ano e possam ser utilizadas em reabilitação urbana e financiamento de rendas acessíveis, sobretudo nas zonas do centro mais pressionadas pelo turismo.
Os bloquistas entram, assim, na discussão em torno desta atividade. Em cima da mesa estão, para já, as propostas do Partido Socialista, que quer que os proprietários de alojamento local fiquem sujeitos à autorização dos restantes condóminos, e do CDS, que propõe a distinção entre proprietários “profissionais e não profissionais” de alojamento local. PSD e PCP ainda não apresentaram qualquer proposta à Assembleia da República, mas Teresa Leal Coelho, candidata social-democrata a Lisboa, já disse querer “criar incentivos ao arrendamento de longa duração“, em vez de restringir o alojamento local.
Para a área do turismo, Ricardo Robles propõe ainda a criação de um gabinete municipal de apoio e fiscalização ao alojamento local, para “responder aos problemas dos residentes que têm um alojamento local no seu prédio”.
Qual é a política a ser seguida para o alojamento local, sobretudo em Lisboa, onde a pressão turística é maior?O turismo é essencial para a economia da cidade e para o emprego e, portanto, somos os primeiros a defendê-lo. O crescimento do turismo é uma boa notícia para Lisboa e a economia e o emprego vão beneficiar com ele, mas também traz uma pressão grande para determinadas zonas da cidade, que é feita a vários níveis: na habitação, nos resíduos, na mobilidade, no espaço público. O alojamento local é uma das formas de os turistas poderem ficar na cidade, a outra é a indústria hoteleira tradicional. Em ambos os casos, o processo está desregrado e sem contenção. Aliás, Fernando Medina disse, no ano passado, que não sabia o que era turismo a mais na cidade de Lisboa. A forma que melhor ilustra esta política de ‘não sei o que é turismo a mais’ é a taxa do turismo. É uma taxa de um euro por noite, até um limite de sete noites, aplicada a quem dormir em Lisboa. No ano passado, gerou cerca de 12 milhões de euros, este ano vai gerar cerca de 15 milhões. Esta taxa é uma boa ideia, tem potencial até de crescimento, podemos subir ligeiramente este valor. O erro fundamental de Fernando Medina é entregar estes 15 milhões de euros a um fundo que é gerido pela associação hoteleira e pela AHRESP. Quem tem interesses na cidade sobre o turismo, recebe a taxa e reinveste-a no seu setor.
Em que é que devia ser usada a taxa?A taxa deveria reverter para o município e deveria ser a Câmara Municipal a geri-la. O que defendemos é que ela seja reinvestida sobretudo na zona do centro, onde o turismo é mais pesado, e sobretudo onde ele está a fazer mais diferença, que é na mobilidade e na habitação.
Deve, então, servir para financiar rendas acessíveis?Financiar reabilitação urbana que permita ter rendas a preços acessíveis. A ideia é que haja pessoas a viver nos mesmos sítios onde os turistas nos visitam. Isso é que é a cidade partilhada, a cidade onde recebemos bem quem nos visita, mas onde também podemos viver nesse espaço.
Para quanto deve ser aumentada a taxa?Ainda não temos esse valor fechado, mas julgo que duplicar o valor para dois euros não é absurdo. Há territórios que têm seis euros por noite de taxa turística, isso é capaz de ser um exagero. Feita esta introdução, o alojamento local é uma componente importante desta pressão, porque utiliza um recurso escasso, que são as casas de habitação, sobretudo as que estão no centro da cidade. Por isso, o que temos defendido é que, primeiro, tem de haver uma distinção entre o que é o conceito original da partilha da casa — o alojamento local surge nessa perspetiva, do quarto ou da sala com o sofá cama para quem nos visita –, ou a partilha no tempo.
Estamos a falar de distinguir grandes e pequenos proprietários? Ou é a forma de arrendamento que tem de ser distinguida?Tem de haver uma distinção entre o que é o conceito original da partilha da casa — o alojamento local surge nessa perspetiva, do quarto ou da sala com o sofá cama para quem nos visita –, ou a partilha no tempo.
É a forma, mas essa é outra distinção que também tem de ser feita. A distinção fundamental é essa: o alojamento local, no seu conceito original, era a partilha da casa. São casas de pessoas que vivem nessas casas, mas que a partilham com quem a visita.
Como é que essa distinção se traduz na prática?Na prática, o alojamento local passa a ser efetivamente isto: quem vive na casa e a partilha com outros. Depois, temos de criar uma outra categoria, podemos chamar-lhe o turismo habitacional, onde as casas são transformadas e utilizadas a 100% no turismo, e isso é a prestação de um serviço de turismo. Devemos separar estas águas.
As águas são separadas na fiscalidade?Sim. E também em termos de licenciamento. Para iniciar a atividade em alojamento local, neste momento, basta ser feito um registo no município, cumprem-se umas breves regras de segurança, anti-incêndio. É praticamente automático: entrega-se um papel na Câmara e abre-se a porta. Essa desregulamentação permitiu isso. Esse tipo de alojamento deve continuar a ser feito de uma forma simplificada para quem partilha a sua casa no conceito que referi anteriormente.
Esse conceito original de alojamento local também deve continuar a ser tributado como atualmente, em sede de IRS?Sim, como um rendimento pessoal. Mas há um outro conceito, o tal turismo habitacional, onde há um serviço que está a ser prestado. É hotelaria e é assim que deve ser considerado, como um setor empresarial. E deve ser aceite com um licenciamento específico, aí não deve bastar a entrega de uma comunicação, deve ser obrigatória uma licença para operar.
Este turismo habitacional seria tributado como a hotelaria?O turismo habitacional, que é uma empresa, é um serviço que está a ser prestado, deve ter quotas máximas em determinadas zonas da cidade.
Sim. Temos de estudar a forma, não está ainda fechado, mas deve ser tratado como um serviço e não como uma casa em partilha. O turismo em Lisboa está a crescer e nós queremos receber as pessoas. Mas não podemos fazê-lo no centro, que já está muito pressionado. Temos de dispersar esta pressão para outras zonas da cidade. A questão territorial é fundamental aqui. Este alojamento local que é a partilha da casa, do quarto, uma semana ou um mês por ano, não é isto que está a fazer uma diferença na habitação em Lisboa. Já o turismo habitacional, que é uma empresa, é um serviço que está a ser prestado, deve ter quotas máximas em determinadas zonas da cidade. Tem de haver uma diferença entre a utilização de espaços habitacionais no centro, onde esta pressão existe, e na periferia.
Como funcionariam essas quotas máximas?A base fundamental é: sempre que é um serviço de hotelaria, deve haver uma quota máxima em determinadas zonas da cidade. Naquele alojamento local de partilha da casa, aí deve ser livre. Mas concentramos muito a discussão na questão do alojamento local e das plataformas e o problema não é só esse. Nos últimos dois anos, licenciaram-se 33 hotéis em Lisboa, o que equivale a 150 mil metros quadrados de habitação, ou 1500 fogos. A hotelaria também absorve muito do que pode ser espaço habitacional. Aquilo que o alojamento local faz, de pressionar a habitação, a indústria hoteleira também o faz, portanto, estas quotas máximas também se devem aplicar à indústria hoteleira tradicional.
As quotas no alojamento local devem ser específicas para cada zona da cidade? Leis diferentes para diferentes freguesias?Aquilo que o alojamento local faz, de pressionar a habitação, a indústria hoteleira também o faz, portanto, estas quotas máximas também se devem aplicar à indústria hoteleira tradicional.
Deve ser o município a estabelecer as regras do seu espaço, mas devemos também olhar para as outras cidades que já estão com este problema há mais anos. Barcelona é um exemplo, que tem uma espécie de coroas, onde na zona vermelha não há espaço para mais indústria deste tipo, só podem encerrar e transformar-se em habitação. Depois há uma zona amarela onde há um limite de crescimento, e uma zona verde onde a expansão é ainda possível.
Como veem a proposta do PS para o alojamento local?A proposta não resolve o essencial, que é tentar garantir o bem-estar e a vivência de quem reside nestes prédios, e onde existe um conflito que surge às vezes pelo uso indevido do alojamento local. O Bloco vai propor um gabinete municipal de apoio e fiscalização ao alojamento local. Por um lado, para apoiar quem quer iniciar esta atividade e quer registar-se, toda a informação está concentrada neste gabinete. Mas, sobretudo, está vocacionado para responder aos problemas dos residentes que têm um alojamento local no seu prédio. São funcionários municipais, formados com capacidade para ir a estas situações e intervir se houver necessidade. Funcionam como autoridade e podem aplicar uma coima ou, se houver uma reincidência, eventualmente cassar a licença, ou seja, encerrar aquele alojamento.
560 milhões para a habitação e cinco novas estações
A habitação e os transportes são outros dois pontos de discórdia entre socialistas e bloquistas. Fernando Medina apresentou, recentemente o Programa Renda Acessível, que oferece casas cujas rendas nunca poderão ultrapassar os 35% do rendimento disponível das famílias que forem para lá viver. O programa tem, para o Bloco de Esquerda, vários problemas. Primeiro, “surge a três meses das eleições” e a primeira casa dos projetos-piloto só será entregue no final do próximo mandato. Depois, é uma parceria público-privada (PPP), que implica que 30% das nove mil casas que serão construídas sejam entregues aos privados responsáveis por esta construção.
Por outro lado, as rendas dos restantes fogos serão entregues, num período de 30 a 50 anos, aos mesmos privados. E, se não for garantida uma determinada taxa de ocupação das casas com rendas acessíveis, os privados poderão aumentar o período de coleta das rendas ou, ainda, aumentar a percentagem de património que detém.
O Bloco propõe um programa semelhante, mas onde não entram privados e onde a prioridade é a reabilitação urbana. “Este programa tem 96% de construção nova e 4% de reabilitação. Vamos insistir no problema, continuar a construir quando ainda há tanto para reabilitar”.
O programa contaria com um orçamento de 560 milhões de euros, distribuído por quatro anos e financiado por quatro partes: 30 milhões por ano provenientes da taxa turística, se for duplicada; um empréstimo de 50 milhões contraído pela Câmara junto de entidades privadas, que é excecionado dos limites do endividamento do município por se destinar a reabilitação urbana e habitação; 60 milhões, por ano, provenientes do fundo de estabilização financeira da Segurança Social, que conta com um total de 1.400 milhões; e uma percentagem resultante de cooperativas jovens, que permitiriam a quem quisesse viver em Lisboa reabilitar casas e fazer contratos de concessão das mesmas por 30 ou mais anos.
Ao todo, ficariam disponíveis oito mil fogos, todos pertencentes à CML, e as rendas corresponderiam à taxa de esforço já definida no atual programa.
Do lado dos transportes, “possivelmente o problema mais grave” de Lisboa, a principal proposta passa pela construção de estações de metro em Campolide, Campo de Ourique, Alcântara, Ajuda e Belém, em vez das novas estações em Santos e Estrela que foram anunciadas pelo Governo, proposta que Ricardo Robles considera “um erro”.
Estas cinco estações seriam financiadas, tal como o Governo pretende, com fundos europeus, mas o financiamento necessário seria menor. A extensão da linha do Metro vai custar 216 milhões de euros, o equivalente a cerca de 100 milhões por quilómetro, e Ricardo Robles acredita ser possível construir linhas com 60 milhões de euros por quilómetro.
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