BE e PCP admitem comprar guerra com Marcelo. Mas PS não
No rescaldo do veto presidencial às alterações ao decreto de transferência da Carris para a Câmara de Lisboa, os partidos mantém as posições anteriores. Mas o PS acredita em replicar solução da STCP.
O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda parecem estar dispostos a comprar uma guerra com o Presidente da República para garantir que a Carris, agora na posse da Câmara Municipal de Lisboa, permanece na esfera do Estado e não seja alvo de uma futura privatização ou concessão a privados. Mas o Partido Socialista põe água na fervura e acredita que é possível chegar a um consenso com os seus parceiros de coligação parlamentar satisfazendo as suas preocupações e simultaneamente indo ao encontro dos desejos do Presidente da República, à semelhança do que aconteceu com a STCP.
“Temos uma discordância de princípio da municipalização da Carris. Defendemos que a empresa deve estar no Setor Empresarial do Estado, para ser devidamente financiada pelo Orçamento do Estado”, disse João Ferreira ao ECO. O candidato comunista à Câmara Municipal de Lisboa sublinhou que o partido tem uma “reação negativa” à decisão de Marcelo Rebelo de Sousa e garante que o partido vai, na “Assembleia da República, insistir nas salvaguardas para garantir a preservação do caráter público da empresa, manter a sua gestão pública”, acrescentou. “Não abdicamos de intervir”, frisou o também eurodeputado.
O PCP vai insistir, na Assembleia da República, nas salvaguardas para garantir a preservação do caráter público da empresa, manter a sua gestão pública. Não abdicamos de intervir.
O Bloco de Esquerda admite que havendo em setembro nova votação sobre esta matéria “a decisão irá no mesmo sentido”. Ricardo Robles, o candidato do Bloco à Câmara Municipal de Lisboa, disse ao ECO que “a discussão será feita no seio da Assembleia da República”, mas garante: “Seremos coerentes com o que sempre defendemos para a Carris”. Ou seja, a municipalização da transportadora tem de ser acompanhada de condições não só ao nível do futuro da empresa — impedindo a sua concessão ou subconcessão a privados sem que a Assembleia da República seja ouvida — mas também dos trabalhadores, património e dívida.
Princípios defendidos também pelo PCP. João Ferreira explicou ao ECO que as alterações introduzidas ao decreto-lei que transferiu a propriedade da Carris do Setor Empresarial do Estado para a Câmara Municipal de Lisboa se justificavam com o facto de o Parlamento ser ouvido novamente caso o município decidisse alterar o modelo de exploração porque foi o Parlamento que conferiu à câmara a titularidade da Carris.
Se no Parlamento a maioria aprovar o decreto que limita as opções futuras da autarquia — impedindo-a de conceder total ou parcialmente a exploração a privados da Carris — tal como está, o Presidente da República é obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias, de acordo com a Constituição, apesar de considerar que as alterações em causa aprovadas pelo PS, PCP e Bloco de Esquerda no Parlamento, foram consideradas “excessivas e censuráveis”.
Para já a discussão será remetida para setembro, mês em que serão retomados os trabalhos da Assembleia. Mas o Bloco garante que vão “manter a posição” até porque “os argumentos do Presidente da República para remeter o decreto ao Parlamento não são de ordem constitucional. É um veto político”, frisa Ricardo Robles, “que se alinha com a sua família política, que defende que os transportes de Lisboa devem ser entregues a privados”. O candidato do bloco admite, no entanto, que “pode haver uma evolução” na posição do BE. “Mas não é esse o cenário”, conclui.
O Bloco vai manter a sua posição. Os argumentos do Presidente da República para remeter o decreto ao Parlamento não são de ordem constitucional. É um veto político que se alinha com a sua família política.
É na evolução dessa posição que o PS está a apostar. Pedro Delgado Alves explicou ao ECO que está confiante que será possível “chegar a uma solução de consenso com os vários parceiros que suportam o Governo e que aprovaram esta medida, quando os trabalhos parlamentares se reiniciarem em setembro”. “Não antecipamos problemas”, disse o deputado socialista lembrando que no caso da Sociedade dos Transportes Coletivos do Porto (STCP) também foi possível chegar a um compromisso.
“O caso é ligeiramente diferente porque na STCP estavam envolvidos vários municípios e uma empresa, mas o princípio é o mesmo”, frisou Pedro Delgado Alves. A Carris pertence na sua quase totalidade à CML. Em setembro do ano passado, o PS propôs que, tanto no caso da STCP, como do Metro do Porto, a partir de 1 de janeiro, qualquer decisão relativa a subconcessão ou transmissão de participações sociais passasse a ser objeto de “parecer prévio” por parte das autarquias abrangidas pelo serviço prestado por estas duas empresas. Uma formulação com a qual os partidos mais à esquerda se sentiram confortáveis e que respondeu também às preocupações do Presidente da República. O objetivo é agora repetir a compatibilização de posições.
Conseguimos redigir uma solução de compromisso com os partidos que nos apoiam para assegurar uma gestão pública da STCP. Se conseguimos fazer esse exercício com a STCP vamos conseguir fazer o mesmo com a Carris.
Direita apanha boleia do Presidente
Por sua vez, os partidos da direita portuguesa não poderiam concordar mais com a decisão desta quarta-feira. O PSD, pela voz do vice-presidente da bancada parlamentar Luís Leite Ramos, afirmou que “não podemos estar mais de acordo com os argumentos que ele [Marcelo Rebelo de Sousa] invoca”, sublinhando que essa foi também a posição do partido no debate da especialidade.
Ao ECO, o centrista Hélder Amaral garante que o seu partido mantém o voto contra que apresentou no mesmo debate, afirmando que está “perfeitamente de acordo” com o presidente. “Para além de ser um atropelo da liberdade, é um retrocesso histórico só possível ser pensado por partidos que apoiam regimes pouco democráticos”, notou. “Só quem odeia o capital privado e os privados pensa assim.”
Para além de ser um atropelo da liberdade, é um retrocesso histórico só possível ser pensado por partidos que apoiam regimes pouco democráticos.
Hélder Amaral fez questão de passar agora a pressão para o lado do PS, afirmando que o partido “tem a responsabilidade e até a obrigação de convencer os seus parceiros a expurgar estas alterações” do decreto-lei em questão.
Por agora, a Câmara não pretende fazer nada
E se o decreto firmava que, mesmo que a Câmara quisesse concessionar ou subconcessionar os serviços da Carris não lhe era permitido, a resposta mais direta vem do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que esclarece que a sua equipa “não pretende utilizar a faculdade de concessão”.
“A Câmara Municipal de Lisboa reitera o seu propósito de manter a empresa na esfera municipal com gestão direta, e o seu forte empenho em continuar a investir para recuperar significativamente a qualidade do serviço prestado”, pode ler-se num comunicado enviado às redações. Ainda assim, o município considera que “a decisão do Senhor Presidente da República valoriza a autonomia do Poder Local no uso das suas competências e na gestão do seu património”.
O veto presidencial que teve lugar esta quarta-feira não põe em causa a passagem da Carris para a alçada da Câmara Municipal, que já tinha sido aprovada no ano passado. Por isso, e por não se envolver alterações pedidas pelo Governo, o ministério do Ambiente recusou-se a comentar.
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