É hoje que a dívida dá o trambolhão prometido
Portugal dá hoje uma machadada importante na dívida pública com reembolso de seis mil milhões de euros ao mercado. Economistas falam em riscos na "gestão orçamental" do endividamento pelo Governo.
É hoje que a dívida pública dá o trambolhão prometido pelo Governo. Em causa está o reembolso aos investidores de obrigações do Tesouro no montante de seis mil milhões de euros que o IGCP tem agendado para esta segunda-feira. Esta dívida foi emitida há exatamente dez anos. É agora liquidada e vai resultar na maior redução anual do endividamento público dos últimos 19 anos. Palavra de Mário Centeno.
Foi a 13 junho de 2007 que o instituto que gere a dívida pública abriu uma linha de obrigações com o cupão de 4,35% a vencer a 16 de outubro de 2017. Nessa operação levantou mil milhões de euros, mas haveria de reabrir esta linha em mais ocasiões num montante que agora totaliza os 6.082 milhões de euros e que o Tesouro terá de devolver hoje.
Para o Governo, este reembolso marca o início de uma trajetória favorável na dívida pública que deverá reduzir o rácio da dívida pública para 126,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no final deste ano, segundo a última previsão oficial inscrita na proposta de Orçamento do Estado para 2018. Talvez por isso esta operação tenha sido salientada publicamente por vários responsáveis do Executivo, incluindo o próprio primeiro-ministro, António Costa, como ponto de viragem no stock bruto de dívida pública que em agosto superou pela primeira vez o patamar psicológico de 250 mil milhões de euros (mais de 132% do PIB).
Ao ECO, Ricardo Mourinho Félix, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, foi bastante elucidativo nas palavras que utilizou para abordar o resultado da devolução de outubro aos credores: “A dívida vai dar um trambolhão” em outubro.
Calendário de amortizações de dívida nos próximos anos
Além deste reembolso, o Governo conta ainda com um novo pagamento antecipado de três mil milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para abater ainda mais a dívida pública em 2017 — um total de 8,3 mil milhões, conforme está previsto na proposta orçamental apresentada na última sexta-feira. Este ritmo de devoluções ao Fundo vai acelerar na reta final do ano com o empurrão da Standard & Poor’s, que retirou Portugal do nível “lixo” no mês passado, numa estratégia que visa substituir a dívida oficial mais onerosa por nova dívida no mercado com encargos bem mais baixos.
Assim sendo, contas feitas, está em vista uma redução de nove mil milhões de euros da dívida até final do ano. Incorporando informações mais recentes, até das próprias expectativas para o bom desempenho da economia, o FMI veio dizer esta semana que o trambolhão será maior do que o previsto por Lisboa: a dívida cai para 125,7% do PIB.
No próximo ano, a dívida volta a cair para 123,5% do PIB, com o Governo a ser mais otimista do que as instituições internacionais mas em linha com as mais recentes projeções do Conselho de Finanças Públicas. E está também mais confiante do que os economistas, que não deixam de apontar os riscos inerentes às opções orçamentais de Centeno e Costa.
Apesar da queda da dívida, o Orçamento do Estado faz-se notar pela na ausência de medidas para reduzir estruturalmente o défice e a dívida. Ou seja, o Executivo está a contar com a força da economia para baixar a dívida, deixando de lado medidas de redução mais permanentes no tempo.
Numa análise ao Orçamento do Estado para 2018 exclusiva para o ECO, Joaquim Miranda Sarmento não deixou de apontar que o governo “prossegue a estratégia de consolidação orçamental baseada quase exclusivamente no crescimento nominal“.
“É cada vez mais claro que o país precisa de uma estratégia de consolidação orçamental com medidas estruturais e não apenas com a ‘bonança’ de um crescimento económico um pouco melhor que o dos últimos anos”, notou o professor de finanças do ISEG, notando que o défice estrutural (que desconta o efeito do ciclo da economia) deverá manter-se nos 2%, “podendo mesmo agravar-se”.
"É cada vez mais claro que o país precisa de uma estratégia de consolidação orçamental com medidas estruturais e não apenas com a “bonança” de um crescimento económico um pouco melhor que o dos últimos anos.”
Para Ricardo Santos, economista da Applied Global Macro Research, apesar das boas indicações da economia e até do próprio sistema financeiro (que nos últimos anos foi também responsável pelo aumento da dívida), “é necessário que Portugal mantenha o rumo de consolidação orçamental para ter alguma ‘folga’ na próxima recessão”.
“Mais importante até do que cumprir escrupulosamente os objetivos de redução de dívida do tratado orçamental, é mesmo continuar a reduzir a dívida de uma forma consistente. Em bom rigor, os mercados e as agencias de rating estão mais preocupados com a consistência da redução do que com o cumprimento escrupuloso dos tratados”, sublinha Ricardo Santos.
"É necessário que Portugal mantenha o rumo de consolidação orçamental para ter alguma “folga” na próxima recessão. E mais importante até do que cumprir escrupulosamente os objetivos de redução de dívida do tratado orçamental, é mesmo continuar a reduzir a dívida de uma forma consistente.”
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