Em entrevista ao ECO, a secretária de Estado da Segurança Social frisa que existe uma "lógica muito geracional" na Segurança Social e que o sistema tem de ser "permanentemente avaliado".
Quem tem carreiras contributivas muito longas já pode aceder à reforma antecipada sem cortes. Para os restantes trabalhadores também haverá novas regras, mas o debate ainda vai prosseguir em concertação social. Nada está fechado, mas o Governo já apresentou as linhas gerais das mudanças: se por um lado é de esperar a redução dos cortes, por outro, o acesso à pensão antecipada deve ser apertado. A possibilidade de aceder antecipadamente à reforma ficará afastada para muitos trabalhadores?
A secretária de Estado da Segurança Social começa por explicar que, neste momento, existem “duas gerações, três gerações” com carreiras contributivas muito longas, a quem a questão não se colocará. Mas “passado este período, provavelmente passaremos a ter características diferentes”, admite. O sistema tem “que estar a ser permanentemente avaliado”, adianta ainda Cláudia Joaquim, assumindo que as alterações podem ser revistas ao longo dos anos.
Em entrevista ao ECO, a governante afasta, pelo menos para já, mudanças na lei de atualização das pensões, uma ideia que tinha sido posta na mesa precisamente há um ano. E explica ainda a lógica subjacente ao aumento extra das pensões pelo segundo ano consecutivo.
O Governo tinha sinalizado que não haveria aumento extra das pensões em 2018. Cedeu nesse ponto. Porquê?
As pensões de valor mais baixo e que tinham sido atualizadas entre 2011 e 2015 tinham já um valor de atualização semelhante àquele que teria existido se não tivesse havido congelamento [da lei de atualização das pensões]. No caso das restantes pensões — ou dos pensionistas com o mesmo critério de pensões de valor inferior a 1,5 IAS –, com a atualização extraordinária de 2017, não se atingiu aquele que seria o valor se não tivesse havido congelamento da atualização regular das pensões. Com este facto em cima da mesa, e neste processo de articulação e negociação, foi uma medida que se considerou que fazia sentido para que culminasse neste ciclo de duas atualizações.
Tivemos também uma perceção muito mais clara da probabilidade de uma atualização regular em janeiro que permite, para a generalidade das pensões, uma atualização em termos reais. Que apanha, grosso modo, todos os pensionistas de pensões de valor total inferior a 1,5 IAS e, portanto, estaríamos também a falar de uma atualização extraordinária que, por esse motivo, não tinha um impacto tão significativo como no ano passado, mas que permitia fazer essa correção adicional.
Fica completo o processo ou em 2019 haverá um aumento extra?
Estamos a negociar no Orçamento para 2019 e nessa fase logo se verá. Neste momento, foi aquilo que foi considerado. Que fazia todo o sentido manter a medida e não fazer alterações, nem de valor nem de abrangência dos pensionistas.
Fala num teto de 1,5 IAS – o mesmo que se aplicou este ano – mas o aumento extra não deverá chegar a todas essas pessoas, uma vez que a inflação e a economia vão dar um empurrão mais forte no início do ano. Pensões mais baixas podem ter logo um aumento de 10 euros.
O que esta medida pressupõe é que todos os pensionistas, e consoante os dois grupos – os dos seis euros, porque tiveram atualização entre 2011 e 2015, ou dos 10 euros – terão em agosto de 2018 pelo menos mais 10 [ou seis] euros do que tinham em dezembro de 2017. Naturalmente que se logo em janeiro de 2018 o aumento, com a atualização normal, superar os 10 euros, não haverá depois essa aplicação. Mas não fazia sentido modelar a medida porque ela já tinha sido aplicada. E de uma forma em que correu tudo bem. Não houve problemas nem reclamações.
O Governo admitiu mudar a lei de atualização das pensões, desde logo para instituir aumentos anuais por pensionista e não por pensão, aproveitando a experiência do aumento extra em 2017. Porque não avançou já neste Orçamento?
Estávamos a trabalhar em várias frentes e essa não foi considerada uma prioridade agora, o que não significa que não possa vir a ser. É um caminho que ficou aberto, porque de facto com a atualização extraordinária de agosto por pensionista foi possível, pela primeira vez, sabermos o universo de pensionistas e não de pensões.
Mas mantém-se esse objetivo?
Não corresponde a um objetivo. Corresponde a uma possibilidade, que este Governo ou qualquer outro poderá adotar no futuro.
Também se falou em mudar o critério da inflação usado na atualização. Ainda faz sentido pensar nisso?
A nossa opção foi não alterar a lei.
Mas é um exercício que pode vir a ser feito em 2018?
Eventualmente. Não é um exercício que esteja previsto para começarmos a trabalhar, não significa que não se possa vir a fazer mas não é um objetivo.
[A alteração à lei de atualização das pensões] não foi considerada uma prioridade agora, o que não significa que não possa vir a ser.
Com o aumento extra das pensões, o Complemento Solidário para Idosos (CSI) baixou na mesma proporção?
O que a legislação do CSI prevê é que possa existir uma revisão do valor em função da alteração do valor de referência. A própria legislação não o prevê dessa forma e o sistema de informação, a forma como as coisas estão montadas, não é dinâmico.
Não é automático.
Exatamente. Normalmente é em sede de processos de recálculo da prestação que esse acerto é feito, até porque temos de ter em conta que estamos perante um público vulnerável. Estas variações nas pensões terão, num processo de revisão que poderá ocorrer em janeiro com a atualização do valor (ou mais tarde), essa retificação.
O acerto será feito com a atualização de janeiro?
O decreto-lei do CSI prevê que as prestações já atribuídas tenham atualização do valor. Prevê que o valor de referência seja atualizado com uma determinada percentagem, e as prestações em pagamento também. O próprio processo de janeiro de atualização do CSI tem esse pressuposto, precisamente porque há uma conceção de estabilidade dos rendimentos e nem sequer tem um pressuposto de oscilação, mesmo que anual.
Então em princípio estas pessoas não vão sentir essa perda de rendimento?
Sim.
Em relação às pensões antecipadas, o Governo já disse que vai reduzir os cortes mas, por outro lado, apertar o acesso. É possível saber quantas pessoas deixarão de poder aceder ao regime porque aos 60 anos de idade não têm 40 de descontos?
Uma próxima alteração do regime de reformas antecipadas continuará a ser discutida em sede de concertação social. Nunca poderíamos estar a falar de algo que ainda vai ser negociado. Em relação às muito longas carreiras, o facto de o sistema não ter registado os anos mais antigos de carreiras contributivas dificulta uma perceção clara sobre quem reúne e não reúne [as condições de acesso]. Naturalmente, com projeções, análises das carreiras das pensões atribuídas nos últimos anos, através da utilização de uma série de pressupostos conjugados, fizemos estimativas para saber o impacto que a medida das muito longas carreiras, ou que a alteração que possa vir a ocorrer nas reformas antecipadas, venha a ter. Agora, uma resposta taxativa de quantas pessoas reúnem esta condição, ou quantas não reúnem porque a condição é esta, não é possível responder.
Mas de forma genérica é possível ter uma ideia de quantas pessoas deixam de ter acesso à reforma antecipada, e que poderiam sair se o regime mantivesse a regra?
Fizemos o exercício ao contrário: se for assim, quem reúne. A preocupação não era quem não reúne, estávamos a modelar a medida para perceber como poderia ser o acesso.
O impacto pode ser significativo?
Hoje já é 60 [anos de idade] – 40 [de carreira].
Agora é 60-40 mas no futuro vai ser 40 anos de carreira aos 60 de idade…
Antes de o anterior Governo fazer a suspensão [do acesso ao regime], era 30 [anos de carreira] aos 55 [de idade], já com a mesma lógica.
Mas aí era possível começar a trabalhar mais tarde…
Realço que, se tivéssemos os 55 anos, seríamos o país da Europa com uma idade de reforma antecipada inferior: a generalidade dos países da Europa têm uma idade semelhante ou superior aos 60 anos. Estamos a falar de uma perspetiva também das características e da esperança média de vida de um acompanhamento naquilo que se refere às reformas antecipadas.
Sabemos que temos aqui duas gerações, três gerações, que terão muito longas carreiras contributivas. Passado este período provavelmente passaremos a ter características diferentes, mas o sistema de Segurança Social tem que estar a ser permanentemente avaliado.
Mas à medida que os anos passam, provavelmente essa regra vai deixando cada vez mais pessoas de fora. Pessoas que começaram a trabalhar mais tarde, porque ficaram mais anos a estudar ou por efeito do próprio mercado de trabalho…
Nós temos agora, conscientemente — e por isso é que este regime das muito longas carreiras contributivas era urgente –, uma ou duas gerações de pessoas que reúnem estas condições. Têm carreiras muito longas…
Que dificilmente estarão excluídas…
Sim. Temos uma lógica muito geracional na Segurança Social. Sabemos que temos aqui duas gerações, três gerações, que terão muito longas carreiras contributivas. Passado este período provavelmente passaremos a ter características diferentes, mas o sistema de Segurança Social tem que estar a ser permanentemente avaliado. Não há nenhuma alteração legislativa que se deva entender como [no sentido de] não poder ou não dever ser reavaliada ou alterada permanentemente ao longo dos anos. Não significa que daqui a 5 anos, 10 anos, 15 anos, não faça sentido rever…
Nessa altura fará sentido perceber se há pouca gente a aceder?
Esta legislação, em qualquer momento… porque, de facto, existem estas características. O sistema agora está mais maduro, há dez anos não estava, por isso é que tendencialmente tínhamos mais pensões mínimas do que temos agora. Há contextos que vão mudando.
A medida de reduzir o acesso à reforma antecipada está fechada?
Não. Vamos retomar o assunto em concertação social.
Em 2018 já teremos outras alterações em vigor?
Dependerá da concertação social.
Não está em cima da mesa [a introdução de condição de recursos nas pensões mínimas], discutindo o Orçamento do Estado de 2018.
O OE conta com uma autorização legislativa no âmbito da condição de recursos e o ministro do Trabalho já disse que a ideia é tentar uniformizar critérios nos apoios fora da Segurança Social. No entanto, o Governo já defendeu que as pensões mínimas deviam ter condição de recursos. Mantém-se a ideia?
Vamos falar da autorização legislativa, porque mais nada está equacionado nem previsto no OE.
Mas o Governo pondera avançar nesse sentido? A ideia foi posta na mesa…
Sim, mas não está equacionado. Estamos a discutir o Orçamento de 2018. Relativamente à autorização legislativa, ela traduz uma medida do Simplex, em que o Ministério do Trabalho é o responsável, mas é uma medida transversal. Acaba por ter um maior pendor deste ministério muito pela experiência e pelo conhecimento da atribuição de prestações sociais mediante condição de recursos.
O objetivo é que os apoios públicos atribuídos mediante condição de recursos possam ter uma lógica de uniformização do conceito de agregado familiar, dos rendimentos, sem que essa uniformização ponha em causa as especificidades de cada apoio. É o que acontece com o Decreto-lei 70/2010 [que determina a condição de recursos de uma série de apoios da Segurança Social] e a autorização legislativa deixa bem claro que exclui prestações sociais onde estão incluídas as pensões. O que acontece nesse decreto é a mesma coisa: por si não atribui ou exclui o direito às prestações, o que determina é uma uniformização de agregado, de rendimentos a considerar e de conceitos, mas depois cada prestação social ou cada medida pública terá os seus limiares e referenciais, com total autonomia para definir até onde a medida é atribuída.
Que apoios poderão então ser abrangidos nesta uniformização?
Vários. Desde a área da saúde, educação, habitação, a tarifa da energia, a própria tarifa da água que está em discussão na Presidência do Conselho de Ministros. Estamos a falar de apoios públicos que existem nos vários ministérios.
As pensões mínimas poderão ou não vir a ter condição de recursos nesta legislatura?
Não está em cima da mesa, discutindo o Orçamento do Estado de 2018.
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Acesso à reforma antecipada aperta? “Não significa que daqui a 5 anos, 10 anos, 15 anos, não faça sentido rever”
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