Os altos e baixos do engenheiro que lidou com oito governos
Fernando Pinto vai deixar a TAP ao fim de 17 anos. Pelo caminho, deixa altos e baixos, mas uma coisa é certa: saiu como quis e até promete que, na verdade, vai ficar.
Fernando Pinto vai deixar a presidência executiva da TAP. Ao fim de mais de 17 anos, o engenheiro afasta-se com sentido de missão cumprida, depois de ter concretizado a tarefa para que foi chamado: a privatização da companhia aérea nacional de Portugal. Pelo caminho, deixa altos e baixos. Fez crescer a empresa de 5 milhões para 14 milhões de passageiros e de 38 para 83 destinos. Alargou fronteiras, com a entrada nos mercados norte-americano e chinês. Mas também foi o responsável pelo negócio ruinoso da VEM, que ainda hoje mancha as contas da TAP. No fim, foi um resistente: saiu como quis e até promete que, na verdade, vai ficar.
Uma companhia privatizada com quase o triplo dos passageiros
Que a privatização de uma companhia aérea de bandeira se enquadra no capítulo de feitos positivos é uma conclusão com espaço para discussão. Que Fernando Pinto cumpriu a tarefa para a qual foi chamado, é indiscutível. O presidente executivo da TAP veio com a missão de privatizar a companhia aérea portuguesa e foi isso que fez.
A primeira vez que se ouviu falar de privatização foi em 1991, quando o Governo de Aníbal Cavaco Silva aprovou a transformação do grupo em sociedade anónima, determinando que o Estado teria direito a ficar com, pelo menos, 51% do capital da empresa. De lá para cá, os avanços e recuos no processo de privatização foram uma constante.
Durante a década de 90, chegou a falar-se sobre o interesse de companhias como a Air France e a Iberia. Foi só em 1997 que se chegou a um acordo. Nesse ano, a Swissair comprometeu-se com o Governo socialista de António Guterres, quando João Cravinho era ministro do Equipamento, a ficar com 49% da TAP. A companhia aérea suíça chegou, aliás, a dar luz verde à nomeação de Fernando Pinto para presidente executivo da companhia portuguesa. O processo arrastou-se e a quase falência da Swissair acaba por fazer cair a operação, em 2001.
Com José Sócrates, a intenção passou a ser vender a TAP até 2007. Mais uma vez, nada feito. Foi só com Pedro Passos Coelho, e o secretário de Estado Sérgio Monteiro a conduzir o processo, que a história teve final diferente. Mas não deixou de ter percalços: no final de 2012, era dado com certo que o empresário colombo-brasileiro Germán Efromovich ia ficar com a TAP. O processo caiu por o Governo considerar que a proposta de compra não assegurava a garantia financeira.
Foi preciso chegar a 2015 para a privatização da TAP ficar finalmente fechada, ainda que não nos moldes finais. Em junho desse ano, o consórcio Atlantic Gateway, liderado por Humberto Pedrosa e David Neeleman ficou com 61% da TAP. O modelo da privatização acabou por ser reformulado pelo Governo de António Costa e, finalmente, a TAP é agora detida em 50% pelo Estado português e em 50% pelos privados (parte nas mãos dos trabalhadores).
Outro ponto indiscutível do percurso de Fernando Pinto é o crescimento da TAP, ainda que o desempenho financeiro tenha sofrido vários soluços. Já vamos a esses. Certo é que, em outubro de 2000, o engenheiro entrou para uma companhia aérea que tinha 35 aeronaves, transportava 5,4 milhões de passageiros e voava para 38 destinos. Oito anos depois, a TAP tinha aumentado o número de passageiros em quase 50%, para mais de 8 milhões.
Hoje, o crescimento é inegável. A TAP transportou 14,2 milhões de passageiros em 2017, voa para 83 destinos e conta com uma frota de 88 aeronaves. Mais importante, a TAP entrou em alguns dos mercados mais relevantes a nível mundial. É o caso do mercado norte-americano, que começou a reforçar em 2016, com mais frequências para Boston e Nova Iorque, nos Estados Unidos, e uma nova rota, em 2017, para Toronto, no Canadá. O outro grande marco é a China, o maior mercado emissor de turistas do mundo, para onde começou a operar voos diretos no verão do ano passado.
A compra ruinosa que mancha as contas
O negócio mais ruinoso que a TAP fez remonta a 8 de novembro de 2005 e é uma mancha que ainda hoje a administração da empresa se esforça por esbater. Foi nessa data que a companhia aérea nacional assinou um contrato de compra da VEM (a divisão de engenharia e manutenção da companhia aérea brasileira Varig, já falida, que Fernando Pinto liderou antes de vir para a TAP) e da Varig Log (a divisão de logística), num montante global de 62 milhões de dólares.
Para concretizar esta compra, a TAP formou o consórcio Aero LB, em conjunto com a Geocapital, sociedade de investimentos detida por Stanley Ho e Jorge Ferro Ribeiro e da qual Diogo Lacerda Machado, agora administrador não executivo da TAP, ainda hoje é administrador. A operação não correu como planeado. A Varig Log foi comprada pela empresa Volo Brasil, que acabou por comprar também a parte sustentável da Varig. A TAP ficou com o que restava: em fevereiro de 2006, o consórcio Aero LB fechou a compra da VEM, por 24 milhões de euros, assumindo um passivo avaliado, na altura, em 100 milhões de dólares.
Ora, o acordo celebrado com a Geocapital estabelecia que, caso a compra da Varig não fosse concretizada como estava previsto, a TAP teria não só de devolver os 21 milhões de dólares investidos por aquela sociedade, como teria de pagar-lhe um prémio de 21%, ou seja, mais 4,2 milhões de dólares, um pagamento que veio mesmo a ser feito.
É difícil arrancar de Fernando Pinto um comentário sobre esta operação. Em 2014, quando a Polícia Judiciária fez buscas à TAP e ouviu Fernando Pinto sobre este processo, na condição de testemunha, o engenheiro disse ao Público a compra “foi feita de forma correta” e garantiu estar “confortável”, porque os responsáveis pela operação foram “extremamente cuidadosos”.
Certo é que, pelo menos em parte, é graças à divisão de manutenção no Brasil, entretanto rebatizada de TAP Engenharia e Manutenção, que as contas do grupo TAP continuam no vermelho. E essa é a outra mancha no currículo de Fernando Pinto: a falta de consistência no desempenho financeiro. É verdade que entrou para a companhia quando os prejuízos ascendiam a 110 milhões de euros. E é verdade que, três anos depois, em 2003, a TAP S.A. já reportava lucros superiores a 19 milhões.
Mas também é verdade que os últimos anos têm sido sempre de prejuízos. O grupo TAP SGPS reportou prejuízos de 27,7 milhões de euros no ano passado, de 156 milhões em 2015 e de 85 milhões em 2014. Este ano, Diogo Lacerda Machado já antecipou um “desempenho económico-financeiro incomum”, sobretudo graças ao aumento de tráfego da companhia aérea. Mas, contabilizando apenas o primeiro semestre, as contas continuaram negativas, exclusivamente devido ao impacto da divisão de engenharia e manutenção.
Também não poderão esquecer-se os anos conturbados marcados por greves, sobretudo em 2014 e 2015. Em 2014, ano de recorde de protestos na companhia aérea, as greves obrigaram ao cancelamento de mais de 700 voos, o que também teve custos na ordem dos vários milhões para as contas da TAP. Só em indemnizações, a TAP teve de desembolsar 12 milhões de euros nesse ano. Em causa estava a privatização, com a qual os trabalhadores nunca concordaram.
Oito governos depois, Pinto continua
Quanto, em outubro de 2000, Fernando Pinto assumiu a presidência executiva da TAP, António Guterres era o primeiro-ministro e José Sócrates era o ministro do Equipamento Social. Passaram 17 anos e oito governos e o engenheiro continuou à frente da TAP, mesmo com as tentativas falhadas de privatização, com as contas negativas e com a turbulência no seio da empresa, com a oposição dos trabalhadores à privatização.
Mesmo com os percalços, os sucessivos governos foram garantindo a sua continuidade. No final de 2004, quando o seu mandato estava a terminar e se falava na possibilidade de deixar a TAP, o então ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, António Mexia, segurou-o. Na altura, em que a TAP formalizou a entrada na Star Alliance, Fernando Pinto questionou: “Teríamos este trabalho todo, faríamos este magnífico evento e depois íamos embora?”.
Mesmo agora, que se afasta, promete ficar. Na carta que enviou aos trabalhadores da companhia aérea, Fernando Pinto promete que irá acompanhar “de perto” o crescimento da TAP. “Continuarei ligado à companhia nos próximos dois anos enquanto assessor da TAP. Não é assim, nem jamais será, um adeus”, prometeu.
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