Bancos “preocupados” com a concorrência europeia nas emissões de dívida
Os bancos têm de emitir dívida para responderem às exigências dos reguladores. Apesar de estarem "preparadas", as instituições estão "preocupadas" com a concorrência europeia, diz Faria de Oliveira.
Os bancos portugueses vão ter de emitir dívida altamente subordinada para responderem aos requisitos de capital impostos pelos reguladores. Apesar de as instituições financeiras estarem “preparadas”, Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), afirma que estas emissões são motivo de preocupação. Isto porque estas operações vão atingir volumes significativos no mercado europeu. Ou seja, as instituições nacionais vão ter de concorrer com muitos outros bancos do Velho Continente que têm ratings mais elevados, garantindo maior interesse dos investidores, logo custos mais baixos.
“Os bancos estão preparados, mas também preocupados” com as emissões de dívida exigidas para que as instituições cumpram com as metas definidas no âmbito do Minimum Requirement for own funds and Eligible Liabilities (MREL, na sigla em inglês), afirma Faria de Oliveira em entrevista ao ECO. “A nossa preocupação reside no facto de a emissão deste tipo de dívida [de elevada subordinação, ou seja, com risco elevado de perdas para os investidores] vir a atingir volumes enormes em termos europeus”, explica o presidente da associação que representa os bancos portugueses numa conversa em antecipação ao Banking Summit, promovido pela APB e SIBS, onde será debatida a revolução digital do setor.
A nossa preocupação reside no facto de a emissão de dívida vir a atingir volumes enormes em termos europeus.
O Banco Central Europeu já tinha alertado que Portugal, Grécia, Itália e Espanha são os países que deverão ter mais dificuldades em encontrar interessados para esta dívida de alto risco, tendo em conta a elevada dependência de investidores domésticos. Esta realidade “pode sinalizar que há limites na capacidade de absorção” da dívida que é emitida para satisfazer os requisitos europeus, conhecidos como MREL, que exigem que as instituições tenham instrumentos financeiros que possam sofrer perdas antes ser necessário recorrer ao Fundo Único de Resolução.
Ou seja, é uma espécie de salva-vidas para os contribuintes, evitando, assim, que estes voltem a pagar milhares de milhões de euros no resgate a instituições financeiras como aconteceu no período mais critico da crise financeira que espoletou com o colapso do Lehman Brothers. Em Portugal, BPN, BES e Banif, por ordem cronológica, provocaram enormes rombos nas contas públicas com os respetivos resgates, dinheiro do Estado que saiu do bolso dos portugueses.
Portugal saiu de lixo e isso é “extraordinariamente positivo”
Faria de Oliveira está preocupado com a capacidade de os bancos nacionais conseguirem encontrar investidores para estes títulos de dívida num contexto de forte concorrência europeia. Mas também com a qualidade, ou falta dela, dos instrumentos que as instituições financeiras portuguesas têm para apresentar ao mercado. É que o nível do rating do soberano, mas também das próprias instituições financeiras, vai pesar. Apesar de estar melhor, ainda não está no mesmo patamar dos pares europeus.
Após a decisão da Standard & Poor’s, também a Fitch decidiu melhorar o rating da República portuguesa para nível de investimento. O rating português deixou de ser considerado “lixo” (BB+) e passou a ter um grau de investimento de qualidade (BBB). “Isso é extraordinariamente positivo, como se vê pelo valor das yields da dívida pública”, salienta o presidente da APB. Os juros da dívida portuguesa têm vindo a cair de forma expressiva, tocando mínimos de 2015. A taxa a dez anos está nos 1,949%, sendo que o risco de Portugal está abaixo do de Itália.
“Naturalmente, o rating dos diferentes Estados-membros e dos bancos vão penalizar mais uns do que os outros. Nesta matéria, não há dúvida de que vamos estar com alguma desvantagem competitiva“, nota Faria de Oliveira. Por exemplo, a Fitch atribui um rating de BB- (lixo) à CGD, enquanto ao italiano Unicredit é atribuída uma notação de BBB (investimento). A título de exemplo, o UniCredit, o maior banco de Itália, emitiu no ano passado mil milhões de euros de dívida AT1 (Additional Tier 1, ou seja, dívida subordinada que conta como capital), com um cupão de 5,375%, enquanto a CGD concordou pagar um cupão de 10,75% numa emissão idêntica no valor de 500 milhões.
Malparado é o culpado. Redução “vai continuar”
A melhoria do rating de Portugal por parte da Fitch, por exemplo, não se refletiu da mesma forma em todos os bancos. A Fitch melhorou a avaliação do Montepio e Santander Totta, reafirmando BCP, BPI e CGD e subindo o outlook do banco liderado por Pablo Forero e da instituição financeira liderada por Paulo Macedo para positivo. Já antes, a S&P tinha tirado Portugal de “lixo”, mas no caso da banca apenas premiou as instituições controladas por bancos espanhóis (BPI e Totta), mantendo a classificação da dívida em nível especulativo no caso dos restantes.
" Já foi feito trabalho muito importante nesse domínio. A redução do malparado este ano foi muito significativa, ultrapassando mesmo os objetivos que os bancos tinham definido. E vai continuar esse caminho.”
“Estes bancos ainda têm alguns desafios”, afirmou Josu Fabo, o responsável da Fitch pelo rating das instituições financeiras, em entrevista ao ECO. Um destes desafios é o peso que o malparado ainda tem na rentabilidade. Os chamados Non Performing Loans (NPL) ainda representam, segundo o Director of Financial Institutions Ratings. “Penso que os NPL são um grande problema para o sistema bancário e para o país. Correspondem a cerca de 25% do Produto Interno Bruto, o que é bastante elevado”, referiu.
Para Faria de Oliveira, “já foi feito trabalho muito importante nesse domínio. A redução do malparado este ano foi muito significativa, ultrapassando mesmo os objetivos que os bancos tinham definido. E vai continuar esse caminho“. O Banco de Portugal deu conta de uma redução do rácio de NPL de 17,9% para 15,5% — em concreto, oito mil milhões de euros –, em junho de 2017, “refletindo os progressos no segmento de crédito às sociedades não-financeiras”, embora alertando que o total de malparado “ainda permanece elevado”.
Depois de anos em que se falou na criação de um bad bank, a ideia caiu por terra. No ano passado, nasceu uma plataforma entre CGD, Novo Banco e BCP para ajudar a resolver este problema. Esta iniciativa vai ajudar? “Para certo tipo de situações de dívida, vai ajudar”, remata Faria de Oliveira. O objetivo é sentar à mesma mesa os diferentes bancos para tentar encontrar, num prazo de seis meses, uma solução para os créditos em incumprimento.
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