Em Portugal, a especialista em geopolítica falou da administração Trump, das fronteiras e do novo caminho de Portugal: o da tecnologia.
Donald Trump está a apontar as armas para o mundo no que diz respeito ao comércio, mas esta abordagem não está a ser bem vista por todos. Após ter anunciado o agravamento das taxas de importação sobre o aço e o alumínio, as críticas vieram de vários cantos do mundo, incluindo do seu próprio país.
À margem da conferência “The Role of Portugal as a Global Competitor”, organizada pela PSO Global e pela Fundação Calouste Gulbenkian, Anja Manuel, especialista em geopolítica económica esteve à conversa com os jornalistas e afirmou que as armas de Trump no que diz respeito ao comércio internacional não devem estar viradas para todo o mundo, mas sim para um grande player em particular, a China.
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“O presidente está certo em levar a sério os desafios que vêm da China porque, ao contrário de todas as grandes economias, a China não está a jogar pelas regras do comércio internacional“, afirmou, Anja Manuel. “Há formas muito mais subtis para conter a China, mas não o resto do mundo. Uma guerra comercial com todos é terrível para os Estados Unidos.”
Com os Estados Unidos a protagonizarem um dos principais papéis como criador e gestor da ordem geopolítica internacional após a Segunda Guerra Mundial, Anja Manuel sinaliza a primeira vez que uma pessoa sem experiência política e com ideais diferentes daqueles seguidos até então está à frente de uma grande potência. E com estes dois fatores surgem algumas limitações.
Pela primeira vez temos um presidente que não tem experiência política e que não percebe quais os benefícios que essas instituições nos trazem. Só vê que pagamos muito, mas não percebe que este é um mundo muito complicado e que é bom termos amigos.
“O que era assumido por qualquer político, fosse democrata ou republicano, é que pode criticar as Nações Unidas, mas vai continuar a seguir as regras. Pode ser crítico da Organização Mundial do Comércio mas, no fim, é melhor ter isso que ter navios militares a disparar por conflitos comerciais”, explicou a especialista. “Pela primeira vez temos um presidente que não tem experiência política e que não percebe quais os benefícios que essas instituições nos trazem. Só vê que pagamos muito, mas não percebe que este é um mundo muito complicado e que é bom termos amigos.”
A comparação com outros líderes norte-americanos é, a partir daqui, fácil de fazer pela especialista. “Na paranoia que ouvimos desta Casa Branca e, no sentido em que pensa ‘és o meu inimigo e estás a fazer isto mal’ ou ‘estás só a atacar-me, faz lembrar Richard Nixon”, confessa, bem-disposta. “E muitas pessoas me dizem que se Nixon tivesse Twitter seria como o de Trump.”
Europa e EUA já não se sentam sozinhos à mesa
E se antes, a mesa de decisão era apenas composta por europeus e norte-americanos, o mesmo não acontece agora. “Quando a Europa e os Estados Unidos se juntavam nos seus clubes, confortáveis, e diziam que podiam resolver os males todos sozinhos, já não acontece mais”, considera Anja Manuel, dando como exemplo as alterações climáticas ou até a localização da próxima geração de consumidores. “Daqui a poucos anos, 40% da classe média mundial vai viver na China e na Índia”, informa.
"Já somos pequenos, em comparação, e eles têm de estar na mesa de discussão. Não devemos afastar esses países completamente, mas sim ser mais duros, mantê-los dentro da tenda, dentro do sistema.”
Assim, países como a China e a Índia têm de ter uma cadeira à mesa de discussão, mesmo que esses mesmos não cumpram, por completo, as regras. “Já somos pequenos, em comparação, e eles têm de estar na mesa de discussão. Não devemos afastar esses países completamente, mas sim ser mais duros, mantê-los dentro da tenda, dentro do sistema”, aponta ainda.
Esta “tenda” inclui, não só as discussões sobre os grandes assuntos da geopolítica internacional, mas também os aspetos financeiros, com Anja Manuel a considerar que o investimento chinês nas grandes empresas não se deve afastar — no entanto, não pode haver ingenuidade. “Não posso dizer que o investimento chinês não é bem-vindo, há muito capital e ajuda a desenvolver a economia, mas nenhum de nós no Ocidente deve ser ingénuo em relação aos objetivos da China”, alerta.
Solução não é o protecionismo
A questão das fronteiras entre países tem sido uma das bandeiras da administração Trump, que defende que os Estados Unidos têm de estabelecer barreiras físicas e legais relativamente às restantes nações para que possa prosperar. Já para Anja Manuel, “estamos numa altura em que as fronteiras significam cada vez menos, depois de termos tido um aumento da globalização, do comércio, da imigração entre países.” Ainda assim, nem tudo são rosas.
“O que aconteceu foi que a globalização deixou muitas pessoas para trás e essas, chateadas, com direito, foram abraçadas pelos políticos tanto na extrema-esquerda como na extrema-direita, e foi-lhes dado um alvo: ‘Não tens emprego por causa do México ou por causa da China e temos de fechar as fronteiras”, explica ainda a economista. “Mas isto não vai ajudar estas pessoas.”
"Depois do 11 de setembro, as fronteiras com o México e o Canadá foram fechadas por questões de segurança. Três dias depois, ninguém em Detroit conseguia produzir um carro. As nossas cadeias de fornecimento estão tão interligadas que não há maneira de nos desligarmos do mundo, não há maneira de voltar ao século XIX.”
Para além de alertar que os setores que Trump está a tentar defender estão já a serem afetados pela automação e pela quebra na procura, este pensamento é acompanhado por um caso prático: “Depois do 11 de setembro, as fronteiras com o México e o Canadá foram fechadas por questões de segurança. Três dias depois, ninguém em Detroit conseguia produzir um carro. As nossas cadeias de fornecimento estão tão interligadas que não há maneira de nos desligarmos do mundo, não há maneira de voltar ao século XIX.”
E o NAFTA? É aqui que surge um “pequeno assunto”, como Anja lhe chama. “Vamos agora para a sexta ronda de negociação e tenho ouvido que tem havido avanços nos assuntos mais difíceis”, garante, aos jornalistas. “E está a acontecer tanto lóbi e as empresas que dizem ‘isto é de loucos, não o façam’ que eu prevejo que, e é muito difícil prever alguma coisa com esta administração, vá sobreviver.”
O caminho de Portugal é pela tecnologia
A indústria tecnológica é apontada por Anja como um dos principais motivos pelos quais já não faz sentido, hoje em dia, falarmos em fronteiras. “Estávamos habituados a dizer, “esta empresa é portuguesa, ou é espanhola”. Mas agora o que é a Google? É americana, mesmo que opere em centenas de países e tenha mais quota de mercado fora dos Estados Unidos?”, questiona, em jeito retórico, a economista.
É então esta oportunidade que, segundo Anja Manuel, Portugal deve aproveitar: “Falo com muitos CEO que me dizem que investem onde a economia está a avançar, onde as pessoas têm as capacidades e relativamente baixos salários. Portugal é perfeito para isso“, conclui.
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Anja Manuel: “Guerra comercial é necessária com a China mas não com o resto do mundo”
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