Organizado pela Universidade do Porto, evento reuniu "nata da nata" dos jovens programadores - todos eles estudantes universitários - do mundo inteiro. Portugueses disputaram final pela primeira vez.
A maior sala do edifício da Alfândega do Porto está “por conta dos americanos”, e em quase total secretismo, desde o início da semana. É no primeiro andar do edifício com vista para o rio Douro que se disputa a final do ICPC, considerado o maior, mais antigo e mais prestigiante evento mundial na área da programação para estudantes universitários.
A “batalha entre cérebros” reúne a “nata da nata” dos estudantes programadores de 47 países do mundo. Por isso é que, nos últimos dias, muitos idiomas se ouviram até nas ruas mais estreitas do Porto.
A diversidade é imensa: 135 equipas de países tão diferentes como a China e os Estados Unidos, o Brasil e a Síria, o Egito e a Índia, ou a vencedora do ano passado, a Rússia, versus os estreantes… portugueses da Universidade do Porto.
As diferentes equipas agregam mais de 400 estudantes selecionados entre mais de 45.000 que, durante o ano que passou, disputaram, a nível de escola e de região — no caso de Portugal, concorreu com os vencedores de Espanha, França, Itália e Suíça — a presença na final que, pela primeira vez, se realiza em Portugal, no Porto.
“É uma espécie de Pokemón. Muito na lógica de comunidade, existem claques e há um grande acompanhamento das universidades. Os participantes do ICPC serão, muito provavelmente, contratados pelas maiores empresas tech do mundo”, explica Liliana Castro, envolvida na organização do evento nos últimos nove meses.
Só que a preparação começou muito antes. No ano passado, na edição em Pequim, na China, já este presente uma equipa da Universidade do Porto para “aprender” a fazer.
“Participamos no evento — ainda que esta seja a primeira vez que estamos nas finais — desde há 22 anos. Em 2011 fizemos uma primeira candidatura que, na altura, não foi bem-sucedida mas mantivemos esse interesse. Desta vez conseguimos ganhar contra candidaturas bastante fortes: no ano passado foi em Pequim, há dois anos nos Estados Unidos e, no próximo, foi anunciado agora, será em Moscovo”, explica Fernando Silva, vice-reitor da Universidade do Porto, em conversa com o ECO.
Programar e turistar
Com um programa intenso de segunda a quinta-feira, os participantes do evento tiveram acesso a sessões de formação, hackathons e workshops. Mas a cidade que os recebeu não foi esquecida: na manhã de terça-feira, participantes e “treinadores”, os professores que acompanham os alunos ao evento mundial, andaram pela baixa da cidade do Porto, de passeio pelos pontos mais emblemáticos da Invicta. Nem só de programação vive o homem, certo? E muitos deles estão, em Portugal — e no Porto — pela primeira vez.
“Este evento é o maior concurso de programação mundial entre universidades, dá uma grande visibilidade à instituição e ao país e é uma montra, não só para nós em termos de visibilidade internacional, mas também para as empresas que temos em Portugal, no sentido de se mostrar que é um local aprazível para se trabalhar”, analisa o professor.
“Reunimos aqui, neste caso, 400 participantes mas isto acaba por se propagar para todo o mundo na medida em que estamos a fazer streaming do evento. Atinge muito mais gente porque é um concurso por etapas. Para se chegar a este nível há um apuramento local ao nível da universidade, depois ao nível de uma região — no caso do grupo de Portugal havia 90 equipas e estão no Porto apenas cinco, o que dá para perceber o nível de competição até a esta fase. Estamos a dar-nos a conhecer, nomeadamente a região do grande Porto, a todos estes jovens que, espero — e pelo feedback que temos tido –, queiram vir estudar para cá, por exemplo”, acrescenta o vice-reitor da universidade que tratou de toda a organização.
É uma montra, não só para nós em termos de visibilidade internacional, mas também para as empresas que temos em Portugal.
Com investimento misto, tanto da organização internacional como de instituições locais, o ICPC do Porto contou com o apoio do Turismo de Portugal e da Associação de Turismo do Porto, com o hosting da Universidade do Porto e com investimento também do município, além da CCDR do Norte.
“Tivemos sempre a missão de que a própria cidade se envolvesse na questão do empreendedorismo. Quisemos virar as startups e as scaleups para a cidade”, explica Filipe Araújo, vice-presidente da câmara do Porto, para depois referir o autocarro que, este ano, circula pelo centro da Invicta para distribuir informação sobre o porquê de a região falar de um “ecossistema vibrante”.
“Há seis anos, quando assumi estas funções, a cidade tinha já um ecossistema muito potente e muito induzido por ser uma cidade de conhecimento — de universidades — e também à volta da indústria. O Porto é conhecido por isso, por ser o motor da economia do país. Tínhamos um terreno muito fértil para usar e montámos uma estratégia que passou muito por reconhecer este ecossistema e por dizer que ele pode ir muito além. O ScaleUp Porto nasceu, foi um manifesto à cidade, vários players foram-se envolvendo, e conseguimos alinhar uma estratégia em que a própria cidade se sente envolvida. Porque o mais importante é que haja uma comunidade de empreendedores alinhados com este discurso e que, no final, gerem emprego na cidade”, acrescenta o responsável.
Balão a balão, enche-se a classificação
Na sala pintada de branco imaculado, o cenário parece do filme Up – Altamente, da Pixar. Mas nem os conjuntos de balões agarrados às divisórias que separam os estudantes das diferentes escolas dão ao ambiente a ideia de que as cabeças dos programadores podem “levantar voo” a qualquer momento.
O espaço, que junta provavelmente mais de 500 pessoas — juntando as mais de uma centena de equipas de três elementos cada e seus respetivos “treinadores”, os professores que os acompanham — está em silêncio. Ouve-se teclar, uma palavra ou duas trocada de vez em quando e são os “runners“, os distribuidores de balões, os que mais trazem movimento à sala sempre que a impressora central imprime o aviso de conclusão de prova. Nesse momento, o corredor pega na folha, identifica o desafio concluído e a respetiva equipa, pega num balão colorido e segue caminho.
A competição funciona “balão a balão”. Explico: a prova final do ICPC dura seis horas — durante as quais nenhum participante pode sair e entrar na sala (o almoço é servido mesmo em cima da mesa de cada equipa) — e tem 11 desafios, cada um deles associado a uma cor de balão diferente. Todas as equipas começam a prova com zero balões — e com os computadores formatados e bloqueados até ao momento que antecede a prova — e, à medida que vão concluindo corretamente cada desafio, é-lhes atribuído um novo balão. Os primeiros a concluir cada prova ganham ainda um balão metalizado do mesmo tom do da prova que diz “first to solve” e dá pontos extra na hora da classificação final.
Na mesa, só o básico: o enunciado da prova, que pode apenas ser visto quando a organização dá autorização, dicionários para quem precisa, um computador, folhas de rascunho, máquinas calculadoras e pouco mais. Tudo fornecido pela organização. E, claro, no dia anterior, os participantes têm uma hora para estar na sala e ambientar-se ao local. “O que eles têm na mesa no dia anterior é o que podem ter no dia da prova”, explica Liliana Castro. “Não podem ter nada deles: da régua ao papel, tudo é fornecido pela organização”, esclarece.
Novos balões continuam a aparecer na sala até um dado momento da prova. Depois, é hora de guardar suspense quanto ao vencedor, tanto no colorido do espaço como nos ecrãs gigantes que, a certa altura, deixam de transmitir a classificação geral em tempo real.
Ontem à noite, a Rússia voltou a ganhar pelo segundo ano consecutivo (é o país com a terceira maior participação na prova, 10 equipas, logo depois da China e dos Estados Unidos, com 17 equipas cada). Os estudantes da Universidade do Porto — Portugal teve, pela primeira vez, representação na final da prova, arrecadaram o 53.º lugar. Alberto Pacheco, Gonçalo Paredes e Ricardo Pereira, todos de 20 anos, brilharam em casa. E o Porto foi, pela primeira vez, a capital mundial de programação.
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Na “capital mundial da programação” falam-se línguas de 47 países do mundo
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