Deputados já admitem uma quarta comissão de inquérito à Caixa
As audições da comissão de inquérito à CGD ainda agora começaram, mas os deputados já admitem avançar com nova comissão na próxima legislatura face ao enorme volume de informação disponível.
A comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e aos atos de gestão ainda vai no adro (na verdade, só agora entrou na segunda semana de audições) e os deputados já admitem uma nova comissão, a ser constituída na próxima legislatura, para se perceber o que de errado se passou afinal no banco público nos últimos anos. “Veja o volume de documentos que temos de analisar. É uma enormidade. E ainda estamos a receber mais informação que só agora está a ser pedida em resultado destas audições”, dizia um deputado ouvido pelo ECO no final da audição ao antigo revisor oficial de contas esta terça-feira.
A opinião foi partilhada por um outro deputado do outro lado do espetro político parlamentar. A perspetiva é a mesma: por mais diligentes que sejam, os deputados não terão tempo para analisarem as mais de 19.000 páginas com informação relativa à vida da CGD desde o início do milénio e fazerem o exercício do contraditório com os responsáveis nas cerca de oito semanas de audições que ainda restam à II comissão de inquérito à recapitalização da CGD e aos atos de gestão, que teve origem no relatório da auditoria da EY.
Está assim aberta a porta à quarta comissão de inquérito à CGD, e todas em menos de quatro anos.
Outro deputado ouvido pelo ECO lembrou que o relatório final deste inquérito poderá incluir conclusões que sugiram a possibilidade de se constituir uma nova comissão à CGD para investigar matérias específicas que mereçam análise mais aprofundada, como já aconteceu em anteriores comissões de inquérito sobre outros temas. “É essa a perspetiva, mas neste momento ainda é prematuro saber se vamos precisar de uma nova comissão de inquérito”, disse esse deputado.
Entre a documentação que chegou às mãos dos deputados nas últimas semanas estão as atas das reuniões conselho alargado de crédito onde os grandes financiamentos foram decididos e atas das reuniões do conselho de administração entre 2000 e 2015 e até auditorias e relatórios de inspeção do Banco de Portugal. São mais de 20 dossiês. Mas mais documentos ainda estão para ser enviados ao Parlamento.
Ainda esta terça-feira, Manuel de Oliveira Rego, antigo revisor das contas (ROC) do banco do Estado, disse aos deputados que a Oliveira Rego & Associados endereçou desde 2000 relatórios trimestrais aos vários Governos onde constavam alertas sobre os riscos dos grandes créditos da CGD, os quais não foram devidamente acompanhados pela tutela. O antigo ROC da CGD também enviou relatórios anuais ao Banco de Portugal com as deficiências detetadas no controlo interno do banco. Alguns destes relatórios foram solicitados agora pelo Parlamento porque só agora os deputados souberam da sua existência.
“Estamos a ter uma verdadeira noção dos documentos que realmente existem e vamos querer analisá-los todos para confrontar os responsáveis”, disse o primeiro deputado ouvido pelo ECO, notando que muito trabalho ficará por fazer nesta comissão de inquérito e que terá de ter continuidade numa outra.
Por outro lado, há revelações e percalços que vão surgindo com o desenvolvimento dos trabalhos. Por exemplo, depois de Vítor Constâncio ter admitido na semana passada que houve problemas na supervisão da CGD, o PSD vem agora pedir ao Tribunal da Relação de Lisboa os “elementos reunidos nos autos que não estejam em segredo de justiça” relativos ao processo do Ministério Público em que se investiga eventual gestão danosa pelo “favorecimento de alguns agentes económicos em detrimento de outros” e “omissão de alguns registos de incumprimento”.
Também no seguimento da audição ao ex-governador do Banco de Portugal, que não soube precisar quem estava no departamento de supervisão que recebeu um relatório de 2007 onde se identificavam “debilidades” no banco público, o PS quer agora “conhecer todos os nomes envolvidos na Supervisão Bancária do Banco de Portugal à CGD”.
E há ainda o diferendo entre Parlamento e Banco de Portugal por causa do relatório secreto de João Costa Pinto sobre a atuação do supervisor no caso BES. Carlos Costa disse que se trata de um “documento interno” para “reflexão do governador”, estando protegido pela lei dos bancos centrais, e recusa enviar aos deputados. Esta disputa pode chegar ao tribunal e não se sabe quando estará resolvida.
Eleições travam prolongamento da comissão
Mas por que razão não se pode prolongar a atual comissão de inquérito em vez de se constituir uma nova comissão?
O regime jurídico das comissões de inquérito até prevê a concessão de um prazo adicional de 90 dias, desde que o pedido para prolongamento (pode ser feito mais do que uma vez) seja devidamente fundamentado. Só que um prolongamento dos trabalhos da II comissão de inquérito à recapitalização da CGD e aos atos de gestão “esbarraria” nas eleições legislativas de 6 de outubro. Uma comissão de inquérito não pode “viver” em duas legislaturas diferentes, razão pela qual se abre no horizonte a possibilidade de uma quarta comissão parlamentar de inquérito ao banco público.
A primeira comissão decorreu durante um ano, entre 2016 e 2017, e tinha o mesmo objetivo que a atual — “avaliar a recapitalização da CGD e os atos de gestão entre 2000 e 2015”, mas acabou por revelar-se inconclusiva dado que o relatório final não foi aprovado e vários documentos pedidos à CGD e ao Banco de Portugal tinham sido negados por dever de segredo bancário e sigilo profissional — o que não aconteceu com a atual comissão de inquérito, que tem agora poderes reforçados no acesso a informação dos bancos.
A segunda começou ainda a primeira não tinha terminado e visou apurar as condições da nomeação da equipa de António Domingues, que renunciou ao cargo por se opor à obrigatoriedade de ter de apresentar a declaração de rendimentos e de património ao Tribunal Constitucional.
A terceira e atual comissão parlamentar de inquérito é uma continuidade da primeira, cujos trabalhos não foram conclusivos, mas com nuances importantes: averiguar contradições de antigos responsáveis à luz do relatório da EY que identificou perdas de 1.200 milhões de euros nos 25 principais créditos que entraram em incumprimento.
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