Bolos, carros e a retrete das Antas. As penhoras mais insólitas do Fisco
A operação stop da AT para cobrar dívidas fiscais é apenas o caso mais recente de uma série de exemplos insólitos. O ECO recorda alguns.
Duas dezenas de funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) aproveitaram a manhã de terça-feira para cruzar as matrículas dos automóveis que passavam na Autoestrada 41, no Porto, com a situação fiscal dos proprietários desses veículos no Fisco, de modo a cobrar eventuais dívidas. Esta polémica operação stop foi rapidamente considerada pelo Ministério de Mário Centeno como “desproporcionada”, mas não é de hoje que a máquina fiscal falha por “excesso de músculo”.
Do célebre caso da “Retrete das Antas” até à penhora de quatro bolos a um restaurante, múltiplos são os exemplos entre o insólito e o chocante que têm embaraçado sucessivos Governos, ao ponto de reforçarem os limites às penhora.
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AT e GNR fazem operações stop para cobrar dívidas fiscais
Os condutores de Alfena, em Valongo, foram surpreendidos, na terça-feira, por uma operação stop na Autoestrada 41, no distrito do Porto, levada a cabo por 20 elementos da AT e 10 militares da GNR com o objetivo de cobrar dívidas fiscais.
Durante a manhã, as autoridades estiveram assim a cruzar as matrículas das viaturas que passavam com a situação dos proprietários dessas viaturas no Fisco, convidando os condutores com dívidas a pagarem esses valores. Caso não o fizessem, a GNR e a AT estavam em condições de penhorar as viaturas.
Poucas horas depois do início desta operação que foi batizada de “Ação sobre Rodas”, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais deu ordens para que fosse cancelada, face à “desproporção entre os meios que foram utilizados e o fim da operação”. “Quero dizer que não apenas foi dada uma ordem de cancelamento imediato assim que tive conhecimento desta operação, como foi dada ordem de cancelamento a qualquer operação desta natureza para cobrar” dívidas ao fisco, salientou mais tarde António Mendonça Mendes, em entrevista à SIC, revelando que, desde 7 de maio, já tinham acontecido sete operações deste tipo no distrito do Porto.
Esta quarta-feira, também o ministro das Finanças já veio comentar a esta polémica, considerando que “não foi uma decisão feliz”. Entretanto, foi aberto um inquérito interno para saber se os direitos de todos os condutores foram preservados, no decorrer desta ação de fiscalização. Os juristas até agora ouvidos têm defendido que não foi garantido o direito de defesa.
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Fisco penhora quatro bolos a restaurante por dívida de 92 mil euros
Além de automóveis, a AT também já penhorou bolos para tentar garantir o pagamento de dívidas. Na história que remonta a fevereiro de 2015, o Fisco penhorou quatro bolos no valor de 30 cêntimos a um restaurante por uma dívida fiscal de quase 92 mil euros. Segundo o advogado desse restaurante (citado na altura pelo Diário Económico), também foi penhorada uma conta bancária.
O restaurante em causa tinha sido alvo de uma inspeção das Finanças, que determinou uma liquidação adicional de IRC e de IVA de cerca de 92 mil euros. Os responsáveis do restaurante contestaram a decisão em tribunal, tendo prestado uma garantia. Ainda assim, as penhoras mantiveram-se, daí tendo resultado a penhora dos tais quatro bolos através das guias de transporte. De notar que a AT não ficou na posse desse alimentos. A empresa passou a fiel depositária dos bens, ficando impossibilitada de os vender.
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Alimentos doados a IPSS penhorados por dívida de quatro mil euros
Na mesma altura em que foi conhecido o caso da penhora dos quatro bolos, a associação de apoio social “Coração da Cidade” denunciou a penhora de alimentos que tinham sido doados por hipermercados e que já tinham sido distribuídos por famílias carenciadas do Porto. Em causa estava uma dívida de cerca de quatro mil euros relativa a coimas e custas processuais decorrentes de falta de pagamento de portagens nas antigas SCUT.
De acordo com a presidente da associação, citada pelo Jornal de Notícias, a notificação de penhora foi entregue quando entraram no sistema as guias de transporte dos alimentos doados e que foram “logo distribuídos pelas famílias”.
O Serviço de Finanças do Porto acabou por determinar o levantamento da referida penhora realizada nos termos da lei, após ter “confirmado com a respetiva associação que a mercadoria em causa se destinava à realização do fim de utilidade pública que aquela entidade prossegue”.
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Fisco penhora casa de família por IUC em dívida relativo a carros já abatidos
Uma dívida de 1.900 euros ao Fisco levou à penhora de uma casa onde vivia uma família com dificuldades financeiras. Em causa estava uma dívida por falta do Imposto Único de Circulação (IUC) que rondava os 500 euros e dizia respeito a dois carros que já tinham sido abatidos, cinco anos antes, não tendo sido dada baixa nas Finanças. A essa, somava-se outra dívida por falta de pagamento do Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) e algumas coimas avultadas.
A contribuinte em causa tinha, na altura, 52 anos e era mãe de seis filhos, três dos quais viviam na residência que foi penhorada. Além da casa, a visada viu o seu salário penhorado, escreveu o Diário Económico. A dívida acabou por ser saldada graças a um movimento de solidariedade.
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Fisco assume como garantia azeite sem assegurar condições para a conservação
O caso foi contado ao ECO pelo fiscalista Manuel Faustino: o Fisco já chegou a penhorar azeite como garantia em processos de execução, não tendo assegurado as condições necessárias à sua conserva. Um ano depois, essa garantia acabou, por isso, a não valer nada. “Ao fim de um ano, essa garantia não valia nada”, lembra o ex-diretor do IRS.
Segundo Manuel Faustino, a AT falha “por vezes” exatamente porque não “existe essa sensibilidade”, como é exemplificado no caso do azeite. “Essa sensibilidade de ver se vale a pena estar a penhorar algo que ao fim de um ano não vale nada por vezes não existe”, diz.
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Fisco penhora até retrete do Estádio das Antas
O caso da “Retrete das Antas” remonta a 1994 e é talvez o exemplo de penhoras a clubes de futebol por dívidas ao Fisco mais célebre da história. Este caso que visou o Futebol Clube do Porto ganhou notoriedade por, entre outro bens, ter abrangido até a retrete da cabina do árbitro.
A 9 de março de 1994, a AT emitiu assim um auto de penhora para o Estádio das Antas, por causa das dívidas dos dragões ao Fisco e à Segurança Social, uma medida que chocou o mundo do futebol e motivou mesmo manifestações de adeptos em frente ao Governo Civil. Era então ministro das Finanças Eduardo Catroga.
Tendo em conta a dimensão das dívidas fiscais dos vários clubes de futebol (além da dos azuis e brancos), o então Executivo de Cavaco Silva resolveu abrir negociações com a Liga de Clubes para que fosse encontrada uma forma de as dívidas serem saldadas, lembra o Mais Futebol.
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