“Recebeu dinheiro de Vale do Lobo?” As 90 perguntas a Sócrates no inquérito da Caixa
De Joe Berardo a Vale do Lobo, passando pela guerra acionista no BCP. Afinal, qual foi o papel de José Sócrates no sistema bancário quando era primeiro-ministro? É o que os deputados querem saber.
Falou com Joe Berardo para pedir dinheiro à Caixa Geral de Depósitos (CGD)? O seu governo deu alguma orientação à Caixa para financiar a La Seda? Recebeu dinheiro de Vale do Lobo? Ficou aliviado ou preocupado com saída de Vara para o BCP? Fez parte do “triunvirato” que deu a bênção à guerra no BCP, como disse Filipe Pinhal no Parlamento?
São cerca de 90 as questões que os deputados do PS, PSD e Bloco de Esquerda na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD enviaram ao antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates. PCP e CDS não colocaram questões ao antigo governante.
Deu alguma orientação à Caixa em relação à La Seda?
A história entre a CGD e os catalães da La Seda foi uma das novelas quentes da comissão. O banco entrou para o capital da La Seda em 2006 com o objetivo de influenciar as decisões de investimento, nomeadamente de trazer uma unidade de produção de PTA para Sines, a Artlant. A fábrica teve o selo PIN (Potencial Interesse Nacional) do governo de Sócrates, mas revelou-se um desastre para o banco público. Há poucos dias, questionado pelo deputado socialista João Paulo Correia as razões que levaram a CGD a “acelerar” o investimento na La Seda quando já se sabia da existência de problemas, Faria de Oliveira, antigo presidente da Caixa respondeu-lhe de forma assertiva: “Porque foi objetivo do seu governo”.
Não há perguntas concretas da parte do grupo parlamentar do PS sobre a aventura da Caixa na La Seda, nem sobre Vale do Lobo. Sobre estes temas, os deputados socialistas confrontaram o antigo primeiro-ministro com uma questão genérica: “Alguma vez, usando da posição de acionista da CGD, sugeriu ou deu indicações por via direta ou indireta à administração do banco para que financiasse operações específicas?” Mas PSD e Bloco de Esquerda não deixaram o tema da La Seda cair no esquecimento.
“Qual foi o envolvimento do seu Governo no projeto La Seda/Artlant? Alguma vez entrou diretamente em contacto com algum administrador da CGD sobre o projeto Artlant? Reuniu como promotores do projeto?”, são as três perguntas dos bloquistas.
O PSD também formulou estas questões a Sócrates e deixou mais algumas com alvos políticos muitos específicos: “Teve conhecimento de que Matos Gil se reuniu com a Caixa BI para falar sobre este projeto, referindo que estava ali em nome do ministro Manuel Pinho? Confirma que, conforme referiu Faria de Oliveira a esta comissão, a aceleração do processo de financiamento para a La Seda se deveu à vontade do Governo? Como comenta o que revelou Faria de Oliveira nesta comissão, que foi instado pelo seu Governo e por Vieira da Silva (ministro da Economia) para a CGD financiar este projeto?”
Enfeitiçou Joe Berardo?
Quando foi ao Parlamento, Filipe Pinhal contou que Joe Berardo lhe tinha dito que alguém o havia enfeitiçado no sentido de comprar ações do BCP, e sugeriu que a pessoa de quem o comendador falava era José Sócrates. Pinhal também disse que o ex-primeiro-ministro fez parte do “triunvirato” que deu a bênção ao assalto acionista no BCP, no verão de 2007, juntamente com o então ministro das Finanças Teixeira dos Santos, e o ex-governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio.
Neste tema, o PS perguntou a José Sócrates se “alguma vez sugeriu ao sr. Comendador José Berardo que diligenciasse junto da CGD com o intuito de obter financiamento que lhe permitisse aumentar a sua posição acionista no BCP?”
PSD e Bloco de Esquerda questionaram Sócrates sobre se alguma vez falou e reuniu com Berardo. Os sociais-democratas foram, mais uma vez, mais extensos nas questões, tentando obter informações acerca da negociação do acordo de comodato entre o Estado e o comendador em torno da desejada Coleção Berardo, que os bancos tanto procuram para fazer face às perdas de 1.000 milhões de euros com empréstimos a sociedades do universo do empresário madeirense.
Questões dos sociais-democratas: “O primeiro empréstimo da CGD ao Sr. José Berardo ocorreu duas semanas antes da assinatura do protocolo firmado pelo governo relativamente à Coleção Berardo. O Eng. José Sócrates sabia do processo de empréstimo da CGD à Sociedade Metalgest, detida por José Berardo? A negociação da CGD com a Metalgest e a negociação do Governo que liderou com o Sr. Berardo foram totalmente independentes ou decorreram em bloco?”
Recebeu dinheiro de Vale do Lobo?
José Sócrates é um dos arguidos da Operação Marques, um processo que junta também o projeto do empreendimento turístico de Vale do Lobo, os seus promotores, Armando Vara, entre outros. Embora o antigo primeiro-ministro se possa escudar no facto de se tratar de um caso que está na justiça, PSD e Bloco foram diretos ao assunto: “Alguma vez recebeu qualquer transferência monetária proveniente de promotores do projeto de Vale do Lobo?” A pergunta é dos bloquistas, mas os sociais-democratas também a fazem alargando o leque de possibilidades. “O Sr. Engenheiro recebeu quantias monetárias ou outros bens por parte do Grupo BES, Grupo Lena ou Vale do Lobo?”, questiona o grupo parlamentar PSD
As perguntas dos dois partidos são semelhantes: “Como e quando teve conhecimento do projeto de Vale do Lobo? Alguma vez contactou com qualquer administrador da CGD ou promotor do projeto Vale do Lobo sobre o mesmo?”
Mais uma vez, o grupo parlamentar do PSD tenta explorar o tema. Deixou a questão: “O dr. Armando Vara funcionava como comissário político na administração da CGD?”
Ficou aliviado com saída de Vara para o BCP?
Outro tema que ocupou o inquérito a antigos responsáveis da Caixa: Carlos Santos Ferreira e a sua equipa, nomeadamente o administrador Armando Vara, num mandato que a auditoria da EY identificou como o mais ruinoso em termos de perdas de crédito na Caixa. Ainda hoje o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos não se arrepende de ter nomeado os dois para a administração do banco público, conforme disse no Parlamento na semana passada.
Os socialistas querem agora saber o papel de Sócrates “na nomeação do novo presidente e administradores indicados pelo acionista Estado para o conselho de administração da CGD”.
O tema da chegada de Santos Ferreira confunde-se com o da sua saída para o BCP, no culminar da guerra acionista no seio do banco privado. O PSD apela ao juízo de Sócrates em relação a este assunto: “Considera ético que uma administração que financia de forma tão considerável, e com condições privilegiadas e contras pareceres do conselho de risco da própria CGD, acionistas do BCP transite diretamente para a administração deste banco, eleita pelas pessoas que financiou anteriormente?”.
Outras perguntas deixadas pelo grupo parlamentar social-democrata, algumas partilhadas pelos bloquistas: “Quando soube que três administradores, incluindo o seu presidente, iriam transitar da CGD para o BCP? Teve alguma conversa com algum administrador do BCP sobre o assunto? Ficou aliviado ou com preocupação redobrada com a ida de Armando Vara para o BCP?”
Armando Vara já veio mostrar arrependimento por ter saído do banco público para o banco privado, porque deixou a imagem de que Sócrates queria controlar o BCP. “Se tivesse consciência do que viria a passar depois, não teria aceite ir para o BCP. (…) Se tivesse imaginado que a minha ida para o BCP seria entendido como uma tentativa do Governo de assaltar o banco, não teria aceitado o convite”, referiu o antigo responsável do banco e ministro.
Também fez parte do assalto ao BCP?
Filipe Pinhal colocou José Sócrates entre Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio no “triunvirato” que deu a bênção ao assalto acionista ao BCP. Numa primeira reação, o ex-primeiro-ministro acusou Pinhal de “velhaca maledicência”. Sócrates tem agora nova oportunidade para responder a estas acusações do antigo administrador e presidente do BCP, dado que as questões dos deputados também tocam neste assunto.
Pergunta do PS sobre as offshores que incriminaram Filipe Pinhal: “Teve conhecimento de irregularidades na gestão do BCP, nomeadamente os factos apurados e que viriam a resultar na condenação em processos contraordenacionais e criminais de sete dos administradores do BCP? Em caso afirmativo, daí resultaram indicações à Caixa sobre o modo como deveria agir relativamente ao BCP, e aos clientes que fossem detentores de ações desse banco?”
Os socialistas questionam ainda Sócrates sobre se “tomou partido ou influenciou o desenrolar do resultado da disputa deste banco privado” e se foi abordado por alguma das partes para que “interferisse na disputa pelo controlo dos órgãos de gestão do BCP”.
Do lado do Bloco de Esquerda, é perguntado a José Sócrates se “reuniu com acionistas do BCP”, se “falou com António Mexia sobre a nova administração do banco ou se confirma a afirmação de Filipe Pinhal de que falou com Paulo Teixeira Pinto durante o período crítico da alteração da administração do BCP”.
Já o PSD quer saber se José Sócrates “alguma vez manifestou preocupação junto do Ministro das Finanças relativamente à instabilidade que se vivia em 2007 no BCP” e se sabia que era o banco do Estado que estava a financiar acionistas do BCP a reforçaram as suas posições no banco privado. “Sabia que esses financiamentos correspondiam a 8% do capital do BCP?”, questionam os sociais-democratas. Vítor Constâncio sabia desses financiamentos, mas não fez a “soma”.
Tem agora a palavra José Sócrates.
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