Com mais proteção social, mais “verde” e tecnológica. Esta é a Europa que Ursula von der Leyen quer

Para convencer os eurodeputados, Ursula von der Leyen distribuiu promessas: "Green Deal", mais proteção social e até que consideraria mais tempo para o Brexit, algo que não está nas suas mãos.

Um bilião de euros para financiar o combate às alterações climáticas, salário mínimo em todos os países e gigantes da tecnologia a pagar impostos. A alemã Ursula von der Leyen foi a Estrasburgo convencer os eurodeputados de que é a melhor escolha para liderar a Comissão Europeia e para o conseguir — foi eleita com 383 votos — vestiu muitas peles. De Ocasio-Cortez a Vestager, a alemã foi um autêntico camaleão a distribuir promessas, inclusivamente ao próprio Parlamento, sabendo que o Conselho Europeu pode bloquear muitas delas.

Um “Green Deal” europeu

Não foi propriamente o “Green New Deal” que a jovem congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez tem proposto – e que tanto tem influenciado a pré-campanha democrata nos EUA –, mas não esteve longe. Num dos principais temas que fez questão de defender durante as suas intervenções perante os eurodeputados em Estrasburgo, a alemã Ursula von der Leyen tentou piscar o olho aos Verdes, prometendo mais ambição no combate às alterações climáticas e também um investimento significativo. Entre as propostas estão:

  • Que a Europa seja o primeiro continente com uma economia completamente livre de carbono até 2050;
  • Apresentar um “Green Deal” nos primeiros 100 dias de mandato, que inclui passar para a lei europeia o objetivo de uma economia livre de carbono até 2050;
  • Criação de um plano de investimento sustentável na Europa, com cerca de 1 bilião de euros ao longo da próxima década financiados por fundos públicos e europeus;
  • Transformar parte do Banco Europeu de Investimento num banco ambiental, para dar maior apoio a este tipo de investimentos;
  • Instituir um imposto sobre o carbono transfronteiriço, para garantir que as empresas não escolhem países mais favoráveis dentro da União para fugir a estas regras.

Desde a seca que a afeta os produtores de trigo na Finlândia, aos efeitos que são agora sentidos em França, estamos estamos todos a sofrer os efeitos das alterações climáticas”, disse.

Proteger os mais afetados na transição

“O que é bom para o nosso planeta também tem de ser bom para a nossa população e as nossas regiões”, disse a ministra da Defesa alemã. As transformações que pretende implementar na economia europeia terão certamente consequências, Ursula von der Leyen reconheceu a necessidade de “uma transição justa para todos”.

Aqui com menos detalhe, a alemã disse que pretende criar um fundo para uma transição justa para os países que serão mais afetados, previsivelmente os menos desenvolvidos em matérias ambientais, como é o caso de alguns dos países do centro e leste da Europa que entraram mais tarde para a União Europeia.

“Esta é a forma europeia: somos ambiciosos, não deixamos ninguém para trás e oferecemos perspetivas”, disse.

Ursula von der Leyen defendeu que para fazer estes gastos é preciso também uma economia forte, porque — aplicando um mantra muito alemão — “precisamos de ganhar aquilo que queremos gastar”.

Neste capítulo, a alemã disse que as pequenas e médias empresas são a espinha dorsal da economia europeia e que têm de ser apoiadas, mas a única medida mais concreta que propôs foi a finalização da União dos Mercados de Capitais, que está a ser desenvolvida pela atual comissão Juncker.

Capitalizar o trabalho de Margrethe Vestager

A batalha entre a atual comissária para a Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, com as gigantes da tecnologia para que pagassem impostos em território europeu (com grande destaque para os diferendos com a Apple e a Google), fez da dinamarquesa uma das comissárias mais bem-sucedidas e colocou-a na rampa de lançamento para a presidência da Comissão Europeia.

Vestager não conseguiu o lugar, mas continuará na próxima Comissão von der Leyen, e esta fez questão de deixar claro que não a estratégia vencedora de Vestager não vai mudar. As gigantes da tecnologia que operarem na Europa terão de pagar impostos na Europa.

“Quanto aos gigantes da tecnologia terem grandes lucros na Europa, tudo bem, porque somos um mercado aberto e gostamos de concorrência. Mas se estão a conseguir estes lucros beneficiando do nosso sistema de educação, dos nossos trabalhadores qualificados, das nossas infraestruturas, e da nossa rede de Segurança Social, então não é aceitável que tenham lucros e não paguem impostos porque estão a ‘jogar’ com o nosso sistema de fiscal”, disse aos eurodeputados.

“Se querem os benefícios, têm de partilhar os encargos”, disse.

Salário mínimo que permita uma vida condigna para todos

Não foi tão longe quanto dizer que vai tentar obrigar os países a criarem salários mínimos, mas disse que vai propor um enquadramento global comum para que todos os países — com as devidas adaptações — garantam “um salário mínimo que pague uma vida condigna”.

A alemã pretende ainda reforçar a rede de proteção social com a criação de um subsídio de desemprego a nível europeu, que não implica a eliminação das redes de proteção que já existem a nível social, mas sim servindo de reforço nos períodos em que as economias são sujeitas a choques mais profundos, como recessões generalizadas.

Ursula von der Leyen incluiu nesta área também um pequeno “biscoito” para o Parlamento Europeu, dizendo que vai apoiar a proposta de Estrasburgo de triplicar o orçamento para o programa Erasmus no próximo quadro comunitário.

Proteção no novo mundo digital

O desafio é reconhecido, mas a alemã aponta três dimensões que considera essenciais a União Europeia começar a dar resposta.

Em primeiro lugar, que sejam criadas regras éticas e proteções robustas relativamente a inovações como a Inteligência Artificial e o ciberespaço, que permitam proteger também as pessoas.

Em segundo lugar, quer que a União Europeia esteja na linha da frente no que diz respeito à inovação, e à proteção, relativamente ao ciberespaço, reconhecendo que a inovação tecnológica também tem trazido consigo riscos significativos para a sociedade e para a economia, admitindo no entanto que “ninguém pode enfrentar estes desafios sozinho”.

Em terceiro lugar, a proteção social de quem trabalha nestas novas áreas. Se é verdade que a inovação tecnológica traz consigo mais oportunidades no mercado de trabalho, e com salários mais elevados, também o é que muitas vezes o trabalho é precário, deixando os trabalhadores fora das redes de proteção tradicionais, como o subsídio de desemprego ou a baixa médica por doença.

Ursula von der Leyen entende que isto deve mudar: “quem trabalha deve ter proteção. Temos de encontrar formas de os valores que sempre protegeram trabalhadores possam ser transferidos para a economia digital. Temos de garantir que transferimos essas proteções para beneficiar de todos os trabalhadores”, disse.

Brexit mais tarde? Sim, é possível

Apesar de a alemã ser a escolha do Conselho Europeu e ter o apoio declarado do atual presidente do Conselho, Donald Tusk, nesta área Ursula von der Leyen fugiu um pouco à linha que tem vindo a ser traçada pela União Europeia, admitindo que a data de saída do Reino Unido da União Europeia pode voltar a ser adiada.

“Pela primeira vez um Estado-membro decidiu deixar a União Europeia. É uma decisão séria, que lamentamos, mas respeitamos. Estou preparada para apoiar uma nova extensão da data de saída, caso seja necessário mais tempo por uma boa razão”, disse, sublinhando logo de seguida que, independentemente do caminho seguido, o Reino Unido será sempre “aliado, parceiro e amigo” da União Europeia.

Uma Europa multilateral… mas à sua maneira

Apesar do afastamento cada vez maior entre a União Europeia e a administração norte-americana liderada por Donald Trump, a futura presidente da Comissão Europeia fez questão de garantir que a sua Comissão irá continuar a defender o multilateralismo e a parceria transatlântica.

No entanto, diz, a defesa do multilateralismo e do comércio livre e justo, ancorado nas regras, terá de ser feito “à maneira europeia”.

“Se vamos seguir o caminho europeu, temos primeiro de redescobrir a nossa unidade. Se estivermos unidos por dentro, ninguém nos dividirá de fora”, disse.

A economia a servir a população e não a população a servir a economia

Outra das prioridades traçadas por Ursula von der Leyen é uma reorientação daquilo que tem sido até aqui o semestre europeu e uma continuação da política seguida por Jean-Claude Juncker na interpretação das regras orçamentais estipuladas nos tratados.

Segundo a alemã, a sua Comissão continuará a usar “toda a flexibilidade” permitida pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que significa na prática dar margem aos países para não cumprirem as metas orçamentais europeia para fazerem investimentos e reformas estruturais necessárias para aumentar o potencial de crescimento da economia. A margem é, no entanto, limitada.

“Temos de trabalhar com o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Quando é necessário fazer investimentos e reformas, temos de garantir que estas podem ser feitas. Temos de dar uso a toda a flexibilidade incluída nas nossas regras. Temos orgulho na nossa economia, queremos torná-la mais forte, mas também há uma lógica simples e clara: não são as pessoas que servem a economia, mas sim a economia que serve as pessoas”.

Relativamente ao Semestre Europeu, a alemã diz que pretende dar-lhe uma nova orientação para que a União Europeia consiga cumprir os seus objetivos de desenvolvimento.

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