Portugal, habitat natural dos serviços partilhados. Mas porquê?

Multinacionais escolhem Portugal para instalar centros de serviços partilhados, um “círculo virtuoso” que atrai cada vez mais empresas para o país. A tendência já conquistou a Administração Pública.

Quando o tema é a partilha de recursos e fazer mais com menos, os céticos erguem o sobrolho. Em simultâneo, os empresários contrapõem: serviços partilhados não servem só para reduzir custos. Resultam em eficiências nas operações, uniformizam a qualidade dos serviços e até permitem criar emprego.

A ideia não é nova, mas os últimos anos tornaram evidente que os serviços partilhados vieram para ficar. Mostraram ainda que Portugal está no centro da tendência. São cada vez mais as multinacionais que apostam no mercado português como localização para centros de serviços partilhados, próprios ou em regime de externalização de serviços. O novo centro da Google em Oeiras é o exemplo mais flagrante, mas a gigante tecnológica está longe de ser a única.

Mas que características fazem de Portugal um mercado apelativo para os serviços partilhados? As conclusões são transversais aos vários casos analisados. Portugal atrai serviços partilhados graças às boas qualificações dos portugueses e até à diáspora, que fez do povo português um bom conhecedor de línguas estrangeiras, sobretudo do inglês.

Entre os fatores positivos estão ainda as infraestruturas, a boa rede de comunicações, a legislação laboral “competitiva” e a existência de várias ligações internacionais a partir dos aeroportos portugueses, que estão localizados perto dos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto. Pesam ainda a boa qualidade de vida, a estabilidade social e, claro, o custo menos elevado do talento.

Engana-se quem pensa que os serviços partilhados só dizem respeito ao setor da tecnologia. Menos óbvia, mas bem enraizada em Portugal, está a operação de shared services do banco BNP Paribas, com instalações no Parque das Nações, na avenida Almirante Gago Coutinho e na avenida D. João II, mas também fora de Lisboa, no Porto. Um exemplo da centralização de vários serviços em Portugal, prestados daqui para o mundo. Os dados mais recentes apontam para perto dos 5.000 trabalhadores do BNP Paribas em Portugal, número que, a avaliar pelas intenções já anunciadas, deverá crescer ainda mais.

Uma Torre de Babel

Prestar serviços de um local para várias regiões do globo significa ter de falar várias línguas. Muitas línguas. Pela sua própria natureza, a Teleperformance é outro case study de serviços partilhados em Portugal, mas em regime de prestação de serviços a outras empresas, como a Expedia, o eBay e a Netflix.

As 10.500 pessoas de 85 nacionalidades que trabalham na Teleperformance Portugal falam 27 línguas. É no antigo edifício da UTIC, na Infante Dom Henrique, em Lisboa, que estão as salas de operações de um dos principais clientes da empresa em Portugal, que é uma grande tecnológica internacional. Aqui, trabalham cerca de 1.200 pessoas, a maior parte alocada a esse cliente, que autorizou a visita da Pessoas sob a condição de que fosse mantido o anonimato.

Ainda nas proximidades deste 11.º centro da Teleperformance, percebemos porque se chama TP Nations: é uma autêntica Torre de Babel. Pelos corredores pululam franceses, alemães, portugueses, italianos e outros cidadãos do mundo. Uma mistura de pessoas diferentes, de culturas diferentes.

Neste centro existem oito salas de operações. Ninguém pode entrar nelas com mochilas ou telemóveis. Se, nos corredores labirínticos, o TP Nations até parece um edifício comum, cada sala é como um novo continente. Entrar nelas dá-nos uma sensação próxima do teletransporte.

Daqui prestam-se serviços de apoio ao cliente em 12 línguas diferentes a essa grande tecnológica, por chat e por telefone. Os problemas mais básicos são resolvidos pelo primeiro operador. Os mais complicados passam a uma equipa de segunda linha e, daqui, são encaminhados para a casa-mãe. Uma partilha de recursos com a finalidade de resolução o problema da forma mais suave e no menor tempo possível.

Em cada posto de trabalho, uma pequena bandeira expõe o país e o idioma para o qual se está a trabalhar. Uma centralização que traz vantagens à empresa em causa: quando tem um assunto relacionado com o apoio ao cliente, um responsável da grande tecnológica, cliente da Teleperformance, só tem de se deslocar a um sítio. De outra forma, teria de viajar individualmente a cada um dos países.

“A diminuição significativa do esforço de gestão é um benefício enorme para as empresas”, aponta Pedro Gomes, COO da Teleperformance à Pessoas. Refere também a “consistência dos serviços prestados” como uma das vantagens dos serviços partilhados. “Dá às empresas uma flexibilidade para lançar novos produtos e serviços”, explica. É o mesmo no que toca à formação das pessoas. “Toda a gente está no mesmo local” e “é tudo mais fácil”, diz. Neste caso, esse local é Lisboa.

Para Pedro Gomes, não é difícil perceber por que Portugal está no mapa dos serviços partilhados. O país acolhe “comunidades numerosas de estrangeiros” e é “um dos mais pacíficos do mundo”. É também uma nação de emigrantes: “Quando há oportunidades de emprego em que as línguas estrangeiras são uma mais-valia, é interessante que esses emigrantes regressem e usem aqui essas línguas”, sublinha.

A diminuição significativa do esforço de gestão é um benefício enorme para as empresas.

Pedro Gomes

COO da Teleperformance

Os salários mais baixos também ajudam, reconhece, mas não são determinantes: “É um fator de atratividade para as empresas, mas não é o principal. É um fator adicional.” Até porque existem outras localizações na Europa, populares para os serviços partilhados, que não são conhecidas pelo baixo custo da mão-de-obra. É o caso de Berlim (Alemanha), argumenta.

De qualquer modo, o especialista não tem dúvidas de que Portugal está no mapa e que a tendência só vai acelerar: “À medida que mais empresas colocam serviços partilhados em Portugal, aumenta a credibilidade do país. Gera-se um círculo virtuoso que atrai cada vez mais serviços para Portugal”, conclui o responsável da Teleperformance.

Estado português já se rendeu

Esta lógica extravasa o domínio privado e, desde 2012, também é explorada pelo setor público. Lançada no pós-crise e com o objetivo de melhorar a eficiência do Estado e reduzir a despesa, a eSPap (Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública) é o organismo que centraliza os serviços partilhados do Estado português.

“Queremos transformar o backoffice num front office”, diz à Pessoas o presidente da eSPap, César Pestana. “Oferecemos um catálogo de serviços em várias áreas e esse é o nosso grande contributo”, refere, lembrando que muitas vezes este tipo de trabalho, apesar de importante, não é visível ao público.

Além de manter um data center ao serviço do Ministério das Finanças e de algumas autarquias, a eSPap gere uma parte da contabilidade do Estado, processa salários aos funcionários públicos de diversas entidades e gere o sistema nacional de compras públicas. Também fornece “serviços partilhados” de tecnologia “em tudo o que faça sentido” na máquina do Estado, salienta a vice-presidente, Teresa Girbal, que também acompanha a conversa.

A eSPap é considerada um instituto público de regime especial, com gestão empresarial do Estado e com um orçamento anual “na casa dos 25 milhões de euros”. O financiamento vem do Orçamento do Estado, de receitas próprias e de fundos comunitários, revela César Pestana.

Antes de existir, cada organismo do Estado tinha departamentos que prestavam os vários serviços agora centralizados no “catálogo” da eSPap. Atualmente, os organismos do Estado e as empresas públicas só têm de consultá-lo e escolher os serviços de que necessitam. A prestação é “sempre feita em rede”, numa lógica de colaboração entre os funcionários da eSPap e os da organização do Estado que os “contrata”.

Para este ano, o objetivo é aumentar o número de serviços no catálogo e o número de clientes no Estado. Passa, em suma, por ter “processos mais eficientes, escaláveis e com melhor qualidade na resposta”, diz o presidente.

Assim, Portugal tem as condições favoráveis para ser um habitat natural dos serviços partilhados, albergando centros de norte a sul do país. Bosch, Accenture, Adidas, Peugeot e Vodafone são alguns exemplos na região mais a norte, Altran, IBM, La Redoute, Randstad e Altice Labs destacam-se na zona centro. Na região de Lisboa, a lista parece não ter fim.

Para esta reportagem, a Pessoas contactou ainda a Google, Uber, Farfetch, Microsoft e BNP Paribas, mas não foi possível obter contributos a tempo do fecho da revista.

O desafio

Não é fácil lidar com tanta gente, mais ainda quando são pessoas de diferentes nacionalidades e culturas. “É desafiante. Cada indivíduo tem as suas características e fácil não é a palavra correta”, aponta Pedro Gomes, COO da Teleperformance. A Pessoas ouviu o mesmo de um líder de projeto, que disse que é preciso saber-se “adaptar à cultura dos diferentes idiomas”. Porém, ambos reconheceram que são estes desafios que tornam o trabalho “extremamente aliciante”.

Do privado ao público

A eSPap tem 300 trabalhadores, mas só um terço são funcionários públicos. Os restantes são trabalhadores contratados de forma individual, o que permite à eSPap captar talento no mercado sem aumentar o quadro de trabalhadores do Estado. Conta com especialistas em contabilidade pública, em recursos humanos e até em tecnologia, mas enfrenta dificuldades em encontrar estas pessoas, como acontece no setor privado.

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