Recrutamento antes do “canudo”. O que é preciso para ter emprego garantido?

Entre o stress e a pressão da procura de emprego, há alunos que, ainda antes de terminarem o curso, já têm uma empresa à sua espera. Proatividade é o principal requisito.

Entrar na faculdade, fazer a licenciatura (às vezes, o mestrado imediatamente a seguir) e, finalmente, já com o diploma de conclusão, partir para a procura de emprego. Este é, talvez, o percurso mais comum entre os jovens recém-graduados, mas há estudantes que antecipam a entrada no mercado de trabalho, graças às empresas que preferem recrutar estudantes.

Elas oferecem-lhes um emprego garantido após o “canudo” e eles não precisam de ser os melhores alunos da turma. Trata-se, sobretudo, de proatividade.

Inês Cunha, 24 anos, e Mariana Pinto, 23 anos, fazem parte destes estudantes que, no último ano do mestrado, já sabem que não precisam de “varrer” os sites e portais de emprego. Em vez disso, Inês, licenciada em Economia pela Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e mestre em Finanças pela mesma universidade, sente um “alívio” de quem já tinha emprego garantido. E Mariana, licenciada em Gestão pelo ISCTE e aluna do mestrado em Finanças da Católica Lisbon School of Business & Economics, está contente por não estar sob “pressão”.

“Lembro-me que a maioria dos meus amigos estava num stress enorme durante o último ano de mestrado. Eu sentia um alívio, mas um alívio apesar de tudo merecido (…) porque, nos anos anteriores, andava a candidatar-me a estágios de verão”, conta Inês Cunha ao ECO.

Lembro-me que a maioria dos meus amigos estava num stress enorme durante o último ano de mestrado. Eu sentia um alívio, mas um alívio apesar de tudo merecido.

Inês Cunha

Ex-aluna da Nova SBE e analista na HSBC

As candidaturas para estágios de verão deram resultado… E frutos. Enquanto terminava o mestrado, Inês Cunha já tinha emprego garantido. Assim, em agosto do ano passado, altura que terminou o mestrado, voou para Londres. Era lá que estava a empresa que esperou um ano para poder, finalmente, concretizar a contratação da recém-graduada, a HSBC. Já Mariana Pinto, que está no último ano do mestrado, vai ficar por cá. Tem a Boston Consulting Group (BCG) à sua espera.

Tudo começou com um estágio de verão

Comecemos pela Inês. Na altura em que estava a frequentar a licenciatura, a jovem seguiu logo para mestrado e, durante o mesmo, decidiu que queria, novamente, fazer um estágio de verão. Novamente porque, no segundo ano de licenciatura, Inês procurou um estágio para fazer durante os meses de verão, o que não foi uma tarefa fácil, pelo menos em Portugal.

“Tentava candidatar-me a vários sítios em Portugal e era difícil arranjar um estágio de verão, estando no segundo ano. Eu candidatava-me e, mesmo tendo uma boa média, não conseguia arranjar nenhum estágio, nem sequer tinha entrevistas. E, as poucas que tinha, pagavam muito pouco ou não pagavam de todo”, explica. Foi assim que decidiu mudar o destinatário das candidaturas e tentar lá fora.

Em Londres, como analista, Inês Cunha recebe entre 50 e 65 mil libras brutas por ano. É o equivalente a 55/72 mil euros.Unsplash

O primeiro estágio de verão que fez foi no Lloyds Bank, em Londres, onde recebeu dez mil libras brutas em dez semanas (o equivalente a cerca de 11.100 euros) e poderia ter terminado o verão com emprego garantido ainda no segundo ano de licenciatura. “Quando terminei o estágio, eles propuseram-me, mal acabasse a licenciatura, voltar para o banco e integrar a equipa”, conta, acrescentando que acabou por recusar. “Trabalhar no Lloyds não era bem o que queria e, sinceramente, não me apetecia começar logo a trabalhar após a licenciatura. Não me apetecia porque, na verdade, percebi que trabalhar custava realmente”, recorda.

Inês Cunha voltou para Portugal, mais propriamente para a Nova SBE, para frequentar o mestrado em finanças. “Tive oportunidade de ser professora assistente e, pelo meio, quis, novamente, fazer um estágio de verão”, este mais decisivo na sua carreira profissional. “Consegui um estágio na HSBC de dez semanas e com condições muito semelhantes às que tinha no Lloyds”, conta.

“No final, disseram-me a mesma coisa, mas, desta vez, aceitei”, afirma. E, passado pouco mais de um mês, o balanço é muito positivo. “Estou a gostar imenso. Em termos de valorização profissional e experiência pessoal é ótimo. Em Londres somos muito valorizados”, diz, acrescentando que o salário — entre 55 mil a 72 mil euros brutos por ano — é muito bom e quase “impensável” para um jovem recém-graduado em Portugal.

Esperar, esperar… O tempo que for preciso

Mariana Pinto, ao contrário de Inês, vai ficar por Portugal. Enquanto termina o último ano do mestrado, a BCG Consulting está à sua espera e, em abril do próximo ano, a jovem deverá ingressar no mercado laboral. A empresa, contudo, já não lhe é desconhecida. Inês também fez, antes, um estágio de verão, que culminou numa proposta de trabalho. A remuneração do estágio, com a duração de um mês, “era muito boa”, recorda.

Neste caso a espera não é de apenas alguns meses, mas há situações em que as empresas esperam dois anos pelo talento que querem ver na sua equipa. “Tive colegas que fizeram estágio de verão no final da licenciatura e que queriam começar este ano o mestrado, pelo que a empresa se comprometeu a esperar dois anos por eles”, conta Mariana Pinto. “É muito bom ter esta garantia de que a empresa vai esperar por nós”, acrescenta.

E não é só na área business que isto acontece. Nas engenharias, este tipo de recrutamento é, talvez, ainda mais frequente. “Cerca de metade dos alunos [do Instituto Superior Técnico] já tem emprego garantido quando terminarem o seu programa de mestrado”, diz Luís Caldas de Oliveira, vice-presidente do Técnico para o empreendedorismo e ligações empresariais.

"[Os alunos] combinam que, quando entregarem a dissertação, já podem começar a trabalhar para a empresa, que se compromete a esperar pelo aluno. É bastante comum e é uma forma boa, porque não há perda de tempo.”

Luís Caldas de Oliveira

Vice-presidente do Técnico para o empreendedorismo e ligações empresariais

“Os processos de recrutamento começam por volta de fevereiro e, tipicamente, em abril ou maio, os alunos fecham contrato com as empresas (…) Combinam que, quando entregarem a dissertação, já podem começar a trabalhar para a empresa, que se compromete a esperar pelo aluno. É bastante comum e é uma forma boa, porque não há perda de tempo“, explica.

Esta é, para Luís Caldas de Oliveira, a melhor solução: permite ao aluno concluir o seu percurso académico — sem comprometê-lo — com a “visão de que, assim, que acabar, começa logo a trabalhar na empresa”. O que também acontece, embora considere menos desejável, é que alguns alunos começam logo a trabalhar ainda antes de terminar o curso.

“Há situações em que o aluno precisa de rendimento e começa logo a trabalhar enquanto ainda está a terminar o mestrado”, o que pode trazer “alguma dificuldade em coordenar o trabalho com a exigência de fazer uma dissertação”. Nestes casos, o vice-presidente do Técnico para o empreendedorismo e ligações empresariais considera que “há alguma perda” e acontece frequentemente na área de informática, onde “há mais procura por diplomados”.

Nestes casos, o que o Técnico está a promover junto das empresas é que haja um compromisso para que a posições oferecidas aos alunos sejam em regime de part time. Admitindo que “as empresas já começaram a perceber que isto tem interesse para ambos os lados”, Luís Caldas de Oliveira afirma que o que deveria acontecer com mais frequência eram ofertas de trabalho que não excedessem as vinte horas semanais. “E que fossem cumpridas como dever ser. Que fosse a própria empresa a exigir ao aluno que não fizesse mais horas. Isto para assegurar que consegue terminar a formação académica”, explica.

Pensar estrategicamente: recrutar mais cedo, investir nas feiras de emprego

Recrutar estudantes e oferecer-lhes um emprego garantido é cada vez mais comum e, tanto notam as instituições de ensino superior como as recrutadoras. Carlos Andrade, senior executive manager da Michael Page, afirma que se trata de “uma tendência” — de acordo com “os indicadores dos últimos dez a 15 anos, tem vindo a crescer“. Em Portugal, “podemos correlacionar estes indicadores com a taxa de desemprego atual, que está nos 6,5% [referente a julho] e há meia dúzia de anos esteve próxima dos 18%”, explica.

“Isso fez com que as empresas começassem a procurar o talento e fossem obrigadas a recrutar mais cedo, a investir nas feiras de emprego das universidades e a pensar estrategicamente em como atrair talento”, continua o senior executive manager da Michael Page, acrescentando que é o crescente volume de novos projetos de investimento, a melhoria da economia e, também, a revolução digital e tecnológica que mais contribuem para esta tendência.

Julie Eracleous, diretora de career & corporate placement na Nova SBE, reforça esta ideia. “As empresas recrutam ativamente os nossos alunos, mesmo antes de terminarem o mestrado. Começamos a receber empresas no campus no início de setembro (…) e temos empresas de vários países para recrutar todas as nacionalidades”, afirma. E o número de empresas que visitam a School of Business and Economics da Nova está a aumentar, bem como a diversidade.

Proatividade. Notas vão para segundo plano

Apesar de tudo isto, “nenhuma HSBC vai ter com o aluno e diz-lhe: ‘Vem trabalhar comigo'”, salienta Inês Cunha. “É preciso ser-se muito proativo (…) nada cai no colo”, acrescenta. No seu caso, a proatividade teve a ver com a procura de um estágio de verão, mas, no fundo, o que realmente marca a diferença, para a jovem, é “começar à procura mal se entra na faculdade”. “A maioria dos estudantes só se preocupa com o trabalho no final do curso. Acho importantíssimo garantir um futuro ainda antes de acabar o curso”, diz.

E, ao contrário do que se possa pensar, as notas começam a adquirir uma importância cada vez menor na altura do recrutamento. “Muitas empresas começam a eliminar as notas para filtrar os candidatos. Mercados pioneiros, como o Reino Unido e a Alemanha, estão definitivamente a usar cada vez menos as notas como critério [de seleção]”, explica Julie Eracleous.

Obviamente que um bom aluno é muito bom a fazer exames, mas, na prática, o dia-a-dia das empresas não é fazer exames.

Luís Caldas de Oliveira

Vice-presidente do Técnico para o empreendedorismo e ligações empresariais

A Universidade Católica faz a mesma leitura. Ainda que várias empresas continuem a definir uma nota mínima para os alunos serem convidados a fazer parte dos processos de recrutamento, depois de entrarem no processo, já não é tanto a nota que interessa. “As empresas valorizam muito se o aluno fez estágios, intercâmbio ou teve atividades extracurriculares”, refere Maria João Santos, head of careers and talent da Católica Lisbon School of Business & Economics.

Luís Caldas de Oliveira considera que há um problema muito grave na nossa sociedade. “Desde o quarto ano que os pais dizem às crianças que têm de ter boas notas para entrar na universidade. Depois, na universidade, os alunos pensam que têm de ter as melhores notas. Obviamente que um bom aluno é muito bom a fazer exames, mas, na prática, o dia-a-dia das empresas não é fazer exames”, afirma.

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