Vale mesmo a pena ir para a faculdade? Licenciados ganham mais 69% e têm mais oportunidades

Milhares de estudantes estão agora a decidir se devem ou não prosseguir estudos. Os números incentivam essa decisão, mas há detalhes a ter em conta antes de avançar para a universidade.

Ir ou não ir para a universidade? Esta é uma das questões que marca, todos os anos, o mês de setembro. Depois de conhecidas as colocações, os estudantes têm, no momento da inscrição, uma última oportunidade para decidirem se querem ou não prosseguir estudos. Mas vale mesmo a pena frequentar uma instituição de ensino superior? Os números tendem a responder afirmativamente a essa questão (em termos remuneratórios e de empregabilidade), mas há nuances que não podem ser ignoradas.

Os alunos interessados em conseguir uma licenciatura apresentaram, entre 17 de julho e 6 de agosto, as suas candidaturas à primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. Só no primeiro dia, 6.830 alunos avançaram nesse sentido. No total, 51.291 mil candidaturas foram apresentadas, um número superior ao registado no ano anterior (mais 1.666 candidaturas) e que já deixa antever que, quando forem conhecidas as colocações, haverá alguns estudantes a ficar de fora. É que, nesta fase, só há 50.860 vagas disponíveis.

Serão, portanto, apenas cerca de 50 mil os estudantes a questionarem-se sobre se devem ou não prosseguir estudos, ficando mais de 400 sem essa opção. Para os primeiros, deve interessar não só as perspetivas remuneratórias e de empregabilidade, mas também e, antes de mais, o custo de oportunidade.

Tirar uma licenciatura, em Portugal, custa no máximo, no que diz respeito à propina a pagar a qualquer instituição de ensino superior pública, duas vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), por ano — no privado o valor varia de universidade para universidade, mas é sempre bastante superior. Em 2019, esse limite está, por isso, fixado nos 871,52 euros. Este valor foi determinado no âmbito do Orçamento do Estado para 2019 com vista a “reforçar o ingresso de jovens no ensino superior”.

Se estiver em causa uma licenciatura de três anos, o estudante terá então de investir cerca de 2.600 euros só em propinas, mantendo-se o IAS num valor relativamente estável. A esse montante somam-se, depois, os custos de deslocações para casa (se a localização da universidade obrigar a tal) e, paralelamente, os custos da habitação. Há também a ter em conta o custo da alimentação e até das deslocações dentro da cidade escolhida.

É esse o primeiro cálculo que um estudante indeciso sobre se deve ou não continuar os seus estudos deve fazer, confrontando-o, desde logo, com a multiplicação por 42 meses do ganho médio que estaria a receber se tivesse escolhido, ao sair do secundário, enfrentar o mercado de trabalho.

De acordo com os Quadros de Pessoal de 2017, o ganho médio de um trabalhador que apenas tem o ensino secundário concluído é de 1.077,23 euros. Ou seja, em três anos e contando com o subsídio de férias e de Natal, esse trabalhador recebe 45.243,66 euros. Se contarmos apenas com a remuneração mínima garantida, nesses três anos, o trabalhador receberia cerca de 25 mil euros, mantendo-se o salário mínimo nos 600 euros mensais ou nas proximidades.

Tudo somado, prosseguir para o ensino superior não só implica um investimento significativo, como resulta na perda de rendimentos que poderiam ser auferidos durante o período em que o estudante está fora do mercado de trabalho.

Ainda assim, João Cerejeira, professor de Economia e Gestão, garante ao ECO que “vale a pena tirar um curso superior”. É que, por um lado, diz o professor, Portugal continua a ser um dos países onde a diferença entre quem tem curso superior e quem não tem é significativa e, por outro, os trabalhadores com pelo menos uma licenciatura tendem a ter melhores perspetivas de empregabilidade.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), no segundo trimestre deste ano, a taxa de emprego dos trabalhadores com o ensino secundário e pós secundário (mas não superior) estava nos 69,6%, tendo subido 0,3 pontos percentuais (p.p.) em cadeia e 0,5 p.p. em termos homólogos. Em comparação, a taxa de emprego dos trabalhadores com o ensino superior fixou-se nos 80,3%, mais 1 p.p. em cadeia e mais 0,9 p.p face ao período homólogo. A primeira vantagem de avançar nos estudos é, portanto, a maior empregabilidade de quem tem um curso superior face a quem não o tem.

Além disso, João Cerejeira sublinha que “quanto maior for a percentagem de pessoas licenciadas, melhores serão os empregos”, logo a decisão com a qual estão confrontados agora os estudantes tem efeitos não só nas suas vidas pessoais, mas também na própria economia nacional.

Tem vindo a aumentar a desigualdade entre aqueles que têm curso superior. Nas engenharias e nas tecnologias de informação, a vantagem tem vindo a aumentar.

João Cerejeira

Professor de Economia

No que diz respeito às remunerações, a vantagem de ter um curso superior confirma-se, mas tem vindo a mitigar-se. De acordo com os Quadros de Pessoal de 2017, enquanto um trabalhador com o ensino superior ganha em média 1.077,23 euros, um trabalhador com uma licenciatura ganha 1.821,83 euros, ou seja, mais 69,1%. Com um mestrado, a história é diferente: o ganho médio está fixado nos 1.777,52 euros, mais do que os que têm somente o ensino secundário, mas inferior aos que têm licenciatura. E com um doutoramento, o rendimento dispara para 2.546,07 euros.

Cerejeira nota que, desde a crise, essa diferença salarial entre trabalhadores com curso superior e trabalhadores com o ensino secundário tem vindo a diminuir, à boleia de três fatores: a atualização do salário mínimo nacional (que “empurrou de forma ascendente as remunerações mais baixas”); a subida do número de licenciados e consequentemente o reforço dos recursos humanos disponíveis com formação superior para a mesma oferta de emprego, o que fez descer o valor desses trabalhadores.

Licenciados têm um ganho médio mais elevado do que trabalhadores com secundário

Fonte: Quadros de Pessoal

Tudo somado, o professor especialista em Economia do Trabalho salienta que, atualmente, o que importa realmente em termos de perspetivas profissionais “não é tanto o tirar um curso superior”, mas a área em causa. Isto porque “tem vindo a aumentar a desigualdade entre aqueles que têm curso superior” consoante o setor a que se dedicam. Por exemplo, nas engenharias e nas tecnologias de informação e comunicação a vantagem de ter um curso superior e em relação aos demais licenciados tem vindo a crescer, explica.

Apesar dessas duas tendências, os Quadro de Pessoal deixam claro que em 19 dos 20 setores de atividade analisados ter uma licenciatura ainda é sinónimo de um salto no ganho médio, quando comparado não só com os trabalhadores com o ensino secundário, mas também com aqueles que têm apenas um curso técnico.

A mesma certeza não se verifica com os mestrados, havendo apenas oito setores nos quais esse grau académico tende a possibilitar um rendimento superior ao estimado para os trabalhadores com licenciatura. São eles o alojamento e restauração (os trabalhadores com mestrado ganham em média mais 14,8% do que aqueles com licenciatura); as atividades financeiras e seguro (o aumento aqui é de 1,82%); as atividade imobiliárias (o salto aqui é de 11,79%); as atividades de consultoria (o salto é de 3%); as atividades administrativas e de serviços (o aumento aqui também é de 6,73%); a Administração Pública, Defesa e Segurança Social (o salto é de 20,3%); a educação (o salto estimado é de 2,10%); e outras atividades e serviços (o salto aqui é de 4,35%).

Nos restantes setores, ter um mestrado é mesmo sinónimo de um ganho médio inferior àquele conseguido pelos trabalhadores que têm apenas uma licenciatura. João Cerejeira explica que essa “desvalorização” da vantagem implicada num mestrado resulta, essencialmente, de uma comparação injusta: é que os licenciados atualmente são, numa parte significativa, trabalhadores que já exercem funções há 40 anos, enquanto que os mestrados tendem a dizer respeito a uma camada da população muito mais jovem e que, portanto, ainda não subiu os degraus salariais esperado. “O mestrado continua a ter muito peso”, salienta o professor.

No que diz respeito ao doutoramento, em cinco setores (indústrias extrativas, construção, transportes, alojamento e atividades imobiliárias) os trabalhadores que subiram mais um degrau na escada académica têm ganhos médios mais baixos face àqueles que se ficaram no mestrado, ou seja, em 15 setores tirar um doutoramento representa um aumento do ganho mensal.

Se estiver indeciso sobre que área seguir, a licenciatura no setor da eletricidade, gás, vapor, água quente e fria é a que tende a oferecer um ganho mais robusto: cerca de quatro mil euros por mês (só com o secundário receberia 2.341,88 euros). Se quiser, por outro lado, seguir para as atividades artísticas e dedicar a sua vida ao espetáculo, saiba que os trabalhadores com apenas o secundário concluído são aqueles que, em médio, têm um maior ganho. Prosseguir estudos, nesse caso, não é sinónimo de mais euros na conta ao fim do mês.

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