O novo Código do Trabalho entra em vigor esta terça-feira. Em entrevista ao ECO, o ministro do Trabalho explica as alterações mais relevantes e coloca em cima da mesa metas ambiciosas.
O Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, recebeu o ECO no nº 2 da Praça de Londres, na véspera da entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho. Vieira da Silva defende que é possível, com estas mudanças, que a percentagem de trabalhadores com contratos temporários e a termo baixe substancialmente, de cerca de 22% para valores próximos dos 12% a 10%.
Em relação às críticas do PCP e do Bloco a esta nova lei, responde com a palavra “flexibilidade”: “Nós achamos que uma dose adequada de flexibilidade na gestão, por exemplo, do tempo de trabalho é um elemento a favor do emprego e não contra o emprego”. Também sai em defesa do programa CONVERTE+, que o Governo lançou para tentar converter contratos a prazo em contratos sem termo.
O Código do Trabalho entra em vigor esta terça-feira, embora algumas normas como a taxa de rotatividade só entrem em vigor mais tarde. É um conjunto de medidas, mas se tivesse de escolher uma que melhor combate a precariedade qual seria?
Não é fácil, porque há dois tipos de medidas que são complementares em conjunto e que são aquelas que têm maior potencial para produzir mudanças: em primeiro lugar, a diminuição das causas que permitem o contrato a termo, com revogação da possibilidade de fazer contratos a termo quando se é jovem à procura do primeiro emprego ou desempregado de longa duração; e, por outro lado, a questão da diminuição do tempo dos contratos a termo.
São as duas mais importantes?
Não apenas essas, mas essas duas em conjunto, — as condições de acesso, a duração e o tipo de utilização dos contratos — são aquelas que eu penso que terão, progressivamente, maior potencial para trazer a percentagem de contratos de trabalho a termo fixo para valores mais próximos daquilo que são as médias europeias.
O PCP e o BE têm acusado o Governo e o PS de se encostarem à direita para manter a herança da troika na Lei Laboral. Admite que esta revisão do Código foi uma oportunidade perdida de reformar a lei no sentido de proteger mais os trabalhadores?
Não, sinceramente não tenho essa ideia. Basicamente, o Governo definiu três grandes objetivos para as mudanças nas relações laborais. Um deles é uma subida consistente, e que se enquadra na dinâmica da economia, do salário mínimo. Ela foi concretizada sem danos para a criação de emprego e com melhorias óbvias da redução da desigualdade e do aumento do poder de compra dos salários mais baixos.
O segundo grande objetivo foi a dinâmica da contratação coletiva. Mais do que dobrou e este ano de 2019 está a ser um ano muito dinâmico. Ainda não sei os valores finais, mas chegaremos claramente acima de um milhão de trabalhadores envolvidos por nova contratação, quando tivemos aqui há uns anos atrás menos de 300 mil. Começámos a aproximar-nos, ainda com alguma distância, dos valores mais altos da renovação da contratação coletiva e esse objetivo também foi conseguido. É um objetivo nobre do ponto de vista das relações de trabalho.
Um outro objetivo foi aquele que já começámos a falar, ou seja, o combate à precariedade.
É a resposta às criticas do Bloco e PCP?
Os três grandes objetivos — salário mínimo e salários, contratação coletiva e combate à precariedade — não são questões de segunda ordem, são centrais nas questões laborais. Portanto, dizer que o Governo abdicou de mudar, de mexer nas relações de trabalho, julgo que é falso.
Até porque, tudo isto é contemporâneo do maior crescimento do emprego que nós tivemos nas últimas décadas. Não há relações laborais se não houver emprego. Nós podemos até definir um quadro muito bonito, com todos os direitos consagrados, com tudo estabilizado, mas se não houver emprego esses direitos não se exercem. É preciso ter o equilíbrio e o bom senso para fazer as mudanças que não ponham em causa e que até estimulem a criação de emprego. E foi isso que aconteceu.
Os últimos dados do INE apontam para cerca de 375 mil empregos líquidos criados neste período. Mas se olharmos para a Segurança Social são mais de 500 mil os que estão a pagar contribuições — há aqui uma discrepância de valores, não vou agora entrar nisso — mas são mais de 500 mil pessoas que estão a pagar contribuições em relação a 2015. Isso é o melhor sinal que nós temos para um mercado de trabalho mais dinâmico, com problemas obviamente, com fragilidades, com distorções que é preciso corrigir, com novidades que nos estão a chegar todos os dias, mas dizer que é um oportunidade perdida, bom….
Nós podemos até definir um quadro muito bonito, com todos os direitos consagrados, com tudo estabilizado, mas se não houver emprego esses direitos não se exercem.
Não foi uma oportunidade perdida?
Obviamente que, entre o partido que é responsável pelo Governo e o PCP e o Bloco de Esquerda, há algumas questões que são questões que nos afastam há muito. Não temos a mesma visão sobre alguns aspetos da Lei Laboral. Nós, por exemplo, achamos que uma dose adequada de flexibilidade na gestão do tempo de trabalho é um elemento a favor do emprego e não contra o emprego. O PCP e o BE são contra os bancos de horas, são contra a possibilidade de flexibilizar o tempo de trabalho para defender o emprego. Quando essa flexibilidade não existe, no mercado de trabalho atual, o que acontece é despedimentos. E se nós temos que optar entre maior flexibilidade na organização do tempo de trabalho ou maior flexibilidade que os técnicos chamam externa, — que é despedir e contratar logo que há uma mudança na conjuntura, — nós optamos pela primeira.
Hoje em dia, a percentagem de trabalhadores com contratos temporários, a termo, é elevada, representando cerca de 22% do total de empregados por conta (a média europeia é de cerca de 15%). Qual é a sua expectativa para a evolução deste número com o novo CT?
Eu acho que nós deveríamos ter essa meta. Esse valor que é fixado para Portugal — 21% ou 22%, que desceu um bocadinho nos últimos anos — é um valor para o conjunto da economia. Se olharmos só para o setor privado, a taxa é mais alta, porque o Estado, apesar de ter também precariedade, a grande maioria não tem a mesma taxa de contratos a termo. Do ponto de vista do setor privado estaremos mais próximos dos 25% a 30% e não nos 20% a 22%. Aí é que poderá comparar com os tais 15% [da Europa], se bem que há muitos países que têm 10%. Portanto, eu jugo que uma meta de 10% a 12% é uma meta razoável. Dos 22% para os 10% a 12%, julgo que é uma meta que, num prazo não muito longo, de uma legislatura por exemplo, é possível.
É possível?
Julgo que é possível porque muitos já entendem que não há muita diferença do ponto de vista da sua responsabilidade e dos custos na escolha entre contrato a termo fixo e contrato duradouro. O que é que faz muitas vezes desequilibrar? O que faz desequilibrar é precisamente a perspetivava que — está estudada e a própria OIT reconhece que acontece em muitos países, e em Portugal mais do que noutros, — é a utilização dos contratos a prazo como um verdadeiro período experimental. Ou seja, a partir do momento em que essa possibilidade é retirada, estou absolutamente convicto que muitos mais empresários vão olhar para as vantagens do contrato de trabalho duradouro.
Este CONVERTE+ não serve para converter os contratos ilegais em legais.
O Governo anunciou este mês o programa CONVERTE+, também na sequência da aprovação da nova taxa de rotatividade. Já disse que o apoio em causa não pretende “branquear ilegalidades”. Mas não é um apoio que basicamente paga às empresas para cumprirem a lei?
Não, a lei é muito clara. Há contratos de trabalho que são legais e justificados por fatores objetivos e também subjetivos na contratação por parte das empresas: um acréscimo súbito de atividade, um período sazonal. Nesse quadro, a lei prevê que seja legal a contratação a termo. Depois há outras formas que passaram a ser ilegais, algumas já eram e outras passaram a ser, como por exemplo, contratar uma pessoa sem esse tido de justificação só porque é um jovem ou um desempregado de longa duração. Este CONVERTE+ não serve para converter os contratos ilegais em legais. É para naquelas margens dos contratos de trabalho de curta duração ou curto termo, legais, ajudar os empresários a mudarem o quadro mental e dizer: “Bom, apesar de eu ter as justificações que a lei prevê para contratar a termo, eu tenho mais vantagens em contratar sem termo”. E isso é um estímulo, é transitório, devemos olhá-lo neste conjunto de fatores de mudança.
Portanto, não é uma forma de legalizar o que é ilegal?
Tenho ouvido dizer que é uma forma de legalizar. Não é, aquilo que é ilegal deve ser combatido pela lei, se é proibido é proibido. Há muitos casos em que a lei obriga à conversão de contratos a termo em contratos sem termo, em que há penalizações para os empresários que usam de forma abusiva. Agora estamos a falar de uma outra dimensão, que é: mesmo sem esses comportamentos ilegais, a nossa lei abre muito a possibilidade de contratação a termo certo e, portanto, nós criamos um incentivo, — que aliás no âmbito das políticas ativas de emprego já existiam alguns incentivos deste tipo, — para ajudar que essa mudança se faça; e eu estou convencido que os números nos vão surpreender e que vai haver muita adesão a essa forma de política ativa de emprego.
Repare, este é o momento para o fazer porque vivemos um momento de escassez no mercado de trabalho. Quando alguém pretende contratar um trabalhador por contra de outrem, o que é que tem a oferecer? Três coisas: 1) perspetiva de carreira, naturalmente, 2) salários e 3) segurança. É o que as pessoas procuram quando procuram emprego. Quando o mercado de trabalho está numa fase mais dinâmica, que é como está o nosso, com escassez de mão de obra, os fatores de segurança são mais valorizados e os empresários estão mais disponíveis a oferecer: “Olhe, tem aqui uma boa oportunidade de emprego e ainda por cima uma oportunidade segura”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Vieira da Silva diz que é possível baixar precariedade “para 10% numa legislatura”
{{ noCommentsLabel }}