O representante dos mediadores imobiliários acredita na "boa intenção" do Governo em ajudar a controlar os preços da habitação, mas diz que, até agora, "as coisas têm sido adiadas".
Há pouca oferta no mercado imobiliário, que não consegue dar resposta a tanta procura. Mas, para o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), é o Estado quem tem de resolver esse problema. Como? Reabilitando imóveis públicos devolutos e colocando-os no mercado com rendas mais acessíveis. Embora o Governo já tenha anunciado medidas nesse sentido, a verdade é que “o caminho está a ser falado, mas não está a ser feito”.
Em entrevista ao ECO, o representante dos mediadores imobiliários falou ainda na Lei de Bases da Habitação, no investimento estrangeiro e na forma como a apropriação dos imóveis de heranças indivisas poderia ajudar o mercado.
Qual é o grande problema do setor imobiliário e o que pode ser feito para melhorar o momento que se vive?
Quero é que haja cada vez mais negócio, mas tento sempre manter o bom senso. Somos um bocado gananciosos e, normalmente, a ganância leva-nos a um precipício. É uma crítica, mas acima de tudo quero estar do lado da solução e não do problema.
Há três anos, quando fui eleito, pedia construção nova. E hoje o tempo está a dar-me razão. Claro que sou e sempre fui um grande defensor da reabilitação urbana, o problema é que isso não chega. E, principalmente, onde se faz uma grande reabilitação urbana são em zonas centrais que valorizam muito. E precisamos de construção onde há procura, nomeadamente para a classe média e para os jovens. Isto é trágico e não é só neste tipo de pessoas, também se converte no arrendamento, por exemplo.
E depois existem as habitações para estudantes. Hoje em dia, quem é que pode pagar um quarto a 500 euros? É absurdo. E é aqui que lanço a minha crítica, principalmente pelos preços. Tomara que os preços em Portugal pudessem subir até ao céu, mas não é possível, e não conheço nenhum país no mundo onde isso possa acontecer. Portanto, penso que isto vai correr mal.
Então qual é a solução?
Primeiro, agir do lado da procura é um erro crasso. Qualquer Governo que tenha essa tendência de agir do lado da procura vai fazer-nos pagar isso bem pago. E isso é criar dificuldade à compra de ativos pelos estrangeiros ou fixar as rendas durante cinco anos como fez Berlim. É dizer que, a partir de agora, isto tem de ser para portugueses. Ou dizer que agora as rendas vão ser fixadas e obrigar alguém a colocar o valor de renda que queremos, isso é impossível.
Não conheço nenhum país do mundo onde possam obrigar alguém a aplicar as suas poupanças e a investir num negócio que tem de ser vendido ou arrendado a determinado preço. Não vamos pensar em criar uma lei para obrigar alguém a praticar determinados preços, porque isso é tudo uma parvoíce. Se fixarmos as rendas durante cinco anos, vamos afastar praticamente toda a gente, só se vai manter mesmo quem precisa, mas não vai haver renovação. Portanto, agir do lado da procura é um erro. Mas também não temos oferta suficiente, esse é o grande problema. E, por isso, é que se deve agir do lado da oferta e não do lado da procura.
É isso que ando a dizer há três anos e, por isso, é que me tenho posto do lado do Governo, seja ele qual for, para aumentar a disponibilidade de ativos. Só o Estado e as autarquias de Lisboa e Porto têm uma capacidade enorme para colocar ativos rapidamente no mercado. Não quero um negócio. Aceito que esses ativos sejam dirigidos aos jovens e à classe média, e controlados. O que quero é que as pessoas estejam felizes e me deixem continuar a trazer estrangeiros.
E como é que se evita um aumento expressivo dos preços?
Se for para agir do lado da oferta, sou completamente a favor e quero fazer parte da solução. Se for do lado da procura, isso é um crime que vamos cometer porque vamos matar a galinha dos ovos de ouro, que fez com que Portugal ficasse na rota do investimento estrangeiro.
Nunca fomos um país tradicionalmente recetor de investimento estrangeiro, e todo esse investimento concentrava-se, praticamente, no Algarve. Vinha do Reino Unido. E isso mudou. Foi extraordinário. O mercado algarvio, hoje em dia, é tão importante como o do Porto, o de Lisboa ou o do Centro. Houve uma descentralização do investimento que fez com que aparecessem outras nacionalidades para além dos britânicos.
Se for para agir do lado da procura, é um crime que vamos cometer porque vamos matar a galinha dos ovos de ouro, que fez com que Portugal ficasse na rota do investimento estrangeiro.
No ano passado, os primeiros compradores foram os franceses, seguidos dos brasileiros e dos britânicos. Mas, no primeiro semestre deste ano, notámos uma diferença: os franceses continuaram a liderar, mas os britânicos foram os segundos que mais investiram, à frente dos brasileiros. Isto pode ter alguma coisa a ver com o Brexit. O Brexit pode ser terrível para as nossas empresas exportadoras, mas antecipei, na altura do referendo, que os britânicos quereriam fixar residência em Portugal e ter uma porta de entrada na Europa, usando o próprio programa dos vistos gold. Os britânicos estão a colocar os ovos noutro cesto e isso acaba por ser bom para Portugal.
Mas o preço não pode ser demasiado elevado, porque não somos assim tão bons como as pessoas imaginam. Agora pensamos que somos os melhores do mundo, porque os estrangeiros adoram-nos, mas isso é um exagero. Quando entramos num patamar e estamos numa superliga, temos de ver se temos capacidade de aguentar. Porque aí a concorrência é feroz e muito boa, e extremamente profissional. E se começarmos a querer ir para esse patamar, Lisboa não pode custar o mesmo que Paris ou Londres. Lisboa tem de custar, pelo menos, um quarto de Paris e um oitavo de Londres. O nosso preço tem de ser médio, médio-alto, e esse é o fator determinante para nos mantermos aqui durante uma série de anos.
E qual será a tendência? O preço vai parar de aumentar?
Neste momento só há praticamente mercado alto, e aí já está a haver uma desaceleração. Mas não chega, tem de vir para baixo. Enquanto não estiver no preço certo, o tempo de escoamento vai aumentar e isto vai criar uma pressão muito grande. Agora toda a gente pensa que este [imobiliário] é o negócio do século e daqui a dois anos teremos excesso de players no mercado.
Aí as pessoas vão reagir emocionalmente, porque não conseguem vender e vão baixar os preços. Só que em vez de baixarem para um patamar, baixam para um patamar ainda mais abaixo. Se as pessoas inicialmente souberem colocar o preço que é correto, vão vender mais caro do que o que vão vender passados nove meses. E em 90% dos ativos acontece isto. A pressão de não vendermos faz-nos aceitar uma proposta abaixo daquilo qupenso que seria o valor correto.
Mas podemos, ou não, esperar uma queda acentuada dos preços?
Podemos esperar uma queda daqui a dois ou três anos num determinado tipo de mercado. No mercado alto. Temos um problema generalizado, mas que é do Estado, acima de tudo. O Estado já assume que há um problema na habitação, mas não sei como vai ser. Não há tema mais importante do que a habitação, isto é uma tragédia mesmo. Durante as campanhas, falou-se na habitação, mas não tanto como se deveria ter falado. E temo porque nas fases finais dos mandatos eles assumem mais responsabilidades, mas esquecem-se que daqui a um ano e meio vamos ter eleições autárquicas.
Tem de se agir muito rapidamente para provocar a oferta, e não estou a ver nos próximos 12 a 15 meses aparecer um grande volume de oferta. O mercado não o consegue fazer, espero que não haja essa ilusão.
E as autarquias vão ter uma pressão enorme sobre elas. Até é injusto, mas só vão apanhar a revolta dos portugueses daqui a dois anos e meio porque, de dia para dia, isto está pior. Tem de ser agir muito rapidamente para provocar a oferta, e não estou a ver nos próximos 12 a 15 meses aparecer um grande volume de oferta. O mercado não o consegue fazer, espero que não haja essa ilusão. Não temos capacidade e, sinceramente, não vejo os players do mercado, nomeadamente da construção, a agirem para provocarem oferta dentro daquilo que estou a falar.
A solução é, então, o Estado?
Só pode ser o Estado. O Estado tem de fazer alguma coisa que influencie o mercado com mais oferta e que faça os preços baixarem.
O Estado está, ou não, a fazer um bom trabalho para combater a especulação imobiliária?
Para já, ainda não. Está com boa intenção, mas vamos ver agora, porque agora acabou a legislatura. Há boa intenção, de enfrentar o problema, mas ainda não vejo no mercado essa reação. As coisas têm sido adiadas. É necessário agir o quanto antes. O caminho está a ser falado, mas não está a ser feito. Onde é que estão os ativos?
E do lado da Câmara de Lisboa?
A autarquia de Lisboa não é uma autarquia qualquer, para mim é um Estado dentro dum Estado. O que a Câmara de Lisboa fizer vai influenciar o resto do país. Felizmente, temos um presidente de câmara [Fernando Medina] que tem plena noção da importância que o imobiliário teve na alteração de Lisboa. Sei que temos problemas com o Alojamento Local (AL), que tirou muitos ativos do arrendamento, mas também 40% dos ativos que foram para AL estavam devolutos. Claro que tirou alguns, mas também não foi o grande culpado.
Também não estou a dizer confiscar os bens [dos herdeiros], mas sim pagar um valor justo. Se os proprietários quiserem colocar no mercado a um valor justo, tudo bem, mas se não quiserem, aí é que tem de se agir.
Ainda continuámos a ter milhares de ativos devolutos em Lisboa, e dezenas no país. A cidade de Lisboa está reabilitada, mas há muitos prédios parados, cujos proprietários são famílias que há muitos anos não se entendem. Passaram de geração para geração. Por exemplo, com a Lei de Bases da Habitação (LBH), a primeira proposta dizia que o Estado podia tomar posse desses ativos e eu pus-me do lado do Estado. Não posso estar ao lado de quem faz a especulação. Se essas famílias não conseguiram resolver o problema quando o mercado está tão aquecido, então quando é que o vão resolver? Nunca mais na vida. As heranças são muito complicadas. Neste momento o país está com um problema grave habitacional. Só em Lisboa, eram cerca de 2.000 e 3.000 ativos que vinham para o mercado. Também não estou a dizer confiscar os bens, mas sim pagar um valor justo. Se os proprietários quiserem colocar no mercado a um valor justo, tudo bem, mas se não quiserem, aí é que tem de se agir.
A Lei de Bases da Habitação diz que o Estado deve acelerar estes processos de heranças. E a maneira de os acelerar é dessa forma?
Penalizar em sede de IMI não é o caminho que me agrada, preferia que fosse uma intervenção mais transparente. Dar ao proprietário determinado tempo para colocar o imóvel no mercado, e se não cumprir, o Estado deve tomar posse. Mas devia ter havido coragem política. Não posso ficar do lado de quem, direta ou indiretamente, está a compactuar com a questão da especulação. A especulação vai fazer-nos sofrer a todos. Portanto, as pessoas que se entendam, se não têm capacidade para se entenderem, tem de haver alguém que os obrigue a entenderem-se.
Que medidas poderiam ser implementadas para prevenir a sobrevalorização das habitações, especialmente do arrendamento?
Temos de aumentar a oferta… e temos muitos terrenos. O Estado podia oferecer a um promotor um determinado terreno e apenas exigir que uma parte do ativo fosse destinada a rendas acessíveis e outra para o mercado “normal”, durante um determinado período de tempo. Ou então o Estado pega nesse terreno e coloca-o no mercado com rendas acessíveis. Não lhe [Estado] custa nada e as pessoas estão a ficar muito zangadas com a situação. De dia para dia a situação está pior. Da habitação que vai nascer nos próximos dois anos, 70% não é para aquilo que considero necessário.
Medidas como o Programa de Arrendamento Acessível e a reabilitação dos edifícios públicos para arrendamento acessível foram bem pensadas?
Quero ver isso no mercado. Se aparecerem T1 a 350 ou 400 euros, eu quero isso. Neste momento, precisamos de realidade, não apenas de mensagens. Precisamos de ver no mercado esses ativos. Agora vamos ter de esperar, ver qual o programa do Governo, se se mantém como estava.
E quanto aos contratos vitalícios de habitação? Continua a afirmar que, embora sejam uma solução positiva, serão “aliciantes para grupos específicos como os fundos” de investimento?
Estive dentro desse assunto desde o primeiro dia e, na minha ótica, não é solução para o arrendamento, mas também não faz mal em existir.
Como é que olha para as SIGI? Poderão vir a facilitar o acesso ao mercado do arrendamento? Vão realmente baixar os preços?
Podem ajudar, mas penso que não têm capacidade para controlar os preços. Contudo, preciso de referir que eu sou sempre a favor de uma entidade que traga para o mercado nem que seja só mais um imóvel.
O que é que podemos esperar para o futuro do imobiliário? Os preços vão voltar ao que eram?
O Estado vai ter de fazer qualquer coisa, porque a situação não pode continuar nestes termos.
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Solução para controlar os preços da habitação? “Só pode ser o Estado”, diz Luís Lima, da APEMIP
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