Edward Snowden no Web Summit: “Somos a única coisa que pode proteger-nos”
Perante um Altice Arena completamente esgotado, Edward Snowden, um dos homens mais procurados pela Justiça dos EUA, disse a partir de Moscovo: "Continuem a ser livres."
Nunca fumou, “nem sequer uma ganza.” Mas é hoje um dos homens mais procurados pelas autoridades norte-americanas, depois de ter protagonizado uma das maiores fugas de informação da história do país. Estamos a falar, claro, de Edward Snowden, o famoso wistleblower que foi o “cabeça de cartaz” deste primeiro dia do Web Summit.
Se é um dos homens mais procurados, como foi ele ao Web Summit? A resposta é… não foi. Participou por videochamada a partir de Moscovo (Rússia) e respondeu em direto às perguntas de um apresentador, esse sim, no palco do Altice Arena. A qualidade da chamada, sem cortes, impressionou. Mas não tanto como a mensagem que Snowden deixou aos milhares de participantes do dia de inauguração do evento: só nós podemos proteger-nos.
Recentemente, publicou a sua autobiografia — Permanent Record — e foi imediatamente processado pelas autoridades norte-americanas. “A NSA [National Security Agency] processou-me para tentar evitar que as pessoas o lessem. Eles não gostam que estes livros sejam publicados”, disse à audiência do Web Summit. O livro aborda a infância de Snowden, o 11 de setembro e o processo de decisão que o levou a expôr as práticas ilegais de vigilância em massa dos EUA, que não eram do conhecimento do público e foram, depois, declaradas inconstitucionais.
Mas a conversa foi, sobretudo, acerca da tecnologia. Da evolução da tecnologia. “Não se estão a aproveitar dos dados, estão a aproveitar-se das pessoas”, disse o ex-trabalhador da NSA, referindo-se às plataformas como o Facebook, que recolhem e exploram enormes quantidades de dados pessoais dos utilizadores (em alguns casos, cedendo-os à polícia). No Web Summit, lançou uma pergunta retórica: “Se criarmos um poder irresistível, seja criado pelo Facebook ou por um Governo qualquer, como é que se policia o uso desse poder quando é usado contra as pessoas e não a favor delas?”
Questionado sobre se a evolução em direção à recolha massiva de dados foi uma decisão coordenada do setor, o norte-americano disse que não. “Não creio ter sido uma decisão colaborativa da indústria”. Mas lembrou que as autoridades podem pedir às grandes plataformas informação sobre um utilizador sem terem de dizer porquê. Sem terem de o justificar.
Em vez de pedirem às pessoas para confiarem em vocês e nos vossos serviços, façam com que as pessoas nem tenham de confiar em vocês.
Numa sessão que durou cerca de 20 minutos, houve ainda tempo para falar do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), a nova lei europeia que visa proteger os dados dos utilizadores, prevendo pesadas multas para as empresas incumpridoras. Mas Edward Snowden disse ver algumas falhas nesta legislação: “O problema não é a proteção de dados. É a recolha dos dados”, disse.
E exemplificou: “A minha geração não possui nada. Não está autorizada a ter nada. Mesmo que não queiram que se saiba, há forma de saber que vocês estão aqui. Seja porque se ligaram ao Wi-Fi, seja porque os vossos telemóveis estão ligados à torre de telecomunicações”, afirmou.
Instado a deixar conselhos à comunidade de empreendedores e developers presente no Web Summit, e perante um Altice Arena completamente esgotado, com mais 10.000 pessoas à porta na ânsia de entrarem, Edward Snowden recomendou: “Em vez de pedirem às pessoas para confiarem em vocês e nos vossos serviços, façam com que as pessoas nem tenham de confiar em vocês”, atirou. E concluiu: “Obrigado e stay free“ — ou seja, “continuem a ser livres”.
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