Está a formar-se uma bolha entre os unicórnios. Todos a veem, mas ninguém lhe toca

Uber, Lyft e Farfetch estão entre as tecnológicas que afundam em bolsa. A WeWork nem lá chegou. O tema foi incontornável na Web Summit, onde vários investidores falaram da possibilidade de bolha.

É inegável vai haver uma correção de mercado bastante significativa. Penso que muitos unicórnios vão estourar nos próximos 12 meses“. A projeção é feita por Paddy Cosgrave, fundador e CEO do Web Summit, mas na cimeira de tecnologia pareceu praticamente consensual. A WeWork é o caso mais expressivo, mas não está isolado. Apesar de todos verem uma bolha a formar-se, ninguém admite que o investimento pode já estar a arrefecer.

A startup tecnológica de aluguer de espaços de coworking, há poucos meses avaliada em 47 mil milhões de dólares e a preparar uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês), falhou os planos de abrir o capital em bolsa devido a sérias dificuldades financeiras. Acabou por ter de ser resgatada pelo acionista Softbank, tendo a avaliação afundado até aos oito mil milhões.

Durante o Web Summit, o Softbank apresentou resultados. Teve prejuízos pela primeira vez em 14 anos, de 6,5 mil milhões de dólares, à custa do fundo de investimento em tecnologia Vision Fund (com 100 mil milhões de dólares, em parte vindos do reino saudita). A queda da WeWork deu um buraco de 10 mil milhões de dólares ao banco.

Déjà vu das dotcom?

Na mesma manhã em que foram conhecidos os números, Munish Varma, um dos gestores do Vision Fund, foi questionado num dos painéis da cimeira sobre o caso. A resposta cingiu-se a começar a falar de outros investimentos que estão a correr melhor. Outros investidores foram menos tímidos em falar do assunto.

“Somos o maior investimento do mundo em imobiliário. Portanto, claro que temos uma opinião”, começou por dizer Stephen Schwarzman, CEO da Blackstone que gere 500 mil milhões de dólares, quando lhe perguntaram sobre a startup.

Qualquer pessoa olha para aquele tipo de avaliações e percebe que não faz qualquer sentido. A boa notícia — não necessariamente para a WeWork, mas para o sistema — é que houve uma auto-correção. Quando tentou abrir o capital ao público, o público não quis ter nada a ver com isso.

Stephen Schwarzman

CEO da Blackstone

Não sou um especialista na WeWork, mas qualquer pessoa olha para aquele tipo de avaliações e percebe que não faz qualquer sentido. A boa notícia — não necessariamente para a WeWork mas para o sistema — é que houve uma auto-correção. Quando tentou abrir o capital ao público, o público não quis ter nada a ver com isso”.

O guru do investimento foi mais longe e comparou a situação à bolha das dotcom. “Este tipo de ciclo na tecnologia acontece e todos os que estão no mercado reconhecem o que aconteceu nos final dos anos 1990 e início de 2000. Cerca de 99% das tecnológicas rebentou. A tecnologia literalmente colapsou e as pessoas esquecem-se disso no ambiente atual“.

Dinheiro barato insufla avaliações

A WeWork não é caso único e, para quem entrou em bolsa, a vida também não está fácil. Desde março, a Lyft já desvalorizou 40% face ao preço do IPO. A mesma queda é acumulada pela Uber — outro investimento do SoftBank — em relação ao valor com que entrou em bolsa em maio. A Farfetch perdeu quase metade do valor em pouco mais de um ano em Wall Street.

Christina Bechhold Russ, diretora do fundo de investimento em startups Samsung Next, é mais conservadora na visão que tem do mercado, mas concorda que há um problema. “Penso que bolha é uma palavra usada em demasia”, diz. “As avaliações estão mais elevadas do que deveriam estar? Sim, em certos sítios e em certas empresas. Mas não necessariamente por todo o mercado“.

As avaliações estão mais elevadas do que deveriam estar? Sim, em certos sítios e em certas empresas. Mas não necessariamente por todo o mercado. Provavelmente o que há é uma superabundância de capital neste momento no mercado.

Christina Bechhold Russ

Diretora do Samsung Next

Além do entusiasmo com os projetos e inovações, a situação deve-se, em parte, ao dinheiro barato. Com taxas de juro historicamente baixas há mais de uma década e um ciclo económico invulgarmente longo, os investidores procuram alternativas para encontrarem retornos. Por um lado, aumenta a procura por risco. Por outro, leva-os a setores em que tradicionalmente não investiam.

“Penso que há muito dinheiro à procura de um certo tipo de empresas, que são as que têm capacidade para abarcar com esse nível de capital”, afirma Christina Bechhold Russ, que acredita que as avaliações elevadas são limitadas às gigantes tecnológicas. “Provavelmente o que há é uma superabundância de capital neste momento no mercado“.

Bolha rebenta ou perde ar

Há agora duas opções. Com os bancos centrais a sinalizarem que vão manter a torneira aberta e a liquidez no mercado a circular, o dinheiro barato poderá continuar a atirar capital para as tecnológicas e a insuflar o setor até um possível rebentar da bolha. No entanto, as já elevadas avaliações associadas à desaceleração económica que se perspetiva nos próximos anos, poderão levar o capital de risco a recuar.

“Para boas empresas, com boa gestão, que trabalham em grandes mercados, com fundamentos sólidos e com bons produtos, haverá sempre capital”, defenda Varma, do Softbank. “Qual é o preço e o custo desse capital pode flutuar, mas não vai decrescer. Num mundo de taxas de juro baixas, não acredito que vá haver restrições de capital para boas empresas. Para empresas que não são boas, a história é diferente“, acrescenta.

“Penso que uma coisa que aprendemos é que a tecnologia é central para tudo. Ou se é dirusptivo ou o seu modelo negócio vai ser alvo dessa disrupção. Há tanto dinheiro a ir para tecnológicas”, sublinha ainda Schwarzman, da Blackstone. “A tecnologia é tão transformativa, tem tanto impacto global que penso que, em muitos casos, irá levar a quedas. Mas a minha resposta para isso é: e então?

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