Rompendo ideias preconcebidas e incentivando pontos de vista diferentes, a diversidade cognitiva está a tomar conta das organizações. Como se recruta a pensar na diversidade? Como liderar na inclusão?
Uma bióloga molecular a programar. Uma psicóloga a desenvolver modelos matemáticos. Um ex-bagageiro a ensinar tango argentino. Uma economista a produzir peças de teatro. Uma gestora a dar consultas de homeopatia. A isto chamamos diversidade cognitiva, um conceito que está a ganhar expressão dentro das organizações.
Depois da promoção da diversidade cultural, de género ou geracional, muitas empresas pensam, agora, nas vantagens que uma equipa com diversidade cognitiva pode trazer para o negócio. Inovar, resolver problemas e tomar decisões parece ser mais fácil e bem-sucedido quando é feito no seio de uma equipa composta por membros com diferentes conhecimentos, valores, pontos de vista e experiências.
“Uma organização que apresente diversidade cognitiva tem a vantagem de conseguir colecionar diversos ângulos sobre qualquer tema. Extrair todas as opiniões e partilhá-las com o grupo pode gerar um maior conhecimento de um tópico e, por sua vez, facilitar a tomada de decisão”, começa por explicar Patrícia Costa, consultora de IT & Digital na Robert Walters.
“Isto permite à organização ponderar sobre as melhores práticas a seguir e, talvez, conseguir as práticas mais disruptivas no mercado”, acrescenta, destacando a maior capacidade de inovação das equipas com diversidade cognitiva.
“Duas cabeças pensam melhor do que uma”, mas convém pensarem diferente
Susana Almeida Lopes, licenciada em psicologia, é consultora no laboratório da Vieira de Almeida (VdA). Da sua equipa de trabalho fazem parte alguns profissionais de recursos humanos e dois data scientists (um engenheiro químico e uma engenheira biomédica). “À partida, parece que não tem nada a ver, mas asseguro que tem”, salienta a consultora.
Neste laboratório estão a ser desenvolvidos e trazidos para a área da gestão de talento modelos que tradicionalmente são aplicados nas engenharias. “Quem melhor do que estas pessoas, que conhecem estes modelos muito bem…”, diz Susana Almeida Lopes. “É fundamental haver diversidade de conhecimento e de perspetivas para se avançar”, acrescenta.
Marta Silva, licenciada em biologia molecular e business intelligence developer na BI4ALL, sente, igualmente, que as várias sinergias numa equipa podem ser uma mais-valia, nomeadamente na resolução de problemas. Gestão, engenharia biológica e matemática são algumas das áreas de formação dos seus colegas mais próximos.
“A minha forma de fazer um breakdown [resolução] de um problema ou a minha abordagem são um bocadinho diferentes das de um colega mais técnico. Nós [vindos de outras áreas que não as tecnológicas] somos claramente um complemento à competência técnica que, obviamente, é muito importante”, diz a programadora, que é, também, mestre em biotecnologia e pós-graduada em marketing.
Ser genuíno e visionário, pensar fora da caixa e questionar o status quo é cada vez mais apetecível e abonatório.
É precisamente neste complemento de conhecimentos que se cria valor. “A pluralidade de pontos de vista, experiências, competências e backgrounds [contextos] é a alavanca para uma tomada de decisão mais colaborativa e completa, para processos mais criativos e para melhores desempenhos em situações complexas”, afirma Ana Rita Duarte, diretora de recursos humanos da Talenter.
“A divergência, desde que direcionada e corretamente percebida, é uma ferramenta útil num mundo cada vez mais instável e onde as fórmulas seguras e fechadas em si mesmas são menos abonatórias. Ser genuíno e visionário, pensar fora da caixa e questionar o status quo é cada vez mais apetecível e abonatório”, continua.
As experiências fazem o profissional
A par da área de formação, também as experiência pelas quais cada profissional já passou aportam novos pontos de vista, ideias e habilidades à equipa. Susana Almeida Lopes entrou na Vieira de Almeida para montar o departamento de recursos humanos. Missão cumprida, aos 30 e poucos anos já participava na gestão da firma de advogados.
“Comecei a desenvolver uma gestão mais ligada aos objetivos do negócio, bastante mais lata do que a área das pessoas onde, muitas vezes, se perdem abordagens por haver um foco muito específico”, conta. “Ter trabalhado com pessoas de outras áreas e estar presente em reuniões do conselho de direção fez-me sair de uma abordagem mais unilateral para uma vertente mais ampla”, acrescenta a consultora no laboratório da VdA.
Ter trabalhado com pessoas de outras áreas e estar presente em reuniões do conselho de direção fez-me sair de uma abordagem mais unilateral para uma vertente mais ampla.
Um percurso bem diferente fez Violeta Mandillo, produtora de espetáculos. Escolheu o curso de economia porque acreditava que era esse o caminho que a levaria a trabalhar como diplomata na Organização das Nações Unidas (ONU). Mas o sonho acabou por não se realizar: embora não na diplomacia, Violeta Mandillo materializa o desejo antigo de mudar o mundo através do teatro infantil. “São espetáculos intimistas, para cerca de 100 pessoas, que procuram motivar nas crianças o pensamento e a reflexão”, refere.
“De certa forma, cumpro essa ambição de ajudar e de, a pouco e pouco, ir mudando as coisas. O trabalho com as artes também tem essa coisa de pessoa teimosa que acha que pode mudar o mundo”, continua a produtora.
Do curso de economia, Violeta Mandillo retira o estímulo matemático e pragmático, úteis para realizar a gestão financeira de projetos, algo que tem de fazer enquanto produtora de espetáculos.
Também no mundo das artes está Marc Hussner, que começou muito jovem no setor da hotelaria como bagageiro num hotel, quando decidiu abandonar a escola. Entre hotéis, bares e restaurantes, o ex-bagageiro descobriu o tango em Buenos Aires e percebeu que eram esses os passos que se seguiam na sua vida. Agora, já como professor de dança e de volta a Portugal, Marc Hussner recorda tudo o que aprendeu no setor da hotelaria e que consegue transpor para a área em que trabalha. “Toda a gente deveria passar pela experiência de trabalhar num bar ou num restaurante. Dá muitas competências ao nível da relação com as pessoas, organização de eventos e organização pessoal”, diz.
Criar um ambiente de segurança psicológica
Sejam eles quais forem, valores, experiências e pontos de vista só ganham voz se os colaboradores sentirem que podem ser eles próprios no seu local de trabalho, se tiverem essa liberdade. Para a consultora na Robert Walters, o caminho das empresas passa precisamente por aí. “As organizações procuram cada vez mais criar um ambiente de segurança psicológica e respeitar a diversidade entre colaboradores e equipas. Desta forma, caminham para o bem-estar individual e coletivo, bem como para a motivação”, refere Patrícia Costa.
Rita Sambado, licenciada em gestão, liderava a equipa de marketing da Fidelidade quando a homeopatia e a área do desenvolvimento pessoal surgiram na sua vida. Durante alguns anos, a então diretora de marketing dividiu a sua vida entre o trabalho, a família, o curso e as consultas de homeopatia, e as aulas de ioga. Tudo aquilo que a fazia feliz. Mas nem sempre foi assim.
“Aos 32 anos estava muito triste, só pensava que a vida não podia ser só aquilo. A primeira peça que encontrei foi o ioga. Depois, por uma série de problemas de saúde que me apareceram, surgiu a homeopatia”, primeiro como um tratamento e, passado um curso na Universidade de Inglaterra e uma pós-graduação na Índia, como uma ocupação, diz Rita Sambado.
Quando olhei para a minha vida tinha quatro filhos, 60 pessoas a meu cargo na Fidelidade e o curso de homeopatia por terminar, que se revelou altamente complexo.
“Quando olhei para a minha vida tinha quatro filhos, 60 pessoas a meu cargo na Fidelidade e o curso de homeopatia por terminar, que se revelou altamente complexo”, recorda. “Esta pequena loucura durou dois anos. Até que percebi que não era sustentável por muito mais tempo”, acrescenta.
O papel da Fidelidade — entendendo que, além de diretora de marketing, Rita Sambado era estudante de homeopatia, praticante de ioga, vegetariana e mãe — foi muito importante. “Tive a benção de a companhia entender que, às vezes, eu precisava de algum tempo para estudar”, recorda.
A partir daí, mais motivada no trabalho e cada vez mais apaixonada pela área do desenvolvimento pessoal, Rita Sambado conta que a sua gestão na companhia de seguros durante os três anos que se seguiram (antes de se despedir para fundar a EUS School of Being) foi “totalmente diferente”. “Sempre gostei imenso de puxar pelas pessoas e de mostrar que dentro delas há algo incrível. A componente da homeopatia, que à partida não tem nada a ver com o marketing, ajudou-me a compreender também a essência da própria Fidelidade”, diz.
“Para trabalhar numa empresa não devemos ter só gestores a trabalhar connosco. A verdade é que as várias competências que as pessoas vão acrescentando trazem imenso valor”, continua a cofundadora e CEO da EUS School of Being, escola onde “se inspiram pessoas e empresas a alcançarem um propósito maior”.
Já na BI4ALL, também a developer Marta Silva consegue tirar partido de outras áreas que são do seu interesse. “Ainda há pouco tempo surgiu a necessidade de a minha equipa organizar um jantar. Sou eu que estou a tratar disso e, assim, posso entrar um pouco na organização de eventos, o que me dá imenso prazer”, afirma a programadora.
Flexibilidade cognitiva nunca fez tanto sentido
Se os colaboradores têm um grau de liberdade que lhes permite ser mais do que a função que consta do seu contrato de trabalho e em que a diversidade é, não só respeitada como bem-vinda, é impossível não falar em flexibilidade cognitiva.
Considerada pelo World Economic Forum uma das skills mais importantes a emergir no mercado de trabalho, trata-se da capacidade de adaptação a vários contextos e de consideração de vários pontos de vista. E é válida tanto para líderes como para colaboradores.
Para Marc Hussner, é fácil entender que todos somos diferentes. A simplicidade com que encara a diversidade é, em grande parte, fruto da sua experiência no estrangeiro. “Sou meio sueco meio português, cresci num ambiente muito internacional e vivi mais de metade da minha vida adulta noutro continente. Tudo isso me trouxe outra tolerância e uma maior perceção das diferentes maneiras de pensar e de ser”, diz.
Contudo, Paula Carneiro, head of global people experience unit da EDP não nega que a diversidade aumenta quase sempre a complexidade. “Podemos potenciar a diversidade cognitiva, mas precisamos de garantir igualmente que as estruturas são suficientemente inclusivas, permitindo que cada pessoa tenha um forte sentimento de pertença”, refere, acrescentando que um dos principais desafios da diversidade é dar a devida importância à inclusão, fomentando uma cultura de colaboração.
Para isso, é preciso adaptar a liderança ao talento mais heterogéneo e usufruir dele. “Acredito que os líderes de hoje percebem que não conseguem encerrar em si todas as competências, conhecimentos e skills que precisam para agir e não reagir no mercado atual e compreendem que, se a sua equipa for feita à sua imagem e semelhança, não são competitivos no seio da sua organização”, diz a diretora de recursos humanos da Talenter.
“Temos de recrutar quem é diferente de nós”
“Todos temos uma tendência natural para gostarmos ou para nos relacionarmos com as pessoas que são como nós ou parecidas connosco”, começa por dizer a head of global people experience unit da EDP. Consciente disso, Paula Carneiro considera que, se uma empresa quer promover a diversidade cognitiva deve começar, desde logo, no recrutamento.
“Temos de recrutar quem é diferente de nós, com experiências, áreas de estudo e conhecimentos diferentes”, refere, sugerindo, também, que se diversifiquem as fontes de recrutamento, quer canais digitais, universidades ou geografias.
Precisamos de assegurar que não vamos continuar a fazer as coisas da mesma forma que fazíamos antes, não porque não estivessem certas, mas porque o contexto mudou e está cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo.
O grupo EDP está empenhado em recrutar pessoas com experiências de vida diferentes, conhecimentos e competências diversidades e várias realidades culturais. “Precisamos de assegurar que não vamos continuar a fazer as coisas da mesma forma que fazíamos antes, não porque não estivessem certas mas porque o contexto mudou e está cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo”, explica.
Inteligência emocional, flexibilidade e agilidade são algumas das skills que, para a consultora de recrutamento Robert Walters, o candidato deve demonstrar. “O primeiro ponto é essencial, uma vez que reconhecer, avaliar e lidar com os seus sentimentos e de terceiros é fundamental para manter a harmonia numa organização, principalmente numa em que haja tanta diversidade de pensamento”, sustenta Patrícia Costa.
“Flexibilidade e agilidade são também elementos fundamentais pois estes profissionais têm de conseguir adaptar-se sem se tornarem conflituosos ou negativos perante situações inesperadas ou alternativas que nunca lhes ocorreriam”, continua.
Na Talenter, Ana Rita Duarte diz que se procuram “candidatos que tenham algo diferente, irreverentes, curiosos e com diferentes backgrounds”. “Cumprindo este objetivo, o resultado é necessariamente uma equipa multidisciplinar, com diferentes perspetivas sobre o trabalho e que aborda os desafios de formas distintas”, afirma.
Mas, tudo isto só faz sentido se a diversidade tiver representatividade. “Uma única pessoa não faz a diferença. Para que perspetivas diferentes sejam ouvidas, a representação desse grupo que podemos chamar minoritário deve ser, pelo menos, de 25%”, salienta Susana Almeida Lopes.
Diversidade olhada para o bem
A Prio, que recebeu recentemente a Marca Entidade Empregadora Inclusiva, atribuída pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), aplica o conceito de diversidade numa ótica mais social.
“Recrutamos pessoas que têm incapacidades, bem como participamos na reintegração de colaboradores que já eram nossos colaboradores mas que, por algum motivo, passaram a ter uma situação de incapacidade”, diz Gilda Caeiro, diretora de recursos humanos da Prio.
No caso de reintegração de trabalhadores, a empresa cria as condições necessárias para manter determinado posto de trabalho, podendo ser necessário reorganizar tarefas ou mudar equipamentos, por exemplo. Para que tudo isto funcione, a líder de recursos humanos considera que a vertente humana das equipas é fundamental.
“A Prio conta com equipas muito unidas e que, quando estas situações acontecem, demonstram uma grande disponibilidade em receber o colega com essa incapacidade. Há aqui uma conjugação de esforços”, diz.
Ganha o colaborador integrado, novamente, no mercado de trabalho, mas também os colegas que ajudam na sua integração. Para a diretora de recursos humanos da Prio, este modelo tem, também, impacto direto em toda a equipa, que se torna mais tolerante e flexível.
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