Discurso de Greta Thunberg “tem de ser ouvido. Agora, o importante é fazer”

CEO da EDP diz que "é bom ver que a agenda da sustentabilidade pegou". Lembra que é nos momentos de crescimento que tem de se investir "para nos tornarmos mais saudáveis".

O Green Deal vem aí. A Europa está focada na necessidade de acelerar o processo de transição energética, mas isso vai obrigar a grandes investimentos. Subsidiação? António Mexia diz que é, na realidade, investimento que tem de ser feito para proteção do planeta, mas alerta para a necessidade de isso ser bem explicado às pessoas.

Em entrevista ao ECO, o presidente executivo da EDP vê uma crescente preocupação com as questões ambientais na sociedade. Vozes como a de Greta Thunberg ajudam? São “complementares ao que tem de ser feito”, diz.

“Falar mais alto, falar mais baixo, se alguém ajuda ao falar, alguém ajuda a fazer… A meu ver, tem de haver muita accountability daquilo que são as ações das pessoas — não a dela, obviamente. Dos compromissos” assumidos entre os países.

EDP tem vários processos contra o Estado. Em que fase estão?

Na maior parte dos processos, tem de decorrer o seu tempo natural, são longos, e têm de ser discutidos no sítio certo. Os processos são o que são. A única coisa é que isso não tem afetado nem a nossa capacidade de diálogo, nem o nosso compromisso com o desenvolvimento energético do país, nem o objetivo de reduzir aquilo que são os custos da energia, mas pelo lado bom… [risos]. Ou seja, aumentando a eficiência energética, tomando decisões que fazem sentido. Do sistema, essa é que é a questão essencial. Porque para isso é bom não esquecer uma coisa: nós precisamos de investimento. As pessoas falam do Green Deal. O Green Deal, seja global, europeu, nacional ou regional precisa de investimento. Para o investimento, o que é que eu preciso? Que as pessoas tenham vontade de investir. E estabilidade regulatória.

Está a falar de fundos públicos ou privados?

Isto vai envolver tanto fundos públicos como privados. Vai ter de ter, obviamente, em muitos casos – como já vimos em todas estas áreas mais inovadoras — aquilo que as anteriores inovações tiveram: períodos de apoio.

Subsidiação…

Subsidiação no sentido lato. A questão de subsidiar o renovável tem de ser vista como um investimento. Porque nós já vimos uma coisa: as renováveis contribuem decisivamente para a redução dos preços da energia. Se eu não tivesse apostado nelas, não estaria na curva de aprendizagem que estou hoje.

Fala-se no Green Deal, mas não se está a dizer aos contribuintes que é preciso investir?

É exatamente o contrário. O que é preciso subsidiar hoje, o que tem sido subsidiado hoje, é a não descarbonização. Essa é que é a questão.

É deixar de subsidiar o carvão?

Quando o preço de CO2 estava a três euros, quando devia estar aos níveis que está hoje, eu estava a subsidiar o quê? Os poluentes. Aliás, no mundo, os subsídios ao petróleo e ao gás são muito maiores do que os subsídios às renováveis. Sob qualquer forma. Para a Europa, não é só importante isto, mas também são importantes outras coisas neste Green Deal.

O quê?

O financiamento. O green financingDiria que em 2019, se tivesse de escolher uma palavra era que foi o primeiro ano em que as pessoas perceberam que o dinheiro tem de ser orientado para coisas que tem menos risco. E quem souber incorporar as alterações climáticas e a transição energética nas suas contas está a fazer o derisking do seu balanço. Finalmente, o sistema financeiro começa a perceber: “Hum, ele sabe tratar deste assunto, vou cobrar-lhe menos” [pelo financiamento]. Porque até 2018, cobrava tipicamente mais. Nos últimos dois anos emitimos três mil milhões de euros em green bonds. Entre essas, duas foram emissões híbridas, o último com uma taxa de 1,75%, que substituiu uma emissão com um juro de 5,35%. Isto é possível porque as pessoas reconhecem que uma empresa tem menos risco porque está a perceber como é crescer num mundo sustentável. Os fundos perceberam isso primeiro do que o sistema bancário puro.

A carta de Larry Fink, da BlackRock, é isso mesmo, não é?!

Claro! Mas antes da BlackRock houve várias [gestoras] bastante mais pequenas que perceberam antes. Mas é sempre bom ver chegar os grandes. É com prazer que vemos chegar os grandes. É fundamental. Isto faz o derisking. Eu diria que 2019 foi um tipping point. De um momento em que as pessoas perceberam e verdadeiramente incorporaram na análise de risco esta questão das alterações climáticas e que isso tem de estar nos custos.

Como que vê o discurso da Greta Thunberg? É importante ou é ideológico?

É complementar ao que tem de ser feito. Aliás discute-se muito aquilo que são as views dela comparadas com as de outro miúdo que tem a idade dela e que fez uma revolução tecnológica na limpeza dos oceanos. Preferia que, mais uma vez, não fosse um discurso nem pró nem contra. O que nós precisamos mesmo é de junção de visões em que as pessoas pretendem caminhar na mesma direção.

Mas ela não está a olhar para o sítio certo? Está.

Sim. Falar mais alto, falar mais baixo, se alguém ajuda ao falar, alguém ajuda a fazer… A meu ver, tem de haver muita accountability daquilo que são as ações das pessoas — não a dela, obviamente. Dos compromissos… Em Paris assinaram-se compromissos. Não garantem que estejamos abaixo dos 3 graus [de aumento da temperatura global]. Em Madrid houve algumas coisas adiadas, nomeadamente a questão de como é que tratamos 57 mercados de CO2, sendo o europeu mais importante. Era importante que este mercado fosse mais líquido, que eles coordenassem. Esperamos que seja para o ano em Glasgow, que estes passos são todos dados. É bom que haja tudo. Não pode haver só fala.

Já disse que 2019 é um ano de inversão em que os fundos, os bancos… Podemos dizer que é responsabilidade dela, ou é uma injustiça para empresas como a EDP que andam há tantos anos a vender renováveis, a vender esta narrativa?

É bom ver que a agenda da sustentabilidade pegou, que a questão das alterações climáticas é inescapável, que já temos gente só a discutir se a ciência está certa ou não sobre a diferença entre 1,5 graus e os 3 graus. Nós fomos somos uma das 87 companhias do mundo — só 87! — que em setembro assinaram o compromisso de 1,5 graus. Portanto, aqui está: nós falamos e fazemos. Eu gosto desta mistura: walk the talk.

O que diria a Greta Thunberg se estivesse com ela?

Antagonizar, não me parece… O discurso vai no sentido certo. Não me preocupa nem dar-lhe importância excessiva, mas sobretudo também não minimizar a importância. Aquilo [o discurso da jovem ativista] é efetivamente uma coisa que tem de ser ouvida. Há pessoas que ajudam a ouvir: melhor! Agora, o importante é fazer. A tecnologia vai à frente. A opinião pública também já lá vai. E a grande revolução do último ano foi, se calhar, esta do reconhecimento do dinheiro [relativamente às questões climáticas]. A grande revolução da última década foi, se calhar, que as renováveis se tornaram surpreendentemente, a forma mais barata de produzir energia elétrica. Esta é que é a grande questão.

As pessoas não se podem esquecer: a aposta nas renováveis foi, talvez, o maior ato de responsabilidade intergeracional da minha geração, da nossa geração. Porque eu investi numa coisa que mais contribuiu para preços mais baixos. E criou condições para a descarbonização.

E como é que vê que só agora com esta nova comissão de Ursula von der Leyen, se diga que vamos fazer este Green Deal. Está atrasada a Europa?

Não. Penso que a Europa está na linha da frente. É indiscutível.

Mas uma empresa como a EDP já apostou nas renováveis há imenso tempo…

Isso também é verdade… Para mim é fácil termos um negócio. Ali há uma questão de definição estratégica em que a Europa também já lá tinha, claramente, o clima, a criação dos mercados energéticos. E hoje, isso passou do top 5 para o top 1. Porque percebeu-se uma coisa que me parece fundamental: a questão das alterações climáticas é fundamental. Não é só o problema do planeta desaparecer… o planeta fica cá, a rocha fica. O homem é que pode não estar bem no planeta.

Saiu-se de uma crise, estamos em crescimento há muito tempo, os momentos de crescimento são momentos em que nós temos de nos dar outra vez a oportunidade para nos tornarmos mais saudáveis. É o momento de investirmos nessas boas contas com o planeta.

Mas também temos uma Europa maior e muito diferente em ritmos de adoção de energias renováveis.

Há duas coisas, nesta transição energética, que têm de existir para que se consiga que o mundo coopere. Primeiro, tem de se evitar subsidiações de regiões para regiões. Temos de ter um mercado de CO2 global, para que se evite que uns paguem e outros não. Depois, esta transição tem de ser claramente inclusiva, e esta é uma questão absolutamente decisiva. A descarbonização está claramente associada a muitos impostos, que está associada a muitas receitas para os Estado.

"Os momentos de crescimento são momentos em que nós temos de nos dar outra vez a oportunidade para nos tornarmos mais saudáveis. É o momento de investirmos nessas boas contas com o planeta.”

António Mexia

Presidente executivo da EDP

E a questão é como é que o Estado utiliza as receitas desta transição energética dessa descarbonização, para que ela seja também um instrumento de maior igualdade social, maior oportunidade de crescimento, de mais mobilidade social, etc. E que as pessoas compreendam, porque no fim do dia as pessoas têm de compreender. A grande diferença é que, se calhar, há meia dúzia de anos, as pessoas diziam que isso é um luxo mas, hoje em dia, a maioria das pessoas já percebe.

Como é que nós, na Europa, podemos justificar a um português — que, de alguma forma, pagou para que hoje tenhamos um mercado com renováveis tão impactante –, que isto é para fazer a transição energética nos países que só têm carvão? Beneficiamos o infrator?

Obviamente Portugal acordou cedo para as renováveis também porque, primeiro, tinha o recurso natural e não tinha minas de carvão. Espanha tinha e teve de fazer a sua transição… Esta questão dos perdedores e vencedores, este equilíbrio, não é uma coisa fácil de desenhar. Agora, a vossa pergunta é exatamente a vossa resposta: isto tem de ser compreendido pelas pessoas, tem de ser explicado às pessoas. Agora, isto não é uma folha A4.

E não podemos é achar que o problema da energia era o problema da transição energética, é ao contrário. A energia elétrica é o principal contribuinte para a descarbonização, para a nossa modernização. As renováveis são uma oportunidade e não um custo, são um investimento e, portanto, eu não posso andar a fingir que o problema está onde ele não está. Ele está na minha melhor eficiência, nos preços relativos. É um problema da mobilidade. Os incentivos hoje estão corretos do ponto de vista da mobilidade? Do ponto de vista de partilharem menos? Do ponto de vista do trabalho? Ou seja, isto é uma revolução cultural do ponto de vista de como organizamos a nossa sociedade? Mais uma vez, a digitalização ajuda isto tudo. Mas isto é essencialmente comportamental.

António Mexia, CEO da EDP, em entrevista ao ECO - 22JAN20
Hugo Amaral/ECO

Mas é difícil perceber que, daqui a cinco ou seis anos, na Polónia, estão eles a beneficiar de tarifas mais baixas associadas às renováveis, porque fizeram a transição financiada com fundos europeus, e nós continuamos a pagar.

Mas não será isso que está, sobretudo, em causa. Nós não vamos poder ter a sensação, com a transição energética, que algumas pessoas tiveram com a Política Agrícola Comum, que, aliás, esteve na origem da comunidade europeia.

Não se pode ficar com a sensação de que o Green Deal foi criado para resolver o problema de alguns…

Tem de haver a perceção de que isto, efetivamente, é equilibrado. E há a preocupação clara de tornar isto como algo pan-europeu. Há uma série de gente sentada em Estrasburgo e Bruxelas para que se prove isto.

Esta transição energética é indispensável. Para isso, tem de ter os mercados a funcionar, como o mercado de CO2, tem de se evitar subsidiação entre zonas e países onde as pessoas se sintam desconfortáveis com o carbon leakage, e tem de ser inclusiva de maneira a que as pessoas percebam que esta massa de impostos e de custos está associada à descarbonização. Se eu disser às pessoas que estou a cobrar este dinheiro que vai servir para determinada coisa… Mas você paga impostos e vai aqui para uma coisa, depois distribui-se. Não há uma relação direta entre fundos e aplicações…

Por isso é que a EDP não pagava a CESE…

Não, uma das condições que nós dissemos é que precisávamos que não fosse para ali, mas que fosse para uma coisa que era suposto ir. Eu quero que as pessoas percebam essa ligação, se não perceberem essa ligação, o caminho é todo ele mais custoso. Têm de perceber em nome do que é que eu estou a pagar isto e para que é que eu estou a pagar isto. Por isso é que eu acho que, durante muitos anos, o discurso em Portugal sobre o setor da energia foi totalmente errado. Porque foi numa ótica de bote expiatório.

Para esconder o quê?

Muitas vezes para esconder a inação.

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