Exclusivo Lembra-se da Chofer? “Uber” portuguesa volta ao mercado com novo nome
Foi a terceira plataforma eletrónica a surgir em Portugal, mas uma vaga de fraudes fê-la sair do mercado em poucos meses. Dois anos depois, o responsável dá a cara e assume regresso da... myChofer.
A Chofer está a preparar-se para regressar ao mercado português. Dois anos depois da vaga de fraudes que forçou a empresa a fechar as operações, aquela que foi apelidada de “Uber” portuguesa pode começar a operar já a partir de meados de março, apurou o ECO.
Em agosto de 2017, três anos depois da chegada da Uber e um ano após a chegada da Cabify, nasceu em Portugal uma terceira plataforma de transporte, a Chofer. Importa não confundir com a Chauffeur Privé, que deu origem ao que é hoje a Kapten. A Chofer era uma plataforma de transporte made in Portugal, que se assumia como concorrente portuguesa da Uber.
Porém, cinco meses depois do lançamento, em janeiro de 2018, já não havia qualquer sinal da Chofer. A aplicação não mostrava um único motorista disponível em Lisboa. O caso gerou estranheza, até o ECO revelar que a plataforma tinha sido forçada a deixar o mercado, alegando ter sido “alvo de fraude”.
Nessa altura, a Chofer explicou aos motoristas que foram feitas viagens que a plataforma não foi capaz de cobrar, além de outras viagens que a empresa considerou serem fraudulentas. Dívidas foram acumuladas, levando a empresa a ter de analisar os casos um a um. Agora, mais de dois anos depois, a Chofer quer regressar ao mercado português com um novo nome: myChofer.
Agora que a poeira assentou, um dos responsáveis da empresa aceitou contar toda a história ao ECO. Na primeira pessoa, o responsável assume o falhanço do projeto inicial e garante que foram aprendidas lições com esses erros, que garante serem “impossíveis” de voltarem a ser cometidos. É também a primeira vez que a plataforma Chofer é associada a um nome, tendo em conta que, no passado, a empresa só falou aos jornalistas e motoristas via email.
“Não queremos esconder as nossas raízes”
Ricardo Martins assume-se como “responsável de expansão” da antiga Chofer. Na prática, é o líder da nova myChofer, uma nova plataforma cujo lançamento, diz, tem sido preparado ao longo dos últimos anos. Por telefone, mas com número privado, assume ao ECO que a empresa tem “muito orgulho” das suas raízes.
Assim, a empresa que gere agora a myChofer “é a mesma” que geria a Chofer. Mas a sua “estrutura” é diferente, além de que “a plataforma é completamente nova”. Mantém-se a marca, porém, com uma nova imagem: “Não queremos esconder as nossas raízes. Começámos como Chofer e tivemos alguns problemas. Nestes anos, estivemos a avaliar o que fizemos e a fazer tudo de novo”, conta, em conversa com o ECO.
“Debatemos muito o tema, avaliámos várias situações. Inclusivamente, avaliámos se fazia sentido mudar a marca e criar uma empresa nova. Mas temos muito orgulho do que aconteceu”, diz Ricardo Martins. Ainda assim, desabafa: “Fomos muito penalizados financeiramente.” Recusa, no entanto, revelar o prejuízo resultante do projeto anterior.
Debatemos muito o tema, avaliámos várias situações. Inclusivamente, avaliámos se fazia sentido mudar a marca e criar uma empresa nova. Mas temos muito orgulho do que aconteceu.
O que aconteceu? Na visão dos motoristas, a antiga Chofer ficou a dever, não tendo pago os rendimentos que prometia. Pelo menos um ex-motorista, contactado pelo ECO, garantiu que ficou sem receber até hoje o dinheiro que reclamou junto da plataforma, apesar de não querer ser identificado, para evitar o reavivar de uma situação que já deu como esquecida.
Mas para Ricardo Martins, tudo foi “ultrapassado” e as dívidas foram totalmente liquidadas: “Todas as situações que identificámos e que não constituíram fraude, que verificámos que eram viagens reais, que tinham clientes reais, essas viagens foram liquidadas”, garante. “Todas as viagens que não o eram, informámos que não iríamos pagar. Tivemos um diferendo em tribunal em que chegámos a acordo. Todas as situações estão resolvidas”, defende.
O problema, explica, esteve relacionado com alegadas fraudes e truques que contornaram os frágeis sistemas de controlo da Chofer. Por exemplo: um cliente era capaz de, usando um cartão virtual MB Net limitado a cinco euros, fazer uma viagem de valor superior, que era depois impossível de cobrar.
Mas há mais: “Havia muitos motoristas que também, eles próprios, usaram o Fake GPS [uma aplicação que manipula o GPS do telemóvel], em que marcavam o ponto A no Algarve e o ponto B em Bragança. Por exemplo, essa viagem tinha 500 quilómetros, mas tinha dois minutos”, justifica. Algo que, naturalmente, desafia todas as leis da física.
O tempo passou e Ricardo Martins tem agora uma outra noção do que levou a que a Chofer tivesse corrido tão mal. “Quando nós pensámos neste projeto, quando o começámos a desenvolver de raiz, não estávamos preparados, por algum desconhecimento do que era o mercado e do que podia acontecer em algumas áreas mais complexas e sensíveis.
Nomeadamente, um dos problemas foi a procura anormal de downloads. Não estávamos preparados para essa procura”, assume. “E como não estávamos preparados”, continua, “ocorreram situações como perfis falsos, contas pirateadas, cartões de crédito falsos, viagens fraudulentas. Tivemos todo o tipo de situação. Foi um momento extremamente complicado, mas que também nos ajudou”, diz.
Hoje, apesar de a empresa entender que já liquidou todas as dívidas, ainda mostra abertura a rever alguma situação passada que venha a surgir: “Temos todo o gosto em rever o caso. Se elas ainda existem, estamos cá. Obviamente, vamos resolver e rever a situação”. E dito isto, remata: “Como vê, era muito mais fácil criar uma estrutura nova, tudo novo e esquecer o passado”.
Tivemos todo o tipo de situação [de fraudes com a Chofer]. Foi um momento extremamente complicado, mas que também nos ajudou.
Chofer renasce. Vem aí a myChofer
Virada a página da Chofer, a equipa de cinco pessoas que trabalha na myChofer tem tudo a postos para o lançamento da plataforma no mercado. O responsável confirmou que a JDSM Unipessoal Lda. é a empresa gestora da nova aplicação e que tem como acionista única a psicóloga Ângela Sofia Gonçalves Simões. O investimento está a ser feito com recurso a capital próprio, garante.
Assim, a empresa já remeteu o pedido de licenciamento da myChofer ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e encontra-se a aguardar a eventual aprovação deste organismo público. “A informação que o IMT nos transmite é de que não demora mais de um mês. Em meados de março, teremos o licenciamento e teremos a aplicação no mercado”, estima Ricardo Martins, garantindo, contudo, que a myChofer “não tem pressa”.
Através do Facebook, a myChofer já comunicou os preços que pretende praticar: uma tarifa base de 84 cêntimos, mais 55 cêntimos por quilómetro e oito cêntimos por minuto. Assume ainda querer cobrar uma comissão de 12,5%, abaixo da média do mercado, como mostra a tabela publicada pela empresa:
Quanto à cidade em que o serviço será lançado, bem, isso é outra história. A intenção da equipa é que a aplicação funcione, teoricamente, “em todas as cidades”. “Desde que tenha o perfil validado após a recolha de toda a documentação, compete ao parceiro escolher o local onde pretende trabalhar”, explica Ricardo Martins. Ainda assim, na prática, a equipa vai “validar os parceiros em função da sua sede”, aplicando uma espécie de contingente interno em cidades como Lisboa.
“Não escondemos que o mercado, hoje, é diferente daquele que inicialmente encontrámos. É um mercado muito mais maduro e a nossa perspetiva é operar inicialmente onde já existem motoristas que trabalhem para uma série de [outras] plataformas”, acrescenta. Com a comissão mais reduzida face ao mercado, a myChofer pretende cativar mais motoristas, mas recusa trabalhar com grandes frotas. Os motoristas da myChofer não são obrigados a ter exclusividade, mas cada motorista só poderá ter um automóvel na plataforma.
Para resolver o problema das fraudes nos pagamentos, a myChofer irá operar numa lógica de “contas virtuais”. “Sou eu, enquanto cliente, que carrego a minha conta virtual com o valor que eu entendo. O pagamento pode ser feito por cartão de débito, transferência, conta PayPal, cartão de crédito”, explica Ricardo Martins. É uma espécie de modelo pré-pago e “é impossível haver fraude”, promete. Antes de uma viagem, “o sistema vai validar primeiro se a conta daquele cliente tem ou não saldo”.
Desta forma, a myChofer promete pagar aos motoristas imediatamente no fim de cada viagem, ao invés das liquidações semanais das outras plataformas. O pagamento é feito em “saldo” na conta do motorista, que este pode, depois, converter em dinheiro ou gastar também em viagens, uma vez que a aplicação dos clientes e dos condutores é a mesma.
Além disso, segundo Ricardo Martins, os utilizadores podem transferir saldo entre si. Mas uma vez transferido esse saldo, não podem fazer o respetivo levantamento. Uma medida que serve para prevenir eventuais fraudes financeiras.
Car Share foi “projeto-piloto”
Outra questão que não estava esclarecida até agora era o papel da marca Car Share no universo da empresa que gere a Chofer. A Car Share aparenta ter sido lançada no ano passado e também é detida pela empresa que gere a plataforma que falhou. Ora, o ECO confrontou Ricardo Martins com a existência desta outra plataforma e com o facto de a marca não ter licença do IMT para operar.
O responsável garante que a Car Share era um “projeto-piloto” que serviu para testar a myChofer e que, por ter sido feito “em ambiente fechado”, não foi necessária qualquer licença: “Não houve transações públicas. É um projeto que também é nosso, um produto de testes para podermos testar todas as possibilidades”, clarifica.
“Temos, na nossa génese, programadores que trabalham connosco já há algum tempo e que têm vindo a desenvolver este produto. Tentámos que o produto fosse desenvolvido e testado internamente, sem recurso a capitais estrangeiros, nem a financiamento bancário”, diz Ricardo Martins. E dito isto, reforça, em jeito de conclusão: “Temos muito orgulho do que nos aconteceu e aprendemos muito”.
Em meados de março, teremos o licenciamento e teremos a aplicação no mercado.
Em meados deste mês de fevereiro, a página da antiga Chofer no Facebook mudou de nome para “MyChofer”. Numa publicação, lê-se que “a myChofer é uma empresa portuguesa ligada ao transporte de passageiros” e que “o conceito consiste em aproveitar os carros que estão parados nos estacionamentos e nas ruas, durante bastante tempo, para se tornarem veículos úteis de transporte urbano”.
Além disso, a empresa tem já dois anúncios pagos a correr nas redes sociais. Um deles é uma imagem do novo logótipo e está ativo no Facebook e Instagram. Uma segunda campanha indica que “a myChofer é uma plataforma tecnológica que liga utilizadores a motoristas para o transporte de passageiros”, estando a ser promovida apenas no Facebook.
Mas o sucesso está longe de garantido. A myChofer vai entrar num mercado de forte concorrência, com três players com bolsos fundos — a Uber, a Bolt e a Kapten — e que praticam preços que levantam dúvidas sobre a sustentabilidade destas marcas, já para não falar dos fortes incentivos monetários que têm sido dados aos motoristas. É ainda um mercado regulamentado e com uma contribuição de 5% sobre as receitas, que as empresas são obrigadas a entregar todos os meses ao Estado. Um mercado, sem dúvida, muito diferente do encontrado pela antiga Chofer.
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