A natureza está a ser destruída. Quantos biliões perdem as economias mundiais?

Se nada for feito para proteger a natureza, o PIB global anual sofrerá uma quebra de 479 mil milhões de dólares, comparando com valores de 2011, conclui o “Global Futures Report” da WWF.

Quando o assunto é o crescimento da economia mundial ou a evolução do PIB global, por norma “a natureza não é tida em conta pelo seu verdadeiro valor de mercado”. O alerta é deixado por Catarina Grilo, diretora de conservação da Associação Natureza Portugal (ANP), uma organização não-governamental de ambiente, sem fins lucrativos, que trabalha em parceria com a World Wide Fund For Nature (WWF).

Mas afinal quanto vale a natureza para as economias mundiais e quanto custa, a longo prazo, a sua destruição por via das alterações climáticas?

Segundo dados da ONG norte-americana The Nature Conservancy, “a natureza tem um valor anual estimado de 125 biliões de dólares para a economia global”. Se nada for feito para a proteger, o PIB global anual sofrerá uma quebra de 479 mil milhões de dólares, comparando com valores de 2011, conclui o “Global Futures Report”. Apresentado em Londres, o relatório calcula os custos do declínio dos recursos naturais em todos os setores-chave de 140 países do mundo, numa parceria entre a WWF, o Global Trade Analysis Project e o Natural Capital Project.

Este estudo fez também as contas para o período de 2011 a 2050 e descobriu que num cenário “business-as-usual” (sem qualquer intervenção na defesa da natureza e tendo em conta os seis principais serviços de ecossistemas), as perdas acumuladas em quase quatro décadas ascenderão a 9,86 biliões de dólares. Estes seis serviços de ecossistemas incluem a polinização, a erosão costeira, a provisão de água, os corais, a provisão de madeira e a pesca.

Em sentido contrário, num cenário de “conservação da natureza” – no qual o mundo adota um desenvolvimento mais sustentável e de proteção da biodiversidade e dos ecossistemas – o PIB mundial poderá beneficiar de um ganho líquido de 490 mil milhões de dólares por ano, por comparação com o cenário ‘business as usual’.

Portugal é dos que mais sofre com a destruição da natureza

Olhando para o mapa mundial, Portugal é dos países que mais tem a perder num cenário de inação política e integra mesmo o top 10 dos países que mais sofrem com a degradação dos ecossistemas (em percentagem do PIB), a seguir a países como Madagáscar, Togo, Vietname, Moçambique, Uruguai, Sri Lanka, Singapura, Nova Zelândia e Omã.

“Portugal é dos países menos preparados e, ao mesmo tempo, o que tem mais natureza a perder. O país tem uma grande área natural com áreas protegidas, que ocupa cerca de 17% do território. Em contraste, observa-se uma ausência de gestão dessas mesmas áreas protegidas e de proteção de habitats e espécies. A enorme área ardida nas florestas portuguesas é prova disso”, referiu Catarina Grilo em declarações ao Capital Verde, do ECO.

Depois de ter estado em consulta pública, o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais foi recentemente apresentado no Parlamento pelo ministro do Ambiente e Ação Climática, Matos Fernandes. Com um horizonte temporal de uma década, este plano prevê uma despesa acima dos seis mil milhões de euros, com 60% desse valor direcionado para a prevenção e 40% para o combate, tendo como principal objectivo a redução para metade da área ardida.

A diretora de Conservação e Política da ANP garantiu que em março o “Global Futures Report” vai ser apresentado a vários decisores políticos nacionais, a começar pelos ministérios da Economia, do Mar e do Ambiente e Ação Climática. “O Governo já identificou a luta contra as alterações climáticas como um desafio estratégico, por isso tem interesse em acelerar as medidas de proteção da natureza. Portugal é claramente um dos países que mais beneficiaria de uma maior ambição na ação climática e na proteção da natureza. Muito disto depende do Estado português, e não podemos ficar à espera de novas diretrizes europeias para atuar. As evidências são claras, a ação tem que ser consequente”.

2030: Ano zero para começar a recuperar a natureza

Para travar esta tendência, os autores do relatório recomendam aos governos que façam um “acordo global para a natureza e para as pessoas”, com uma forte proteção da biodiversidade e que trave a sua a perda global até 2030. A partir dessa data será necessário passar para uma estratégia diferente, de recuperação da natureza. Outra meta passa por ter 30% dos mares mundiais protegidos no espaço de uma década. Além disso, diz o estudo, é preciso incorporar o respetivo valor da natureza e dos serviços de ecossistemas no planeamento do uso da terra, nas estratégias de crescimento e desenvolvimento, e nos planos de ação contra as alterações climáticas.

Mais: A contabilidade do capital natural devia ser incorporada nos orçamentos anuais dos países, recomenda o “Global Futures Report”.

“2020 é um ano crítico para se começar a agir. São necessários compromissos mais ambiciosos e um novo quadro de proteção no âmbito da conservação da diversidade biológica. Mas o progresso é lento”, acrescenta ainda Catarina Grilo, avançando que está a ser preparado um “novo tratado para a proteção dos oceanos além da jurisdição de cada país”.

“Desde alterações climáticas, fenómenos climáticos extremos e inundações, escassez de água, erosão do solo e extinções de espécies, tudo mostra que o planeta está a mudar mais rapidamente do que em qualquer outro momento da história”, alerta ainda o relatório. E remata: “A maneira como nos alimentamos, abastecemos e financiamos está a destruir os sistemas de suporte à vida do planeta, dos quais dependemos. Quando entramos numa nova década não estamos apenas com uma crise ambiental, caminhamos para uma crise económica também”.

O “Global Futures Report” usa um novo método para calcular o custo do declínio dos serviços dos ecossistemas, incluindo polinização, proteção costeira e provisão de água. O estudo engloba 140 países e setores chave da indústria. Estima que a inação sobre a destruição da natureza e biodiversidade possa custar às economias mundiais cerca de 10 biliões de dólares até 2050.

Portugal enfrenta desafios ambientais em 2020

Depois da publicação do “Global Futures Report” da WWF, que coloca Portugal como uma das 10 economias mundiais que mais irá perder com os impactos económicos globais que resultam da perda de natureza, a ANP identificou os grandes desafios ambientais que irão marcar o ano de 2020 a nível global e em Portugal.

No mundo, a ONG sublinha que este será o ano da decisão sobre o futuro de três grandes mecanismos políticos da ONU: o acordo internacional sobre mudanças climáticas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Convenção sobre Diversidade Biológica.

A marcar o panorama ambiental nacional em 2020, a ANP destaca como principais os temas do Aeroporto do Montijo, da prospeção de lítio, a revisão da Política Agrícola Comum, a revisão dos Planos Nacionais de Energia e Clima, e de Gestão Integrada de Fogos Rurais, bem como a preparação da Presidência portuguesa do Conselho Europeu em 2021.

Para Ângela Morgado, diretora executiva da ANF, “2020 é um ano crítico para a natureza. Este ano, serão tomadas decisões políticas importantes sobre ações climáticas, desenvolvimento sustentável e natureza. Essas decisões afetarão a saúde de nosso planeta e nosso próprio futuro nas próximas décadas. Por isso, é urgente pensar nos grandes desafios ambientais de Portugal para 2020, que devem contribuir para inverter a tendência de degradação da natureza e combater as alterações climáticas, degradação essa que afetará a nossa economia e as pessoas”.

Já a diretora de Conservação, Catarina Grilo, afirma que “em 2020 devemos garantir um compromisso internacional para reverter a perda da natureza – um novo acordo para a natureza e as pessoas que reconheça o elo fundamental entre natureza, clima e pessoas. Portugal deve comprometer-se com este desígnio de restaurar a biodiversidade para beneficio dos portugueses.”

Do balanço que a ANP faz de 2019, destacam-se pela positiva o sinal claro dado pelo Governo ao eleger como uma das suas prioridades o combate às alterações climáticas. Pela negativa, destacaram-se o início das dragagens do Sado, a temática do Lítio, o enfraquecimento do ICNF e a falha de mais uma meta na Política Comum de Pescas.

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