Andar de bicicleta pode fazer mais pelo clima do que as grandes centrais renováveis?
O que é mais rápido e barato para descarbonizar? Estudo de investigador português revela que pequenos gestos como andar de bicicleta ou usar lâmpadas LED são mais eficazes do que grandes projetos.
Partilhar táxis, andar de bicicleta ou instalar painéis solares no telhado de casa são medidas mais rápidas, mais eficazes, menos complexas e menos arriscadas para combater as alterações climáticas do que as grandes tecnologias energéticas, como a construção de novas centrais nucleares, solares ou eólicas, sistemas de armazenamento com baterias ou captura de CO2. A conclusão é do estudo “Granular technologies to accelerate decarbonization”, coassinado por Nuno Bento, investigador do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, e publicado no início de abril na Science Magazine.
Isto porque, diz o estudo, para alcançar as metas climáticas internacionais já estabelecidas, as emissões globais de gases poluentes têm de ser reduzidas para metade já nos próximos dez anos e depois cair para zero por volta de meados do século. Ou seja, a mudança tem de ser, acima de tudo, rápida, principalmente na forma como se distribui e usa a energia, que é neste momento responsável por cerca de dois terços das emissões mundiais de CO2.
Neste contexto, Portugal foi o primeiro país do mundo a estabelecer metas para a neutralidade carbónica até 2050, que podem mais facilmente ser atingidas com tecnologias de menor escala, garantiu Nuno Bento. “Não só é possível, como é desejável”, disse o investigador.
O que é então mais rápido e mais barato, quiseram saber os cientistas: construir uma central nuclear de mais de 20 mil milhões de euros ou instalar milhares de lâmpadas LED com um custo unitário de dois euros e meio? Ter um milhão de pequenas centrais solares com 1kW de capacidade ou um reator nuclear com 1GW? Centenas de bicicletas elétricas numa cidade ou investimentos milionários em novas linhas de metro? Instalar em casa termóstatos inteligentes que custam cerca de 170 euros ou complicados sistemas de eficiência energética e domótica de quase 60 mil euros?
“Das 45 tecnologias energéticas classificadas pela Agência Internacional de Energia como críticas para alcançar as metas climáticas, 38 têm ainda de melhorar significativamente no que diz respeito ao custo e à performance, ao mesmo tempo que a sua disseminação tem de ser acelerada nas próximas décadas”, considera o artigo da Science Magazine.
Com este estudo, os investigadores conseguiram provar que as inovações e tecnologias de menor escala (algo tão simples como instalar luzes LED e termóstatos inteligentes em casa, ou trocar o carro a diesel por uma bicicleta elétrica) são mais rápidas a descarbonizar, criam mais empregos e são mais baratas para a população. Por serem, assim, mais eficientes na redução de CO2, dão um contributo mais rápido para o cumprimento das metas climáticas globais definidas pelo Acordo de Paris.
“A opinião generalizada dos grandes decisores políticos é que as grandes tecnologias – como as energias renováveis ou as centrais nucleares – são a forma melhor e mais rápida de reduzir os gases com efeito de estufa, mas este estudo veio provar o contrário”, afirma Nuno Bento, um dos autores da equipa internacional que durante oito anos realizou este estudo, e investigador do centro de investigação DINÂMIA’CET-Iscte. “Na verdade, comparando uma série de tecnologias de geração de energia e da sua utilização em casas, transportes e indústrias, concluiu-se que as alternativas de escala menor são mais eficazes pela velocidade da sua implementação, pela sua rápida melhoria ambiental e por implicarem muito menos recursos”, sublinha o coautor.
A mobilidade partilhada nas cidades (automóveis, bicicletas e trotinetas), as bombas de calor ou os termóstatos inteligentes são algumas das soluções apresentadas no estudo que têm menores riscos de investimento e um potencial de melhoria muito maior para a poluição ambiental. “Incorporar estas soluções nas habitações, tal como mudar as rotinas diárias de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo, irá facilitar os progressos sem ser preciso recorrer a grandes infraestruturas que custam quantidades imensas de dinheiro”, conclui o artigo publicado na Science Magazine.
Isto porque as tecnologias ditas “mais pequenas” apresentam menos barreiras, têm um custo bastante inferior e são, também por isso, mais acessíveis. Desta forma, os cidadãos podem participar mais ativamente no processo de descarbonização, garante o estudo: “O preço destas tecnologias, como carros elétricos ou painéis solares, tem descido com uma maior procura e a sua utilização implica uma poupança de dinheiro e uma redução do desperdício”.
Outro dos exemplos destacados na investigação, e que demonstra que o risco de investimento é tanto mais instável quanto maiores forem as tecnologias em causa, são as lâmpadas LED. “A tecnologia LED é muito eficiente porque limita o consumo de energia a apenas 20% a 30% do consumo habitual, permitindo que haja mais iluminação e limitando a necessidade de construção de mais centrais energéticas”, afirma Nuno Bento. “Como se disseminou em menos de sete anos, o preço das lâmpadas LED diminuiu ao longo do tempo e as mesmas foram sendo aprimoradas, sendo hoje mais eficazes do que nunca e cada vez mais baratas”.
A aposta em soluções mais pequenas irá trazer, também, mais postos de trabalho às populações, sublinha ainda o estudo. “A criação de emprego entre um projeto tecnológico gigantesco e outros com a energia mais distribuída, é totalmente diferente”, afirma o investigador. “A energia solar fotovoltaica foi aplicada nos primeiros anos em Portugal com a Central Solar Fotovoltaica de Amareleja, mas foi a criação, instalação e manutenção de pequenos sistemas nos telhados das habitações que trouxe um grande número de negócios, de encomendas e de empregos a este setor no país”.
Estas conclusões resultaram de uma análise realizada durante oito anos a diferentes artigos publicados sobre tecnologias e bancos de dados nomeadamente da Agência Internacional de Energia e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. A análise revelou um padrão: as tecnologias mais pequenas difundem-se mais rapidamente, são mais fáceis de penetrar no mercado e têm um maior impacto ambiental. Para além de Nuno Bento, também são autores deste estudo Arnulf Grubler, do Instituto Internacional de Sistemas Aplicados (Áustria), e Charlie Wilson, do Tyndal Centre for Climate Change Research (Reino Unido).
O estudo sublinha, no entanto, que as vantagens das tecnologias de menor escala não são universais. Ou seja, há setores em que não há mesmo, para já, alternativas low cost, como a aviação de longo curso ou a grande indústria do ferro, do aço e do cimento, por exemplo.
“A publicação deste artigo na Science Magazine – que é uma das duas revistas académicas mais prestigiadas do mundo – representa não só a validação internacional desta investigação, como demonstra também a capacidade das universidades portuguesas – neste caso, o Iscte – de produzir conhecimento”, afirma o investigador. “É um sinal claro da vitalidade do sistema português de ciência e tecnologia e da sua competitividade internacional”.
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