Quem ganha e quem perde com o petróleo abaixo de zero dólares?

Crash no mercado petrolífero foi gerado pela tempestade perfeita de fatores de stress e agravou os receios que já se sentiam sobre o impacto do Covid-19. Mas como em qualquer crise, há em quem ganhe.

O mercado petrolífero vive momentos inéditos. Após uma queda a pique, o crude negociado em Nova Iorque quebrou a barreira dos zero dólares e chegou a negociar em -40 dólares. Na prática, houve quem pagasse para vender estes contratos. Mas, como em qualquer crise, há sempre quem ganhe dinheiro com as perdas nos mercados.

É mais fácil apontar os derrotados“, diz Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, sobre vencedores e vencidos da queda histórica nos preços do petróleo. “Só beneficiaria quem poder comprar e guardar. E mais um ou outro especulador“, explica.

A falta de espaço para guardar tanto petróleo foi um dos fatores que ajudou a empurrar os preços para o precipício. Com 160 milhões de barris, em todo o mundo, que ninguém quer comprar, o armazenamento está a atingir o limite máximo.

É mais fácil apontar os derrotados. Só beneficiaria quem poder comprar e guardar. E mais um ou outro especulador.

Filipe Garcia

Economista e presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros

Por isso, quando os contratos de futuros do crude WTI para entrega em maio estavam prestes a atingir a maturidade, é preciso vender para não ficar a braços com milhares de barris (que não se vendem à unidade), cujo transporte e armazenamento é caro. Tendo em conta que muitos investidores não querem realmente comprar a mercadoria, mas apenas negociá-la ou especular sobre o preço, a liquidez secou e os preços afundaram.

Do lado dos especuladores, é difícil identificar vencedores. As estratégias são, normalmente, conhecidas apenas mais tarde e, além disso, “não é muito normal que um especulador esteja no mercado na última semana, porque corre sempre o risco que aconteça o que aconteceu”, lembra Filipe Garcia.

EUA aproveitam saldos. Portugal ganha na importação e perde na exportação

“À partida, os países consumidores ganham”, sublinha o economista. Mas lembra que não é assim tão linear. Os EUA anunciaram que vão aproveitar a queda histórica do preço do petróleo para adquirir 75 milhões de barris e levar a reserva estratégica até máximos. No entanto, o armazenamento é novamente um problema: o Presidente Donald Trump só poderá ir até onde o espaço lhe permitir.

Além disso, a quebra nos preços faz com a indústria do petróleo de xisto — que se tornou determinante para os EUA e fez do país o maior produtor petrolífero do mundo, suplantando a Arábia Saudita e a Rússia — deixa de ser rentável, o que Trump já disse que não vai deixar. “Nunca iremos deixar cair a grande indústria do gás e do petróleo dos EUA”, escreveu esta terça-feira no Twitter.

Já no caso de Portugal, é ainda menos simples. Primeiro porque a referência europeia é o Brent (e não o crude WTI, que negociou abaixo de zero). Mesmo assim, também esse tem desvalorizado pelo que, como o país importa todo o petróleo que consome, pode ganhar com importações mais baratas, mas perde na exportação de produtos refinados.

E as refinarias já se estão a ressentir. Sem mais capacidade, a Galp decidiu encerrar temporariamente as refinarias de Matosinhos e de Sines. “As refinarias só vão voltar a operar quando a economia retomar. Para que é que vão estar a funcionar se não têm a quem vender e nem sequer têm onde armazenar?”, diz o economista.

Preços vão dar salto técnico. Real só com maior intervenção

Mais fácil é identificar os perdedores: a começar pelos países produtores, cujas economias estão mais dependentes da matéria-prima. É o caso de Angola, Venezuela ou México. De igual forma, também as ações do setor estão a ser fortemente penalizadas.

“Nem é preciso dizer que uma queda abrupta nos preços do petróleo é muito relevante para as as ações das energéticas, bem como para todo o mercado acionista”, diz chief investement officer global do Credit Suisse, Michael Strobaek, apontando para a tendência nas bolsas desde segunda-feira. No português PSI-20, a Galp Energia perdeu, em apenas dois dias, 433,4 milhões de euros em capitalização de mercado, para os atuais 6.989,9 milhões de euros.

Preços do petróleo penalizam Galp Energia

“Dado que esperamos que o ambiente nos preços do petróleo continue volátil por algum tempo, o sentimento dos investidores face ao setor da energia deverá continuar limitado”, sublinha Strobaek. Neste cenário, acrescenta que a estratégia de investimento do Credit Suisse passa por apostar em “grandes empresas integradas”, ou seja, envolvidas na exploração, produção, refinação, comercialização e transporte.

Esperar volatilidade nos preços do petróleo parece ser a posição dominante nos mercados financeiros. Esta quarta-feira, a referência do WTI deixa de ser o dito contrato de maio, passando a ser o de junho, que negociava esta terça-feira abaixo dos dez dólares. Face a esta alteração nas métricas, os preços vão dar um salto.

No entanto, para que a valorização seja mais do que técnica, será preciso que a procura retome e a oferta se reduza. Há 23 países, dos quais 13 são os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que decidiram cortar a produção em 9,7 milhões de barris por dia. Mas — além de ser apenas a partir de maio e até lá se esperarem semana e meia de agonia para o mercado — a estimativa é que a procura por petróleo diminua em 30 milhões de barris por dia devido à pandemia.

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