Uma sandbox em tempos de areias movediças

  • Ricardo Macieira
  • 23 Abril 2020

Foi, em larga medida, na sequência da criação de uma sandbox da Financial Conduct Authority britânica que, em 2015, surgiu a Revolut - hoje uma das fintechs mais valiosas da Europa.

A expectativa que tínhamos para a entrada na nova década foi tomada de assalto. Sentimo-nos roubados de liberdade, cercados pelo risco, asfixiados pela perda de rendimentos e sem visibilidade sobre o rumo que tomará aquela que será a nossa nova normalidade. Somos das primeiras gerações a sentir na pele o poder — potencialmente devastador — de uma nova crise económica num curto período de tempo. Mas hoje também, importa lembrar, somos mais capazes de lidar com a incerteza que o futuro próximo nos reserva.

Em bom tempo o Executivo anunciou um plano de medidas de apoio às startups em Portugal. O ecossistema já tinha mostrado o seu (a)braço solidário no apoio à crise sanitária e social que enfrentamos — através de movimentos como o tech4COVID19, por exemplo –, e agora o Ministério da Economia devolveu o gesto, com cinco novas medidas de apoio no valor de 25 milhões de euros. Esta ajuda deverá estender a mão a mais de 2.500 startups, apoiando-as potencialmente, e em média, em 10 mil euros a cada.

Não se podem menosprezar estes esforços. Foi, em larga medida, na sequência da criação de uma sandbox da Financial Conduct Authority britânica que, em 2015, surgiu a Revolut — hoje uma das fintechs mais valiosas da Europa –, e o nosso continente se consolidou como terreno fértil para a proliferação destas startups. A proximidade com os incumbentes — que pode parecer, à primeira vista, um garrote burocrático que sufoca o ADN ágil das startups –, foi crítico para este sucesso. Quando, perante a crise económica de 2008, muitos banqueiros se viram dispensados dos seus postos de trabalho, foi necessário encontrar um espaço onde as suas competências pudessem servir. A capacidade da FCA de perceber esta mudança levou a uma maior flexibilidade dos regimes regulatórios e promoveu a inovação. O apoio da União Europeia foi depois crucial para escalar estes negócios. Hoje, Portugal segue o exemplo britânico e abre aqui uma janela de oportunidade que pode ser o balão de oxigénio para uns, ou a rampa de lançamento para outros.

"Portugal segue o exemplo britânico e abre aqui uma janela de oportunidade que pode ser o balão de oxigénio para uns, ou a rampa de lançamento para outros.”

Encontramo-nos por isso, de novo, nesta caixa de areia, onde é crítico diferenciar-nos, ser rápidos a reagir e mostrar a muitos setores que inovação gera inovação. Foi, de resto, do que mais destaco deste período de isolamento social — a capacidade, tão portuguesa também, de nos adaptarmos à adversidade e de reinventarmos os nossos negócios.

Porque, mais que nunca, o dinheiro voltará a ser tema central (se algum dia deixou de o ser…) para os portugueses, é preciso também voltar a pensar num ecossistema de reforma saudável na área financeira, que traga de volta a inovação que tivemos há 30 anos com a criação da rede Multibanco — a mesma que fecha agora um mercado que precisa de se abrir à inovação e a novos players.

O sucesso de Londres como casa-mãe das fintechs na Europa dependeu do esforço coletivo de empreendedores, investidores, incumbentes e reguladores. Seremos capazes de replicar o modelo? O Governo deu o primeiro passo. Agora a responsabilidade é nossa.

  • Ricardo Macieira

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