Coronavírus aumenta incerteza, mas rondas de financiamento deverão continuar ainda que a um ritmo mais lento. Efeitos em Portugal serão "parecidos" com os do resto do mundo.
Sendo um negócio que, no dia-a-dia, já lida com um contexto de incerteza, investir em tempos de Covid traz novos desafios para os investidores de capital de risco por todo o mundo. Em Portugal, o cenário muda pouco.
Habituados a financiar projetos com um elevado grau de risco inerente, as venture capital nacionais olham para o mercado com diferentes olhos. Lurdes Gramaxo, investidora da Bynd Venture Capital, admite estar habituada a lidar com o risco “mas em cenários onde há alguma previsibilidade”. “É fundamental para permitir, tanto a investidores como a gestores, a definição de estratégias, delinear planos e agir em conformidade. A Covid 19 trouxe-nos uma crise diferente, com uma génese não financeira mas sanitária e, como consequência, um cenário novo de distanciamento social e shutdown forçado da economia cujos impactos, a médio e a longo prazo, são muito mais difíceis de prever”, refere, em conversa com o ECO.
Alexandre Barbosa, da Faber Ventures, acredita que esta é “uma situação de mercado extraordinária com impacto profundo e global, quer na sociedade, quer na economia“. A forma como a pandemia impacta em cada operação depende, sobretudo, da estratégia de cada fundo, garante o investidor. “Esta situação obriga a uma reavaliação iterativa dos riscos e das oportunidades que dela podem resultar no curto, médio e longo prazo, para que possamos ajudar os empreendedores a tomar decisões e suportar as nossas decisões de investimento. Depende da estratégia de cada fundo se a incerteza resultante deste tipo de crise vai ter mais ou menos impacto no seu portefólio e na sua operação”, sublinha Alexandre Barbosa, em entrevista ao ECO.
Para Alexandre Barbosa, a “atual situação de incerteza quanto ao grau de mudança que a sociedade vai sofrer no curto e no médio prazo, leva-nos a trabalhar conjuntamente com o nosso portefólio nos necessários ajustes operacionais imediatos, mas mantendo uma convicção muito forte relativamente ao potencial das empresas data-driven no mundo pós-Covid”. Por isso também, a Faber Ventures não alterou planos de investimento, ainda que a postura do fundo seja mais atenta face às oportunidades e a uma visão “de longo prazo sólida para os seus negócios”, por parte dos empreendedores.
Depende da estratégia de cada fundo se a incerteza resultante deste tipo de crise vai ter mais ou menos impacto no seu portefólio e na sua operação.
Lurdes Gramaxo, da Bynd, refere o mesmo. “Não adiámos nem cancelámos planos de investimentos. Continuamos a investir, tendo mesmo concluído um investimento no nosso novo fundo, durante o mês de março“, assinala. A mesma postura tem a Bright Pixel, com um fundo de oito milhões para investimento. “Não cancelámos planos de investimento. Continuamos ativos enquanto investidores e, se tudo correr bem, vamos poder anunciar novos investimentos nas próximas semanas. O que acontece é que estamos a avaliar melhor as oportunidades à luz do novo contexto económico e isso gerará uma maior demora na tomada de decisão“, assinala Alexandre Teixeira dos Santos, da Bright Pixel.
Por outro lado, a Portugal Ventures — que, em 2019, bateu recordes de investimento chegando aos 15,6 milhões de investimento em 28 startups — assinala um ajuste do plano de investimentos à nova realidade. “Estamos a trabalhar de muito perto com os participantes dos fundos de capital de risco que gerimos, no sentido de interpretarmos as novas necessidades do ecossistema do empreendedorismo, e encontrarmos soluções que vão ao encontro das necessidades do mercado e que passam forçosamente pelo reajustamento da nossa tese de investimento, mas que podem passar também pelo reforço de fundos e criação de novas teses de investimento”, assinala Rui Ferreira, da Portugal Ventures. O Governo lançou, de resto, em meados de abril, uma série de cinco novas medidas no valor de 25 milhões de euros para apoiar o ecossistema empreendedor português, responsável por 1,1% do PIB nacional em 2018, face aos efeitos da pandemia nos seus negócios.
Stephan Morais, managing general partner da Indico Capital Partners, sublinha que a pandemia traz um cenário particular de avaliação e de acompanhamento. “As necessidades são no apoio à decisão de como conservar tesouraria e como adaptar o plano de negócios e orçamento à nova realidade — em algumas, o investimento até aumenta para fazer face à nova procura, noutras tomam-se decisões difíceis mas inevitáveis”, assinala.
Estamos a avaliar melhor as oportunidades à luz do novo contexto económico e isso gerará uma maior demora na tomada de decisão.
Lurdes Gramaxo, da Bynd, detalha três dimensões transversais a todo o portefólio que têm sido reforçadas desde o início da pandemia: tesouraria, foco na inovação e manutenção do equilíbrio emocional. “A tesouraria, porque é o suporte da continuidade do negócio. A importância de manter o foco na inovação, fulcral nas empresas de base tecnológica, para não dispersar face às dificuldades do dia-a-dia. A crise apresenta para muitas empresas oportunidades de se reinventarem em novos modelos de negócios, em produtos ou serviços alternativos e, no caso em há significativas quebras de atividade, em se focarem no desenvolvimento e melhoramento do produto para voltarem ao mercado mais robustos mal haja uma retoma”, assinala. Já em matéria da manutenção do equilíbrio emocional, a investidora considera-a uma dimensão “essencial”. “Para muito dos nossos founders, este é o maior desafio que alguma vez enfrentaram e que terão que ultrapassar com as suas capacidades em pleno. É um enorme teste para estes empreendedores”, defende.
Manter o investimento bem perto
Ser investidor em tempos de Covid-19 é, pois, reforçar a presença no dia-a-dia das investidas. “Temos de apoiar ainda mais as nossas empresas, focar principalmente no portefólio atual mas ter atenção a novas oportunidades simultaneamente porque há setores que até dão resposta a novas necessidades fruto das circunstâncias”, assegura o investidor. “Nestas alturas, mais ainda do que normalmente, o melhor amigo do empreendedor é o seu sócio VC. Os empreendedores mais experientes forjam relações de grande confiança, abertura e partilha com os seus sócios investidores ao longo de anos e essas relações são cruciais nestas alturas”, sublinha o managing general partner da Indico Capital Partners.
Também Alexandre Barbosa acredita que, pela incerteza ligada à pandemia, é importante que os fundos de investimento mantenham uma forma “próxima” de trabalhar, tanto com as participadas como com os principais coinvestidores “de forma a ajudar os empreendedores a navegar esta situação”. Assim, será possível identificar impactos imediatos em cada negócio e encontrar soluções estratégicas e operacionais para ultrapassar os desafios.
“As necessidades mais imediatas prendem-se com a avaliação de riscos, impactos, prioridades e definição de medidas operacionais preventivas. É necessário preparar os negócios para lidar com um contexto de curto prazo em que se antecipa redução temporária de atividade económica em vários setores, mas também com oportunidades de médio/longo-prazo. É para estas oportunidades de médio/longo prazo que o tipo de empresas em que investimentos está mais vocacionada, e estas oportunidades não podem ser hipotecadas devido aos impactos de curto prazo”, assegura o investidor.
Pela dimensão do nosso mercado, Portugal pode ser mais afetado do que o geral, na Europa.
Alexandre Barbosa reconhece ainda que, perante a existência de três fatores que influenciam a dinâmica da indústria do capital de risco — tendência global dos mercados, realidade local dos mandatos de investimento (dos fundos) e oferta de oportunidades por parte dos empreendedores –, assiste-se, neste setor, “a um sentimento global de prudência e moderação em novos investimentos”. “É possível que as rondas de investimento mais expostas a coinvestimento com VCs internacionais, nomeadamente a partir de “Series A” ou outras lideradas por internacionais, possam ser mais afetadas, ainda que transitoriamente”, admite o fundador da Faber Ventures. Há, por isso, razões para acreditar que a dinâmica local de investimento poderá ser menos afetada, sobretudo em rondas iniciais de pre-seed e seed. “Há novos fundos no início do seu período de investimento, bem como vários fundos e veículos com mandatos de investimento ativos e prazos para alocação de capitais”, assinala Alexandre Barbosa.
Por outro lado, Stephan Morais defende que são os projetos a arrancar que terão mais desafios nesta fase. “Naturalmente as empresas mais pequenas terão mais dificuldade em atrair investimento para sobreviverem e o ecossistema português terá, porventura, uma maior percentagem de empresas mais pequenas que outros ecossistemas mais maduros”.
Face a uma “nova normalidade”, o fundador da Faber Ventures acredita ainda que se abrirá espaço, a nível económico e social global, para os negócios: menos restrições às startups mais capacitadas para criar/ servir o “novo normal”, para acelerar a transição digital das indústrias e das sociedades ou desenhadas de raiz para este novo contexto. “Portugal tem tradição de grande resiliência e criatividade em resposta a cenários de crise, como aconteceu na génese do atual ecossistema, e acreditamos no talento e na audácia dos empreendedores que escolhem lançar negócios de Portugal para o mundo e nos projetos de elevado potencial que continuamos a ver em preparação”, assinala ainda.
Da crise surgem oportunidades
O impacto da Covid-19 será geral para as empresas que já estão no mercado, “com inevitáveis implicações de curto prazo para muitas startups, tanto B2C como B2B, provocando constrangimentos de tesouraria, revisão de planos e mobilização de mecanismos de financiamento complementar”. “As empresas mais bem preparadas e ágeis ultrapassarão esta fase e estarão bem posicionadas para a retoma, enquanto outras poderão ver comprometidos os seus planos de desenvolvimento”, assinala Alexandre Barbosa.
Para Stephan Morais, é também nas alturas de crise que os investidores devem estar atentos, não só ao portefólio que já têm mas, sobretudo, a novas oportunidades de negócio. “Continuamos a receber propostas de investimento e a fazer a análise diária de muitas novas oportunidades. É também nas alturas de crise que muitas vezes surgem mais negócios inovadores e nós estamos muito atentos”, sublinha o investidor.
Rui Ferreira, da PV, assinala que a gestora de capital de risco tem “liquidez para fazer investimentos” e continua ativa no mercado, mantendo o trabalho de olhar para os projetos que vão surgindo. “Estamos a analisar os projetos de investimento que nos vão chegando, com propostas de valor que mantêm oportunidade de mercado, até para fazer investimentos em segundas rondas de projetos que precisam de runway para atravessar esta paragem forçada do mercado”.
É também nas alturas de crise que muitas vezes surgem mais negócios inovadores e nós estamos muito atentos.
Lurdes Gramaxo antecipa, numa primeira fase, uma retração no mercado, mas uma retoma gradual. “Alguns investidores falam em decréscimos de investimento superiores a 25% — equiparando a volumes semelhantes aos da crise de 2008. Esse decréscimo previsível, advém, em grande parte, do facto de os investidores estarem mais focados no apoio às empresas do seu portefólio e ao ajustamento dos seus critérios de investimento à nova realidade, até porque, dada a génese não financeira desta crise, não há falta de fundos para continuar a investir”.
“Após esta fase inicial, o capital de risco voltará a focar-se no investimento e nas oportunidades que a crise também representa, especialmente para as empresas de base tecnológica, com é o caso das plataformas de entrega de bens essenciais, das soluções inovadoras de software colaborativo que facilitem o trabalho remoto em áreas tão diversas como a educação, a medicina ou o controlo indústria e logístico”, acredita a investidora da Bynd. Lurdes Gramaxo aponta as empresas de biotech e de diagnóstico médico como setores “muito atrativos, não só pelo contributo que poderão dar na resolução do problema atual mas também noutros da saúde onde possam trazer vantagens acrescidas ao diagnóstico e ao tratamento”.
Para Lurdes Gramaxo, “ainda é cedo para prever o impacto que a crise poderá ter no ecossistema português“. No entanto, assegura a investidora, “já certo que vai obrigar a ajustes profundos que podem vir a ser determinantes para o negócio das startups”.
Dada a génese não financeira desta crise, não há falta de fundos para continuar a investir.
“Haverá setores mais afetados que outros, como serão todos cujo modelo de negócio obrigue a uma maior dependência do contacto físico com clientes, assim como todos os que se baseiam numa economia de partilha como as soluções de mobilidade, car-sharing ou trotinetas, por exemplo. Também estão mais vulneráveis startups em setores muito expostos à redução de atividade com o turismo, a restauração e a hotelaria”, assinala a investidora da Bynd, acrescentando que o trabalho não pára, mesmo com Covid. “Estamos já a fazer sourcing e screening de projetos que, eventualmente, acabarão em investimento se concluirmos que cumprem os nossos critérios. Critérios esses que foram também ajustados à nova realidade e à redefinição de quais serão os negócios do futuro pós-Covid-19″. Alexandre Barbosa refere a maior resiliência de soluções ligadas à inteligência artificial ou ao big data junto do segmento empresarial (B2B). “A nossa convicção é que este é, precisamente, o tipo de empresa mais resiliente e preparada para os impactos de curto prazo, bem como aquelas que vão (já estão a) acelerar a transformação digital de várias indústrias”.
Rui Ferreira antecipa, por parte do ecossistema nacional, uma maior dependência das empresas pelo mercado interno. “Pela dimensão do nosso mercado, Portugal pode ser mais afetado do que o geral, na Europa. Este é o cenário do copo menos vazio. Mas já aprendemos no passado, que as crises podem trazer estímulos importantes para o empreendedorismo”. No entanto, o investidor ressalva que o impacto no ecossistema nacional dependerá da “duração da crise”. “Se se prolongar mais do que é expectável neste momento, podemos estar a enfrentar a pior crise jamais conhecida no nosso ecossistema”, alerta.
O impacto que Portugal sofrerá não será, defende Alexandre Teixeira dos Santos, “muito diferente” dos restantes países europeus. “Vai verificar-se um arrefecimento nos próximos meses, decorrente do facto de se realizarem menos negócios do que o expectável. (…) Vamos também assistir a um efeito nas avaliações das startups, que verão o seu valor ajustado e reduzido face a uma realidade recente onde estávamos a assistir a avaliações crescentes no mercado. Esta adaptação tornará mais difícil para uma startup levantar capital e obter o mesmo nível de avaliação que obteria anteriormente. No entanto, estas repercussões serão sentidas a nível global”, defende.
Estamos já a fazer sourcing e screening de projetos que, eventualmente, acabarão em investimento se concluirmos que cumprem os nossos critérios. Critérios esses que foram também ajustados à nova realidade e à redefinição de quais serão os negócios do futuro pós-covid-19.
Alexandre Teixeira dos Santos acredita que, se no curto prazo “algumas startups enfrentarão muitas dificuldades, levando ao seu desaparecimento ou à desaceleração do seu crescimento por não conseguirem estender o capital que têm atualmente disponível”, a pandemia terá também reflexo na aceleração dos processos de digitalização em vários setores. E isso terá, a médio prazo, um efeito positivo. “Irá contribuir para que haja mais interesse em startups tecnológicas, com maior impacto em determinadas áreas, como é o caso do e-commerce, das ferramentas de produtividade, da segurança dessas ferramentas, da interação digital e das tecnologias ligadas a healthcare e well being”, afirma.
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