Pandemia acelerou revolução digital já em marcha
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são demasiado "macros". Aproximação da sociedade pode passar por "definir missões", ou seja, apelar às populações com objetivos concretos.
A Covid-19 veio acelerar uma revolução digital já em marcha. A convicção é generalizada, pelo menos entre os participantes no painel “Chegou a revolução digital”, no evento de estreia da Social Good Summit em Portugal, e totalmente dedicada ao pós-Covid-19.
“Temos aqui uma oportunidade porque estamos a ser obrigados“, assinala Carlos Moedas, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian e, até há bem pouco tempo, comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação. “Estamos a ver a inovação acontecer sem capital. E vemos a abertura aos dados, a artigos científicos. A cada 14 dias duplicamos os artigos científicos sobre Covid. Esta abertura e o preço da inovação vão baixar e isso é algo que temos de aproveitar socialmente para ter melhores resultados”, sublinha o responsável.
A crise é, por isso, a par de um desafio de reação face à realidade, uma oportunidade de reinvenção e de reavaliação. “Os nossos alunos, na sua larga maioria, são pessoas desempregadas”, assinala João Magalhães, CEO e fundador da Academia de Código, escola de programação portuguesa, sublinhando as mais variadas razões para esta situação profissional. “Às vezes chegam-nos candidatos que não sabem o que é programar, mas se há uma oportunidade querem explorar. (…) O que procuramos são talentos desperdiçados que querem ter uma nova oportunidade, e que gostam de tecnologia”, assegura o empreendedor.
Foi este envolvimento no impacto social que levou o Montepio, como outras instituições, a apostar e apoiar o projeto. Assim, o banco prepara-se para, através do seu braço de responsabilidade social, dar financiamento a pessoas desempregadas que precisem desta componente de inovação para conseguirem reentrar no mercado de trabalho, com novas competências.
“Antes de recrutarmos uma pessoa, olhamos para as 3.600 pessoas que temos e procuramos pessoas com o perfil comportamental e os valores porque acreditamos, que a técnica pode ser aprendida. Por outro lado, há uma procura gigante de skills técnicos e não pode haver ilusões: ou assumimos isso como um eixo nuclear ou alienamos a possibilidade de ter a dianteira nestes processos. A disputa por talento é tremenda por capacidade técnica, de programadores”, sublinha Pedro Leitão, CEO do Banco Montepio.
E se a revolução digital está, de alguma forma a ser forçada por uma pandemia à escala global, estará o mundo preparado para servir de palco a pessoas que, durante a sua vida, poderão passar por “oito carreiras distintas”, desafia a moderadora Inês Santos Silva, fundadora da comunidade Portuguese Women in Tech.
" A pandemia acelerou o que estivemos a batalhar durante décadas.”
“A pandemia”, assina Carlos Moedas, “tem uma uma parte positiva, de certa forma, em relação ao que lutámos durante anos. A revolução digital: andámos anos a tentar convencer e ver a resistência da educação, da saúde, e a nós próprios, que acabamos por estar a deslocar-nos para o nosso posto ou a viajar, sem um objetivo concreta. A pandemia acelerou o que estivemos a batalhar durante décadas”. Ao mesmo tempo, assegura o administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, “dá-nos a certeza de que o humano é mais importante do que o digital”.
Assim, questionado sobre se estaremos à altura desta “revolução”, Moedas remete para mais tarde essa previsão. “Ainda não temos uma resposta. O que temos são dados. Nos países onde o desemprego é mais baixo há uma ligação, ao longo de toda a vida, entre a escola e o trabalho. As pessoas não passam mais de um ano sem voltar à universidade. A questão é como conseguimos viver com a mudança contínua”, assinala Carlos Moedas. “Um dos grandes problemas da Europa é uma matriz de dualidade terrível, entre os que têm as suas regalias, desde que entraram no sistema há mais de 20 anos, e os que mudam de trabalho todos os anos ou têm uma relação laborar precária. É esta transição que vai ter de ser reinventada: redefinir o que é um sindicato, por exemplo, e aquilo que é a própria estrutura das instituições. Isso não vai ser construído pelos políticos mas bottom-up, com alianças entre estas pessoas, empresas, setor privado, banca e como, em conjunto, elas vão mudando as estruturas”.
“Há outro ponto muito importante: as reformas curriculares que, na educação, têm vindo a ser adiadas. É um ponto que já estava em cima da mesa e que vai ser mais premente”, assinala ainda João Magalhães. “Vejo Portugal como um país que pode ser exemplar em matéria de educação: somos um país pequeno e muito interessante para atrair estudantes estrangeiros”, sublinha.
Também para Pedro Leitão, CEO do Montepio, há um lado muito positivo nesta crise pandémica. “Esta pandemia é um mitigador da resistência à mudança que está na natureza humana, há processos que demoram anos”.
ODS demasiado macro
Um dos grandes desafios da ativação e concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que serviram de base a esta primeira conferência Social Good Summit, é o facto de serem tão abrangentes, assinalam os participantes.
“Os ODS são tão macro que é difícil mobilizar a população para contribuir”. Por isso, defende Carlos Moedas, é importante criar “missões”. “São estas missões”, assinala Carlos Moedas, “essas propostas concretas, que temos de encontrar, para entusiasmar as pessoas”, envolvendo-as.
Também para Pedro Leitão, “a tecnologia só faz sentido se for para melhorar a vida das pessoas”. “Se olharmos para a democratização da tecnologia, é isso que permite às pessoas que sintam melhores efeitos no seu dia-a-dia. A pandemia é um fenómeno fortíssimo, um tiro no porta-aviões”, assinala o CEO do Banco Montepio.
Por isso, a pandemia é também uma oportunidade para discutir “o futuro” e o presente do trabalho. “O confinamento tem uma série de aspetos desagradáveis, mas tem outro que nos põe à prova que é reinventar as nossas rotinas. São estes pequenos aspetos tangíveis, como encomendar compras de supermercado ou comida com entrega em casa, que provam o papel da tecnologia na vida das pessoas. A velocidade a que temos de fazer a requalificação é muito rápida”, sublinha o CEO do Banco Montepio.
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