Várias são as diferenças entre sociedades de grande dimensão e as de pequena, também denominadas boutiques. À Advocatus, quatro firmas garantem que existe espaço para todas.
Complementaridade ou concorrência? Foi esta a questão que a Advocatus colocou a quatro escritórios de advogados, de diferentes dimensões, sobre a dicotomia entre grandes firmas e boutiques. As opiniões dividiram-se, mas todos concordam que existe sempre a possibilidade de complementaridade.
“Ambos prestamos serviços jurídicos, logo somos concorrentes. Porém em alguns assuntos podemos colaborar e complementar-nos. Um cliente pode ter diferentes assuntos com uma grande sociedade e com uma boutique e às vezes colaboramos”, explica Duarte de Athayde, managing partner da Abreu Advogados, umas da big five composta por cerca de 200 advogados num universo de 300 colaboradores e em funcionamento há 27 anos.
Também Paulo de Moura Marques, sócio fundador e managing partner da AAMM, uma boutique com 12 advogados, considera que possa existir concorrência nas áreas em que as grandes sociedades e boutiques prestem os mesmos serviços, sendo que poderá existir complementaridade em projetos em que a boutique precise de apoio em número de advogados ou áreas que não tenha, “mas dificilmente o inverso”.
“Ao nível da obtenção de recursos humanos, nota-se que apesar das grandes sociedades de advogados continuarem a ser apelativas a jovens advogados, a ideia de boutique também tem um grande apelo. Paralelamente, as grandes sociedades em Portugal começaram há algum tempo, a olhar para as boutiques como uma fonte segura para o seu crescimento, através da sua incorporação como forma de multiplicação de resultados em áreas onde até podem já estar implantadas com especialistas, mas onde querem reforçar apostas e congregar maior fatia de especialistas de modo a aumentarem a quota de mercado nesses setores especializados”, assegura o líder da AAMM.
Para a SRS e CCSL Advogados existe espaço para todos no mercado da advocacia. “Na CCSL Advogados temos tido experiências de ser contratados ou indicados por sociedades de maior dimensão, de contratar ou indicar sociedades de maior dimensão e de concorrer com essas mesmas sociedades de maior dimensão”, conta José Calejo Guerra, managing partner da CCSL, uma boutique com 11 profissionais.
Para além da dimensão, qual são as grandes diferenças entre uma grande sociedade e uma boutique? Para Duarte de Athayde, a prestação de serviços especializados “numa única área de prática jurídica ou nicho” é o fator diferenciador.
“A boutique tem uma génese e vocação completamente definida. Em regra, cobre só uma ou duas áreas de especialidade, em geral algo complementares. Historicamente com génese familiar ou de advogados académicos”, assegura à Advocatus, Pedro Rebelo de Sousa, managing partner da SRS, sociedade com cerca de 170 colaboradores e três escritórios no país – Lisboa, Porto e Funchal
Tanto a AAMM e a CCSL concordam que o fator da dimensão é um aspeto diferenciador. “Há vantagens e desvantagens em ambos os modelos e, para um mesmo cliente, cada um pode funcionar melhor em momentos e situações diferentes, não sendo incomum, pelo menos na nossa experiência, haver assuntos com intervenção conjunta”, nota o managing partner da CCSL.
Paulo de Moura Marques assegurou que as principais diferenças residem em três aspetos: na dimensão, na vocação e no modo de relacionamento com os clientes.
O managing partner da AAMM refere que uma “sociedade full-service tem como vocação poder ser uma one-stop-shop para os seus clientes, ou seja, atrair os clientes para que todo o trabalho do mesmo seja feito no mesmo sítio, assim promovendo cross-selling entre as suas áreas internas e uma integração vertical do cliente. Em oposição, as sociedades boutique gostam dos nichos de trabalho onde estão implantadas e são procuradas pelos clientes, exatamente porque nessas estão os especialistas das diversas áreas o que o cliente conhece e reconhece em resultados”.
Para o advogado o relacionamento com os clientes é também uma das diferenças entre as grandes sociedades e as boutiques. “Numa grande sociedade e fruto da necessidade de colmatar grandes custos, o modelo interno de operação leva a que haja a necessidade de muito do trabalho de um cliente ser desenvolvido por colegas mais novos e com isso menos experientes, com afastamento dos sócios mais experientes, ainda que ao cliente seja dada a convicção que está a ser permanentemente acompanhado por um advogado experiente. Pelo contrário, em sociedades boutique, faz parte da sua cultura os sócios principais continuarem em relação direta com os seus clientes e executarem diretamente grande parte do trabalho”, explica.
Em sociedades boutique faz parte da sua cultura os sócios principais continuarem em relação direta com os seus clientes e executarem diretamente grande parte do trabalho.
À Advocatus, José Calejo Guerra assegura que as grandes sociedades são essenciais no mercado. “Esta dicotomia ‘pequenas versus grandes’ não é, nem deve ser posta numa lógica antagónica – na CCSL todos os sócios vieram de grandes estruturas e prezam muito o seu percurso tendo trazido para a CCSL, por habituação e por convicção, muito do que aprenderam nessas estruturas”, nota o managing partner. Ainda assim, o advogado tem a noção que numa economia como a portuguesa, o “risco de canibalização pelas sociedades de maior dimensão é mais relevante”, apesar de ter se vindo a comprovar que há possibilidade de coexistência desde que haja “qualidade”.
A visão das grandes sociedades: Abreu Advogados e SRS
Tanto a Abreu Advogados como a SRS Advogados são sociedades de grande dimensão no território nacional, mas ambas se mostram conscientes da necessidade de diversidade no setor.
Mas o que se pode considerar por uma grande sociedade de advogados? “Na nossa opinião e tendo em atenção o mercado português, diríamos que as grandes sociedades são todas aquelas que tenham mais que 100 advogados”, conta Duarte de Athayde.
O líder da Abreu Advogados considera ainda que a “faturação anual, o número de clientes/assuntos ativos e o track record de operações e assuntos que assessorou em cada ano” são outros dos fatores para esta caracterização.
Por outro lado, Pedro Rebelo de Sousa crê que sociedades de grande dimensão são as que “cobrem um espectro amplo de ramos de direito com um número de profissionais que, no universo português, deve ultrapassar no mínimo mais de centena/centena e meia de ‘fee earners’”.
Com três escritórios em Portugal – Lisboa, Porto e Funchal, o managing partner da Abreu Advogados considera que os clientes são o principal foco da firma.
“O nosso driver sempre foram os clientes e as suas necessidades e não o crescimento em si mesmo. Estamos atentos ao mercado, às tendências, às oportunidades e seguimos os nossos clientes para os seus mercados, procuramos responder e até antecipar as suas necessidades, o que tem ditado movimentos de expansão que fomos agarrando sem medo”, refere Duarte de Athayde.
O nosso driver sempre foram os clientes e as suas necessidades e não o crescimento em si mesmo.
Com um percurso de cerca de 30 anos, Pedro Rebelo de Sousa afirma que a SRS foi “claramente a primeira a afirmar os princípios da internacionalização e especialização”.
O managing partner afirma que a expansão e o crescimento são um foco da firma quando os clientes assim o exigem. “Foi sempre na qualidade e na satisfação dos clientes que colocamos o nosso principal foco”, nota.
Boutiques: as pequenas firmas na advocacia
Por boutique podemos considerar uma sociedade de advogados de “pequena ou média dimensão por critério de número de advogados (para o mercado português, até cerca de 20-25 advogados), que se organiza primordialmente para prestar serviços numa área de trabalho ou um conjunto de áreas de trabalho (sejam ramos de direito ou atividades/indústrias) particulares, com elevado reconhecimento do mercado face a esse grau de especialização e que congrega, por natureza, reconhecidos especialistas nessa mesma área ou conjunto de áreas”, segundo Paulo de Moura Marques, managing partner da AAMM.
“As sociedades boutique caracterizam-se, desde logo, por conseguirem conjugar numa mesma organização o binómio ‘dimensão reduzida vs. elevada especialização’, assim se distinguindo tanto das sociedades grandes como das práticas de menor dimensão. Adicionalmente as sociedades boutique caracterizam-se também pela independência e pela relação próxima com os clientes estratégicos, chegando a posicionar-se como verdadeiros advisers e não só conselheiros jurídicos”, explica José Calejo Guerra, managing partner da CCSL.
As sociedades boutique caracterizam-se também pela independência e pela relação próxima com os clientes estratégicos, chegando a posicionar-se como verdadeiros advisers e não só conselheiros jurídicos.
Para o líder da CCSL, o conceito de boutique é ainda bastante recente em Portugal e é fruto de dois movimentos de saída de advogados das sociedades de maior dimensão. “Por um lado, da saída de sócios com práticas consolidadas no mercado e, por outro, de uma nova geração de advogados, tipicamente pré-sócios, com uma experiência relevante e consolidada nessas mesmas estruturas de maior dimensão”, acrescenta.
A AAMM encontra-se em funcionamento desde 2012 e integra atualmente 12 advogados. Na boutique as principais áreas de atuação são as de direito público, contencioso e arbitragem. “Por indústria, que é outra forma como nos qualificamos, estamos muito ativos nas indústrias life sciences/farmacêutica, public authorities/entidades públicas, águas, ambiente e energia, desporto, turismo e hotelaria, aeronáutica e transporte aéreo”, refere Paulo de Moura Marques.
Para o managing partner, o modelo de expansão da boutique assenta numa regionalização, “em que se preservem as origens do escritório enquanto áreas do saber e indústrias onde estamos implantados”.
Já a CCSL está no mercado desde 2016 e possui uma equipa de 11 profissionais, sendo nove advogados. A boutique liderada por José Calejo Guerra centra a sua prática nas áreas de fiscal, imobiliário e financeiro, dispondo ainda de uma prática de contencioso para “suporte aos vários projetos acompanhados pelo escritório”.
“A sociedade encontra-se ainda em fase de crescimento e implantação no mercado pelo que temos previsto um crescimento sustentado nos próximos anos, provavelmente duplicando a equipa atual. Em qualquer caso não pretendemos crescer muito para além disso em termos de dimensão, de forma a garantir um acompanhamento de qualidade aos nossos clientes com envolvimento direto e pessoal dos melhores recursos que conseguirmos alocar”, nota o managing partner.
2020: uma nova década
Com a viragem para uma nova década, várias são as perspetivas para o setor da advocacia.
“Perspetivas de total mudança de paradigma num universo digital. E muito dominado pelo teletrabalho como agora se vê e a pluridisciplinaridade. Parceria cada vez mais íntima entre sociedades de advogados e clientes com partilha de risco”, são alguns das mudanças apontadas por Pedro Rebelo de Sousa, managing partner da SRS.
Já para o líder da AAMM a nova década resume-se à especialização. “As grandes sociedades têm de caminhar para aí, pois que o papel do advogado generalista se esbate rapidamente e esse é o nicho que assegura o sucesso das boutiques e prova porque razão as mesmas fazem sentido”, refere.
Duarte de Athayde assegura ser “cedo” para compreender os impactos da pandemia Covid-19 no mercado em geral. “Contudo, neste início de década, há desafios que já vêm de trás e que ganham uma nova força, onde podemos destacar sem sombra de dúvida a tecnologia e a exigência de mudanças mais céleres que trouxe consigo. É inegável que ela forneceu e continua a fornecer ferramentas que nos ajudam a prestar serviços jurídicos de uma forma mais célere, com maior fiabilidade, com mais consistência e mais rapidez”, nota.
“Nos últimos anos temos assistido a um crescimento da economia portuguesa, o que foi acompanhado por um crescimento da atividade jurídica e um crescimento dos escritórios intitulados boutique. De repente chegou o coronavírus e as contas ficaram baralhadas. Em qualquer caso, continuamos a acreditar que Portugal beneficia de um posicionamento de exceção que vai permitir o retomar da economia logo que a situação de confinamento a nível mundial se for liberalizando, ‘arrastando’ consigo o mercado jurídico”, assegura o managing partner da CCSL.
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