ASF empurra supervisão financeira do Montepio para o Governo
Quem supervisiona a Associação Mutualista Montepio Geral? O regulador dos seguros atira supervisão financeira para o Ministério da Segurança Social: tem de proteger associados e fiscalizar as contas.
Dois anos depois de o Governo ter criado o regime de supervisão financeira para o setor mutualista, a autoridade reguladora dos seguros veio agora esclarecer que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) continua com a responsabilidade de supervisionar as grandes mutualistas, como a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), nomeadamente quanto à defesa dos associados e à garantia de sustentabilidade económica e financeira das instituições.
A Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) publicou uma norma regulamentar para clarificar quais são as suas competências durante o período de transição de 12 anos de que as grandes mutualistas dispõem para se adaptarem às novas regras de supervisão financeira.
Não são muitas: cabe à ASF avaliar se as instituições estão a cumprir os atos necessários a uma gradual adaptação ao futuro quadro regulatório, segundo a norma regulamentar publicada na quarta-feira. O que quer dizer que a supervisão efetiva das mutualistas se mantém dentro da esfera de atuação do ministério liderado por Ana Mendes Godinho.
Embora a norma regulamentar tenha sido trabalhada durante meses, com a pandemia de Covid-19 a provocar alguns atrasos no processo, a publicação da norma regulamentar surge num momento sensível.
A AMMG ainda não apresentou as contas de 2019. Como o ECO tem vindo a noticiar, o braço-de-ferro com a auditora PwC por causa da avaliação atribuída ao banco deverá levar a desvalorização do património da mutualista que responde pelas poupanças dos mais de 600 mil associados: em vez da avaliação de 1.870 milhões de euros, o Banco Montepio passará a estar avaliado pelos seus capitais próprios, de 1.450 milhões. A mutualista terá de contabilizar imparidades entre os 300 milhões e os 400 milhões de euros por causa desta situação. Ao que o ECO apurou, apesar do tema do banco estar aparentemente ultrapassado, as contas continuam por fechar.
Zelar pelo interesse dos associados e assegurar sustentabilidade
A lei que criou o regime de supervisão financeira tem dois anos, tendo surgido quando o ministério de Vieira de Silva procedeu a uma revisão do Código das Associações Mutualistas. Ficou definido um período de 12 anos para as grandes mutualistas convergirem para o novo regime de supervisão financeira a cargo da ASF, mas desde logo ficaram dúvidas sobre quais são as responsabilidades de cada durante esse período transitório.
Foi então pedido à ASF que definisse por norma regulamentar, o âmbito, a natureza e o formato da informação prevista para o exercício dos respetivos poderes. Foi o que fez agora, passando para o ministério de Ana Mendes Godinho a responsabilidade de proteger os associados e fiscalizar as contas das grandes mutualistas.
O que diz a norma em concreto? “Cabe ao membro do Governo responsável pela área da Segurança Social a tutela efetiva das associações mutualistas (…). A ação tutelar sobre as associações mutualistas tem por objetivo, nos termos do artigo 128.º do Código das Associações Mutualista a:
- Garantia do cumprimento da lei;
- Promoção da compatibilização dos fins e atividades das associações mutualistas com os fins legalmente estabelecidos;
- Defesa dos interesses dos associados;
- Verificação da gestão técnica e financeira das associações, tendo em vista a sua sustentabilidade económica e financeira e a adequação e defesa dos interesses dos associados.”
A ASF repete a sua competência logo a seguir: “Se, no final do período transitório, a associação mutualista não preencher os requisitos financeiros exigidos no âmbito do regime de supervisão previsto no Código das Associações Mutualistas, não ingressa no referido regime de supervisão. Cabe à ASF a avaliação do cumprimento desses requisitos.”
São duas as associações mutualistas que estão neste regime: a AMMG e ainda a Monaf – Montepio Nacional das Farmácias. Foram as únicas do universo do mutualismo em Portugal que preencheram os requisitos de dimensão previstos na lei.
Foi já no quadro do novo regime de supervisão financeira que a ASF, que passou a ter de avaliar a idoneidade e a registar os gestores das grandes mutualistas, provocou a saída de Tomás Correia da liderança da AMMG, em dezembro passado. Mas este processo também não esteve isento de polémica. O regulador só fez essa avaliação de idoneidade depois de o Governo ter publicado uma norma interpretativa para clarificar que o regulador dos seguros tinha essa competência.
O ECO contactou o MTSSS, mas não obteve uma resposta até à publicação do artigo.
Associados enviam carta à ministra
Além das contas, há ainda outro tema pendente a preocupar um grupo de associados: os novos estatutos. Mas, neste caso, a “bola” está do lado do MTSSS, que há meses se encontra a avaliar o projeto de revisão estatutária apresentado pela mutualista ainda Tomás Correia era presidente.
Face à ausência de uma resposta, vários associados que fizeram parte da oposição à anterior liderança, entre eles Fernando Ribeiro Mendes (que concorreu contra Tomás Correia nas últimas eleições), Pedro Corte Real e os membros do conselho geral Carlos Areal e Viriato Silva, enviaram esta semana uma carta à ministra Ana Mendes Godinho pedindo uma audiência e explicações sobre o atraso. Também foi apresentado um requerimento na Direção-Geral da Segurança Social, que é quem está a analisar os estatutos.
É o mesmo grupo de associados que no final do ano passado pediu ao Governo para rejeitar os novos estatutos. Sublinham agora que a falta de ação da tutela neste processo está a atrasar mudanças necessárias na mutualista, com a conivência política.
A AMMG é a maior associação mutualista do país, com mais de 600 mil associados e cerca de 3.000 milhões de euros em poupanças. Detém, entre outros ativos, o Banco Montepio e a Lusitânia Seguros. Recentemente contratou Paulo Pedroso para a realização de estudos no setor mutualista e da economia social, com alguns dirigentes da AMMG a sublinharem o aumento da influência socialista dentro da instituição, como o ECO avançou em primeira mão.
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