Bazuca europeia afunda juros nacionais. Taxa em níveis pré-Covid, mas pode descer mais
Entre fundo de recuperação da Comissão Europeia e programa de emergência do Banco Central Europeu, Portugal tem margem superior a 40 mil milhões. Investidores e analistas mostram confiança reforçada.
A Europa está determinada a não deixar os países afundarem devido ao coronavírus. Para tentar lutar contra a maior recessão no pós-guerra, a Comissão Europeia propôs um fundo de recuperação com 750 mil milhões de euros (parcialmente a fundo perdido). O mesmo valor que o Banco Central Europeu (BCE) já tinha posto num programa de emergência. Apesar de Bruxelas ainda precisar de tempo para o plano sair do papel, Portugal já está a beneficiar da perspetiva de reforço do “poder de fogo” europeu.
“A proposta é próxima da que tinha sido feita por França e Alemanha, mas de alguma forma mais ambiciosa nos mecanismos de empréstimos”, explicam Alain Durré e Sven Jari Stehn, respetivamente economista-chefe global e para a Europa do Goldman Sachs. “Quanto à alocação por país, as simulações sugerem que pode beneficiar mais do que o esperado o sul da Europa (especialmente Espanha e Grécia) e os países do leste da UE (incluindo Polónia)“.
Portugal deverá receber 26,3 mil milhões de euros, divididos entre 15,5 mil milhões de euros a fundo perdido e 10,8 mil milhões de euros de empréstimos. Os economistas do Goldman Sachs lembram que é necessária aprovação unânime dos 27 Estados-membros pelo que “é muito provável que o processo de decisão dure ao longo do verão”, mas só a proposta já está a ter efeitos nos mercados.
"Quanto à alocação por país, as simulações sugerem que pode beneficiar mais do que o esperado o sul da Europa (especialmente Espanha e Grécia) e os países do leste da UE (incluindo Polónia).”
O juro das obrigações do Tesouro português a dez anos caíram para 0,61% esta quinta-feira. Este é o valor mais baixo desde o início de março, quando foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, e fica próximo da yield pedida pelos investidores a Espanha. Já o risco país, medido através do spread face ao juro das Bunds alemãs com a mesma maturidade, recuou para 104 pontos base, em mínimos também de dois meses e meio.
Desde 6 de março que spread não era tão curto
Fonte: Reuters
Europa tem 42,1 mil milhões para Portugal
“Temos visto uma compressão do spread das obrigações portuguesas, tanto que a diferença entre Portugal e Espanha tornou-se positiva”, diz Jens Peter Sørensen, analista chefe do Danske Bank. “A confiança dos investidores em Portugal não parece ter mudado muito“, refere, lembrando que o país foi menos afetado pelo vírus do que Espanha ou Itália.
Se a baixa incidência da Covid-19 (em comparação com outros países europeus) ajudou Portugal, foi o anúncio do BCE a determinar uma inversão no sentimento dos mercados. A chegada do vírus à Europa fez disparar os juros das dívidas, sendo que a yield portuguesa chegou a negociar acima de 1,4% a 18 de março, no valor mais elevado num ano.
Foi no dia seguinte que o BCE lançou um pacote de emergência através do qual vai comprar 750 mil milhões de euros em dívida pública e privada: o Pandemic Emergency Purchase Programme ou PEPP. “Não esperamos que a volatilidade nas yields seja totalmente limitada pelo programa de emergência do BCE, mas muito provavelmente irá limitar os níveis que poderão ser alcançados“, refere João Eufrásio, head of institutional portfolio management da BMO Portugal.
"Temos visto uma compressão do spread das obrigações portuguesas, tanto que a diferença entre Portugal e Espanha tornou-se positiva. A confiança dos investidores em Portugal não parece ter mudado muito.”
“Portugal, tal como muitos países da UE, está muito avançado na emissão de dívida em 2020. Em maio, Portugal já tinha emitido cerca de 50% da nova dívida esperada em 2020 e o acesso aos mercados continua sólido e favorável. As compras do BCE vão retirar peso da oferta em mercado primário e, assim, exercer uma pressão de queda nas yields”, aponta o gestor, antecipando que — caso não haja efeitos colaterais da contestação judicial da Alemanha ao BCE — o spread de Portugal face à Alemanha continue “contido”.
A aceleração da emissão de dívida pretende responder às necessidades do país de financiar as medidas de combate ao vírus. As regras flexíveis do programa poderão levar o BCE a comprar até 15,8 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro português ao longo deste ano. Assim, só entre o pacote de emergência do BCE e o fundo de recuperação da Comissão Europeia, o país poderá receber cerca de 42,1 mil milhões.
Face a esta rede de segurança, os analistas concordam que Portugal não deverá assistir a um agravamento dos custos de financiamento como o que se assistiu na última crise. Até porque, desde então, a dívida nacional passou a ser avaliada como investimento de qualidade pelas principais agências de rating.
"Não esperamos que a volatilidade nas yields seja totalmente elimitada pelo programa de emergência do BCE, mas muito provavelmente irá limitar os níveis que poderão ser alcançados.”
E consideram que as obrigações nacionais são um investimento interessante. “Como se espera que o ambiente de baixas taxas de juro se mantenha, continuamos a defender que a yield das obrigações portuguesas é atrativa para os investidores“, afirma João Eufrásio. “Ainda há uma margem decente”, concorda Sørensen.
Quanto à disponibilidade de dívida para ser comprado no mercado (dado que o BCE já era um dos grandes compradores de obrigações em mercado secundário e alargou ainda mais esse domínio), o analista lembra que há sempre espaço para os investidores adquirirem em mercado primário. “Penso que o maior obstáculo é o facto de Espanha e Itália serem mais líquidos e terem mais peso do que Portugal nos vários índices de obrigações soberanas”.
Apesar do otimismo, ambos lembram que há riscos. O head of institutional portfolio management da BMO Portugal aponta que “a médio e longo prazo, a sustentabilidade do spread atual precisa de estabilidade política” a nível nacional e europeu. O analista chefe do Danske Bank acrescenta que o declínio das receitas turísticas poderão causar uma deterioração mais significativa da economia. “Uma subida do défice e da dívida podem ser um risco para o rating, mas, do que vimos até agora, o risco parece modesto“.
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