Vem aí uma “pipa de massa” da Europa. Perceba as “bazucas”
Nem tudo está diretamente ligado à pandemia, mas entre o Fundo de Recuperação, o QFP, o SURE, o MEE, o BEI e o BCE será muito o dinheiro europeu que chegará a Portugal ao longo dos próximos anos.
“Uma pipa de massa“. Foi assim que José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, se referiu na RTP3 ao dinheiro que virá das instituições europeias nos próximos anos, principalmente do Fundo de Recuperação e do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, caso a proposta da Comissão Europeia seja aprovada pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu.
Ao todo, poderão ser mais de 78 mil milhões de euros — quase 40% do PIB de 2019 e semelhante ao empréstimo da troika em 2011, sem contar com a inflação — que vão “entrar” em Portugal nos próximos sete anos na forma de subvenções, empréstimos ou de forma indireta através de dívida adquirida nos mercados financeiros. Parte deste valor, o do QFP, já entraria de qualquer das formas e não está diretamente relacionado com a crise pandémica.
Fundo de Recuperação: 26,3 mil milhões de euros
É aqui que estará verdadeiramente o “dinheiro novo” e sem necessidade de reembolso, ainda que com alguma condicionalidade. Se a proposta da Comissão Europeia para o novo Quadro Financeiro Plurianual (QFP 2021-2027) e para o Fundo de Recuperação for aprovada pelo Conselho Europeu, Portugal deverá receber 15,5 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido, ao abrigo do Instrumento para a Recuperação e a Resiliência, tendo de investir esse dinheiro nas prioridades definidas em conjunto pelo Governo e pela Comissão Europeia. A palavra final é, porém, europeia, sendo que este apoio deverá começar em 2021 e prolongar-se até ao final de 2024.
Além disso, Portugal também poderá aceder a 10,8 mil milhões de euros sob a forma de empréstimos com condições melhores do que as que conseguiria no mercado. A Comissão Europeia já esclareceu que o montante será emprestado aos Estados nas condições exatas em que se financiou, sem cobrar nada mais, o que torna estes empréstimos potencialmente mais atraentes do que os do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
Mecanismo Europeu de Estabilidade: 4 mil milhões de euros
Logo no início da crise pandémica, o Eurogrupo discutir medidas para os Estados-membros no curto prazo, o que veio a resultar num acordo de três “redes de segurança” que os países já podem usar. Como descreveu Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, estas medidas são uma espécie de seguro que só serão utilizadas em caso de necessidade.
Uma delas é a linha cautelar do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) que ficou disponível sem condicionalidades específicas, além do cumprimento das regras orçamentais europeias (neste momento suspensas) a que os Estados-membros já estão obrigados por estarem na União Europeia. Cada país pode pedir emprestado ao MEE até ao máximo de 2% do PIB de 2019, o que no caso de Portugal corresponde a cerca de 4 mil milhões de euros. O empréstimo pode ser pedido até 2022 e têm uma maturidade de até dez anos.
SURE: Mais de mil milhões de euros
A revelação foi feita pelo presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, em entrevista à RTP3: a Comissão Europeia poderá vir a emprestar “mais de mil milhões de euros” através do SURE, o programa de apoio ao emprego que criou e que é uma das três “redes de segurança” para o curto prazo. Este montante virá através de um empréstimo que terá de ser reembolsado.
“Portugal poderá aceder a este financiamento para financiar as medidas de mercado de trabalho que tem adotado e que não se resumem ao lay-off. São também os apoios às famílias para o acompanhamento dos filhos por causa do fecho das escolas”, disse Centeno. O SURE, que no total terá 100 mil milhões de euros, ficará operacional até ao final de 2022, mas só ficará disponível quando todos os Estados-membros concluírem os procedimentos nacionais.
Existe ainda a terceira “rede de segurança” que é materializada na linha de crédito que o Banco Europeu de Investimento (BEI) tem disponível para as empresas. Contudo, neste caso não é possível saber o valor máximo que as empresas portuguesas poderão receber uma vez que o BEI avalia os pedidos e atribui o dinheiro com base no mérito da candidatura.
Orçamento comunitário: 33 mil milhões de euros
O Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 de 1,1 biliões de euros que a Comissão Europeia propõe, e que também requer a aprovação do Conselho Europeu e do Parlamento Europeu, deverá implicar cortes em certas verbas para Portugal face ao QFP 2014-2020. No total, deverão ser 33 mil milhões de euros para Portugal ao longo de sete anos. Este é o dinheiro que habitualmente chega do orçamento comunitário, o qual é financiado com base no RNB (rendimento nacional bruto) dos países.
Dentro do orçamento da UE há muitas “gavetas”. Entre elas está o novo Fundo de Transição Justa, destinado à descarbonização de regiões especialmente dependentes dos combustíveis fósseis, em que Portugal receberá 465 milhões de euros em virtude do reforço que foi feito neste mecanismo com montantes do Fundo de Recuperação proposto pela Comissão. Ou seja, parte destes 465 milhões de euros estão, na realidade, inseridos nos 15,5 mil milhões de euros referidos como subvenções para Portugal no Fundo de Recuperação.
Mas há muitas mais. Feitas as contas, conjugando o QFP com o Fundo de Recuperação, segundo a eurodeputada do PS, Margarida Marques, que está a negociar o orçamento comunitário em nome do Parlamento Europeu, os valores do reforço vão “na prática compensar a perda que [a proposta de 2018 da Comissão Europeia para o QFP 21-27] tinha nos valores da coesão e na PAC (segundo pilar)”.
BCE: 13,9 mil milhões de euros de dívida pública
Tudo dependerá da evolução do défice orçamental ao longo do ano e da autorização de endividamento líquido que o Governo venha a pedir no orçamento suplementar, mas os dados que existem atualmente indicam que o Banco Central Europeu (BCE) deverá adquirir dívida pública portuguesa suficiente para compensar o acréscimo de dívida que Portugal terá de emitir. Contudo, é de assinalar que esta não é uma relação direta: o BCE não financia diretamente ao IGCP, o que está proibido nos tratados europeus, comprando apenas as obrigações no mercado secundário.
Assim, com o seu programa pandémico de compras de 750 mil milhões de euros, o que poderá ainda ser reforçado e que acresce às compras que foram retomadas no final de 2019, o BCE poderá comprar dívida suficiente para o Estado financiar o défice de 2020 (cerca de 13,9 mil milhões de euros) e ainda mais: o montante indicativo, com base na chave de capital, vai até aos cerca de 16 mil milhões de euros e, além disso, o banco central neste momento pode desviar-se dos limites anteriormente impostos e comprar ainda mais dívida pública portuguesa. Seja qual for o valor, estas aquisições serão importantes para manter o financiamento da República a custos baixos e para tentar evitar especulação sobre a capacidade de Portugal de reembolsar a sua dívida.
Nesta “bazuca” de Christine Lagarde, a presidente do BCE, consta também uma componente para as empresas europeias. Porém, em Portugal a maioria das empresas recorre ao financiamento bancário em vez dos mercados financeiros, ficando de fora desta possibilidade.
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