Governo lança novas linhas de crédito, mas avisa que banca tem de correr riscos

Novas linhas de crédito vão ser dirigidas "para segmentos onde existe mais procura e em que o acesso ao crédito não é tão simples", revela secretário de Estado da Economia. PME vão ser a prioridade.

Será “num futuro muito próximo” que o Executivo vai lançar as novas linhas de crédito com garantia do Estado. Quem o diz é João Neves, o secretário de Estado Adjunto e da Economia. Em causa estão 6,8 mil milhões de euros que correspondem ao remanescente dos 13 mil milhões autorizados por Bruxelas, ainda em abril.

Temos cerca de cinco mil milhões de linhas de crédito com contratos estabelecidos entre os bancos e as empresas o que é sensivelmente o que foi feito em linhas garantidas pelo Estado ao longo de todo o ano de 2019″, sublinhou o responsável, em entrevista ao ECO. Agora, as novas linhas serão direcionadas “para os segmentos onde existe mais procura e em que o acesso ao crédito não é tão simples”, nomeadamente às PME, explicou.

João Neves aproveita para deixar um recado à banca: “Julgo que é muito errado olharmos para a situação em que vivemos e dizer que só se houver garantia pública é que os bancos podem emprestar dinheiro às empresas”. “O sistema bancário existe para correr o risco inerente à sua própria atividade“, conclui.

O responsável lembra que o Estado tem apoios muito diversificados — para breve está também prometido o fundo de capitalização das empresas — e que a discussão não deve ser feita apenas em torno da execução das linhas de crédito.

O Orçamento Suplementar poderia ter ido mais longe em termos de investimento público para funcionar como alavanca para o investimento privado?

Acho que não. Já no Orçamento inicial tínhamos um esforço de investimento público bastante mais acentuado do que o executado no ano anterior. E sabemos bem a dificuldade de concretização de algum investimento público que tem características infraestruturais e um prazo de execução mais alongado no tempo. Mas acho muito curioso que se passe de ter uma discussão sobre o valor da iniciativa privada e do investimento empresarial — e, nos últimos anos boa parte da nossa recuperação económica assenta no esforço das empresas e do investimento empresarial privado –, para os malefícios de uma lógica em que investimento público afinal não é tão grande como se desejaria. Uma economia competitiva tem de ser feita com a criação de riqueza sobretudo do lado das empresas e da atividade empresarial. O Estado tem um papel essencial de suporte infraestrutural e regulatório e por isso tem de fazer os investimentos que correspondam às necessidades de um país competitivo. O inverso não é a lógica mais acertada.

É nesse suporte que se inserem as linhas de crédito com garantia do Estado? Esgotados os 6,2 mil milhões iniciais, quando vão ser lançadas as linhas restantes até perfazer os 13 mil milhões autorizados por Bruxelas?

Temos tido uma intervenção muito diversificada. Os apoios do lado do Estado não são só linhas de crédito. Têm muitas outras dimensões. O debate começou por ser feito sobre a não importância das linhas de crédito, porque seriam dívida. Depois, rapidamente passou para toda a gente apenas discutir como está a execução das linhas de crédito. Estou absolutamente confortável porque acho que temos valores bastante mais expressivos do que outros países na utilização de capital alheio por via das linhas de crédito. Mas a discussão tem de ser razoável. Temos cerca de cinco mil milhões de linhas de crédito com contratos estabelecidos entre os bancos e as empresas o que é sensivelmente o que foi feito em linhas garantidas pelo Estado ao longo de todo o ano de 2019. Isto dá bem a dimensão da intervenção que nestes dois meses foi possível fazer à volta das linhas de crédito.

Por outro lado, fizemos pagamentos no âmbito dos Sistemas de Incentivos (SI) em torno de 400 milhões de euros, a não recuperação de reembolsos foi de 100 milhões de euros, lançámos programas específicos à readaptação de atividades empresariais com cerca de 730 milhões de euros e já aprovámos montantes em termos de investimento de cerca de 200 milhões de euros. Fizemos um programa para micro e pequenas e médias empresas adaptarem o seus espaços económicos: 17 mil empresas que viram os seus projetos aprovados em cinco dias. Em menos de três semanas tínhamos pago mais de 20 milhões de euros dos 50 que tínhamos colocado à disposição desta linha Adaptar para microempresas. Os apoios do Estado têm sido, nas diferentes dimensões, linhas de crédito incluídas, e vamos lançar outros apoios quer em linhas de crédito quer em SI que sejam adaptados à situação que a economia vive.

O sucesso desses apoios demonstra a necessidade que as empresas têm dos mesmos. Quando será lançado o remanescente das linhas de crédito?

Vai ser num futuro muito próximo. Todas as coisas têm o seu tempo. Vamos abrir linhas de crédito tentando dirigi-las para os segmentos onde existe mais procura e em que o acesso ao crédito não é tão simples. Ao invés de tentar lançar muito rapidamente apoios de natureza generalizada com eficácia eventualmente menor. Não nos podemos esquecer que o sistema bancário atribui no crédito à atividade empresarial no valor de 35 mil milhões de euros. Se tivermos três mil milhões de euros por mês, numa lógica de distribuição muito linear, teríamos em dois meses qualquer coisa como seis mil milhões de euros. Se as nossas linhas de crédito já cobriram cerca de cinco mil milhões de euros, isso significa que o crédito concedido pelo sistema bancário à atividade empresarial durante este período foi quase exclusivamente suportado em garantias do Estado. Ora, o sistema bancário existe para correr o risco inerente à sua própria atividade. Tal como uma empresa têxtil ou de calçado, quando faz um investimento procura o seu mercado e tem o risco dos seus clientes pagarem ou não, e o produto ser ou não adaptado aquilo que as pessoas pretendem, também o funcionamento do sistema bancário tem de correr os riscos inerentes. Portanto, julgo que é muito errado olharmos para a situação em que vivemos e dizer que só se houver garantia pública é que os bancos podem emprestar dinheiro às empresas.

Julgo que é muito errado olharmos para a situação em que vivemos e dizer que só se houver garantia pública é que os bancos podem emprestar dinheiro às empresas.

Mas os bancos podem cobrar pelos empréstimos valores proibitivos para as empresas, em especial neste período pandemia. Isso pode pôr em causa a sua viabilidade económica?

Não me parece que as taxas de juro nas operações ativas na atividade empresarial sejam demasiado caras. Aliás, temos, nestes últimos anos, um percurso histórico de aproximação das condições de acesso ao crédito por parte das empresas portuguesas em relação ao que têm as congéneres europeias. Tivemos diferenciais muito mais elevados no passado do que temos hoje. O preço do crédito está a um nível historicamente baixo. Havia a crítica de que as taxas de juro eram demasiadamente baixas para valorizar o risco ou não do investimento empresarial. Não estamos com problema de custo. Claro que há situações em que o próprio risco da empresa determina que o seu valor do ponto de vista de operação é demasiado elevado. É o mercado a funcionar. E não é por uma situação de emergência que estamos a viver que isso vai ser alterado.

As novas linhas de crédito vão concentra-se em que setores?

As linhas vão estar distribuídas por estruturas de empresas e não por setores de atividade económica. A autorização de Bruxelas é para disponibilizar crédito a todo o tipo de empresas, mas a nossa prioridade é, obviamente, garantir crédito às estruturas dimensionais de empresas que respondem à nossa especialização do ponto de vista industrial e económico. O que temos são maioritariamente PME.

Os apoios do Estado deveriam ser mais ao nível da capitalização das empresas?

Temos apoios muito diversificados e vamos continuar a ter. Nos segmentos de acesso ao crédito que são importantes para as atividades locais, para o microcrédito, para algum crédito de dimensão mais elevado sobre qual é importante que haja garantia de Estado, com certeza que o vamos fazer, mas também vamos lançar outros instrumentos no futuro mais próximo, que são mais adaptados a uma situação que são já de tentativa de recuperação. Os instrumentos de capitalização são claramente uma das prioridades que vamos ter.

As linhas vão estar distribuídas por estruturas de empresas e não por setores de atividade económica. A autorização de Bruxelas é para disponibilizar crédito a todo o tipo de empresas, mas a nossa prioridade é, obviamente, (…) as PME.

A criação de um veículo especial para aquisição de dívida emitida por PME?

Sim, mas também a existência de um fundo para capitalização de empresas é algo muito importante. Tínhamos vindo a ter um percurso de recuperação das autonomias financeiras das empresas neste período de recuperação económica que vivemos. Recuperámos em cinco anos cerca de oito pontos percentuais. Estávamos com autonomias financeiras já bastante interessante face ao que historicamente tínhamos tido. Mas temos de ter consciência que esta crise económica vais deteriorar muito a situação financeira das empresas, no final do ano. Para além de mecanismos orientados para a tesouraria e para a manutenção de empresas e emprego, como as linhas de crédito, os adiamentos de responsabilidade, o pagamento de lay-off simplificado, vamos ter de ter instrumentos que reforcem os capitais permanentes das empresas.

Este fundo estará operacional antes do final do ano?

Com certeza que sim.

Tem ideia de quando?

Temos recursos nacionais, mas temos de os alinhar com os instrumentos comunitários. Temos de construir os instrumentos de forma a usufruir das regras em função do que vai ser decidido neste próximo mês, esperamos, sobre os programas de recuperação da UE. No quadro dos instrumentos apresentados pela Comissão Europeia, temos instrumentos dirigidos à solvência das empresas e de suporte à capitalização de empresas.

Portugal vai ter capacidade para absorver tanto dinheiro num tão curto espaço de tempo?

Julgo que sim. O que temos de bom na nossa história recente é de uma execução bastante forte da dimensão económica dos fundos estruturais. Nos anos mais recentes, com o Compete, nas operações relacionadas com as empresas temos as taxas de execução mais altas de todo o quadro comunitário de apoio e das mais altas no contexto da UE. Obviamente que a questão não está em saber se vamos ou não vamos. Vamos, com certeza! E é para isso que nos temos de mobilizar, quer do lado do Estado quer do lado das empresas, para encontrar bons projetos em função daquilo que vai ser a dinâmica do mercado no pós-crise, porque, tudo indica, não vai ser igual ao que era no período antes da crise.

No último concurso, a decorrer antes da pandemia, no âmbito do Sistema de Incentivos, as candidaturas dos projetos mais avultados eram na área do turismo, que estava em enorme expansão. O que vai acontecer a esses projetos? Vão ser recusados? Redimensionados?

No contexto das candidaturas abertas no âmbito do Sistema de Incentivos (SI), o turismo tinha uma expressão relativamente reduzida. Aliás, no SI temos uma presença de alguns projetos, obviamente muito interessantes, com alguma dimensão, mas não temos, nem de perto nem de longe, investimentos dominados pelo setor turístico. Não me parece que exista nenhum problema. Aliás, naquilo que foram os concursos abertos já durante esta crise, nomeadamente de readaptação de atividades produtivas para a produção de equipamentos, de máscaras ou de ventiladores tivemos centenas de milhões de euros de investimento. Não estamos, de todo, com problemas de execução ou de qualquer natureza que resulte de uma presença excessiva do setor turístico. As empresas da atividade turística, e outras, vão, com certeza, sinalizar as suas intenções de investimento em função da recuperação dos mercados e as que acharem que não têm condições de rentabilidade dos projetos, como é natural em todas as circunstâncias, não os concretizar e desistir das suas intenções. Estamos com níveis de solicitações de apoios para investimento muito animadoras.

De que montantes estamos a falar?

Mais de dois mil milhões de investimento, submetidos nestes três meses. Não é por falta de intenções de investimento que vamos ter problemas no futuro.

E por falta de dinheiro? Tendo em conta que foi necessário fazer uma programação e o dinheiro desviado para outras coisas que inicialmente não estava não se estava à espera antes da pandemia.

A reprogramação é algo absolutamente normal. Acontece em todos os quadros comunitários de reafetação em função de prioridades que são, não apenas redefinidas em função da evolução da situação económica, como também dos níveis de procura das medidas. Um quadro comunitário, entre a sua preparação e a sua execução, dura cerca de dez anos. A reprogramação é isso mesmo: é encontrar nas prioridades que temos pela frente as reafetações orçamentais que precisam ser feitas. E isso não é nenhum drama.

Mas Portugal já tinha feito a reprogramação que achou que faria sentido do ponto de vista de readaptação estratégica.

Agora com a pandemia. tem de se fazer o ajustamento necessário, como a própria Comissão Europeia indicou. Rapidamente admitiu a possibilidade de reafetar fundos entre o Feder e o FSE e o Fundo Coesão com muito maior simplicidade do que aconteceu em qualquer outra circunstância. Houve também flexibilidade do ponto de vista das prioridades temáticas que estavam definidas desde início deste quadro financeiro plurianual. Adaptámos a nossa margem orçamental para as prioridades do momento.

Já está fechado o valor global da reprogramação?

O Ministério da Economia não tem responsabilidade sobre a gestão do Quadro Financeiro Plurianual. É da competência do Ministério do Planeamento. Mas do lado das atividades empresariais não vamos ter recursos a menos para aquilo que é a intenção de investimento do lado das empresas.

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