Banco de horas individual acabou. Que alternativas existem?
A partir desta terça-feira, dia 1 de outubro, cessam todos os bancos de horas individuais. Com a revisão de 2019 da lei laboral foi criado, em alternativa, o banco de horas grupal.
Apesar dos patrões terem apelado ao prolongamento por mais um ano dos bancos de horas individuais, o Governo não cedeu e esse regime termina mesmo esta terça-feira. Em alternativa, os empregadores podem avançar com a implementação de bancos de horas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de bancos de horas grupais, modalidade criada em 2019 aquando da revisão do Código do Trabalho.
Entre as alterações feitas, no ano passado, à lei laboral esteve a eliminação do regime do banco de horas individual, tendo ficado previsto que os bancos de horas que estivessem a ser aplicados nessa ocasião poderiam continuar a funcionar até 30 de setembro de 2020. Ficou estabelecido, assim, que a 1 de outubro deste ano esses bancos de horas individuais seriam dados como extintos, o que acontece esta terça-feira.
Em alternativa, foi criado o banco de horas grupal, que pode ser aplicado ao conjunto de trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica, mediante um referendo e o “sim” de, pelo menos, 65% desses trabalhadores.
De acordo com a lei em vigor, uma vez acordado, o banco de horas grupal pode implicar um aumento de até duas horas do período normal de trabalho diário. Numa semana, o trabalhador passa a poder trabalhar até 50 horas. Já a nível anual, o acréscimo está limitado a 150 horas.
Nesse ponto, não há diferença entre o novo banco de horas grupal e o agora extinto banco de horas individual, daí que o advogado André David saliente que, nesse sentido, o segundo regime poderá ser uma alternativa ao primeiro.
O empregador que queira avançar com o banco de horas grupal deve, em primeiro lugar, elaborar um projeto de regime de banco de horas, que deve regular: o âmbito da aplicação, o período (que não pode ultrapassar os quatro anos), a compensação pelo trabalho prestado em acréscimo (redução equivalente do tempo de trabalho, mais férias ou dinheiro) e a antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho.
Uma vez feito esse projeto, o empregador deve afixá-lo e apresentá-lo aos trabalhadores, com antecedência mínima de 20 dias em relação à data do referendo. Deve também e em simultâneo remeter uma cópia da convocatória à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Se 65% dos trabalhadores disserem “sim” ao projeto do banco de horas, o regime passa então a ser aplicado ao grupo por inteiro. Já se o projeto chumbar, o empregador só poderá realizar um novo referendo um ano depois.
É neste ponto — isto é, na implementação por via de um referendo — que reside a maior diferença entre o banco de horas grupal e o banco de horas individual. “A principal distinção reside na impossibilidade da sua aplicação através de acordo individual com cada um dos trabalhadores abrangidos e pelo seu novo modelo de implementação por referendo estar sujeito a um procedimento específico com especiais deveres de informação”, explica o advogado André David, ao ECO.
Anteriormente, se 75% dos trabalhadores de um determinado grupo acordassem individualmente um regime de banco de horas (individual), o empregador podia estender a sua aplicação aos demais, convertendo-o em “grupal” sem que certos trabalhadores (no máximo 25%) se pronunciassem, lembra o mesmo especialista. Tal deixa agora de ser possível.
“No novo regime, todos os trabalhadores de determinado grupo a quem potencialmente se aplique o regime de banco de horas são chamados a pronunciar-se através de referendo“, sublinha André David.
O advogado conclui, por isso: “O novo regime de banco de horas grupal traduz-se, em abstrato, num regime mais protetor dos trabalhadores pelas obrigações acrescidas de informação e controlo que a sua implementação acarreta para o empregador”.
Já a advogada Sofia Sílvia Sousa salienta, por outro lado, que o novo regime é sinónimo de menos flexibilidade, qualidade que seria apreciada neste momento mais difícil para as empresas.
“O [novo] mecanismo é de mais difícil implementação. O banco de horas individual podia ser utilizável caso a caso para necessidades específicas. O banco de horas grupal reduz as possibilidades do empregador na medida em que só pode ser aplicado a um conjunto de trabalhadores”, salienta a advogada especialista em lei laboral, referindo que o novo processo é “mais formal e complexo”.
Por isso mesmo e face ao impacto da pandemia de coronavírus no tecido empresarial português, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) pediu ao Governo o adiamento do fim do banco de horas individual, mas viu o seu requerimento rejeitado.
“O tempo para as empresas se adaptarem à nova realidade [o banco de horas grupal] não foi suficiente e coexistiu com o tempo de pandemia, durante o qual as empresas estiveram focadas na sua sobrevivência e na manutenção dos postos de trabalho”, salienta Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, em conversa com o ECO. “Era um pedido mais que legítimo. Lamentamos profundamente [a resposta do Governo]”, acrescenta.
Para o líder da APED, o bando de horas grupal obriga “a uma série de procedimentos morosos e a um investimento por parte das empresas”, não sendo uma opção “fácil ou adequada” ao contexto atual. “É uma dificuldade processual grande, que traz obstáculos à vida normal das empresas. Não estávamos contra a legislação, o que pretendíamos é que houvesse um bocadinho mais tempo”, salienta Lobo Xavier.
Em declarações ao ECO, a secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) adianta que já há relatos de empresas que consideram negativa a eliminação do banco de horas individual. “O banco de horas grupal é muito burocrático”, frisa Ana Vieira, referindo que a reposição do regime em questão poderia ser positiva para o tecido empresarial.
Do lado dos sindicatos, a líder da CGTP adianta ao ECO que há grandes empresas a “aproveitarem-se” da pandemia para impor bancos de horas grupais. “Os trabalhadores vão trabalhar mais horas sem receber por isso. Isto é um atentado à organização do tempo de trabalho, que deve permitir a conciliação da vida pessoal e profissional, mas também é uma diminuição da retribuição dos trabalhadores”, frisa Isabel Camarinha.
À disposição das empresas estão, além disso, os bancos de horas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, que têm contornos ligeiramente diferentes dos bancos de horas grupais.
O regime em causa permite o acréscimo de até quatro horas ao período normal de trabalho diário, não podendo a semana de trabalho ultrapassar as 60 horas. No ano, o limite de horas adicionais está fixado nas 200, embora esse teto também possa ser aumentado em sede de negociação coletiva.
Tal como a designação indica, este último regime aplica-se aos trabalhadores abrangidos por negociação coletiva, enquanto o banco de horas grupal inclui trabalhadores não cobertos por instrumentos desse tipo.
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