Para quando uma recuperação do turismo? 9 respostas de profissionais e especialistas
No dia em que se comemora o Dia Mundial do Turismo, o ECO falou com nove profissionais e especialistas deste setor para perceber o que podemos esperar do futuro.
O turismo foi — e continua a ser — um dos setores mais afetados pela pandemia. As quebras de receitas foram astronómicas e os postos de trabalho perdidos consideráveis face à evolução dos resultados até 2019. De acordo com os números oficiais, verificou-se um aumento de emprego no turismo, com um peso de 6,9% na economia nacional (336,8 mil empregos em 2019; dados alojamento, restauração e agências de viagem). As receitas turísticas aceleraram (+8,1%) e os proveitos globais também (+7,3%), mais do que o aumento de dormidas (+4,1%). Um setor que valia cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB).
Numa altura em que o setor começa a dar os primeiros passos para uma recuperação, e no dia em que se comemora o Dia Mundial do Turismo, o ECO falou com nove profissionais e especialistas do setor para perceber o que podemos esperar do futuro.
Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal
“Historicamente, o turismo é um setor resiliente que sabe adaptar-se às circunstâncias e sobreviver. Haverá sempre crises, maiores ou menores, mas esta é, claramente, uma das mais desafiantes. Porquê? Porque está relacionada com questões de saúde pública, fora do âmbito estrito da economia e de impacto global. A recuperação exige assim respostas transversais e concertadas.
Para além do fortíssimo impacto económico, esta é sobretudo uma crise de confiança — do consumidor e das empresas — pelo que é determinante atuar a esse nível. É assim importante sinalizar aos turistas e às empresas do turismo que há uma “luz ao fundo do túnel” e que é possível recuperar.
Muitas empresas investiram nos seus negócios, diversificaram no território e apostaram em novos segmentos e mercados. Agora, há que apostar na formação, uma área que continua, e deve continuar, a ser prioritária para as empresas. Prova disso são as mais de 64 mil pessoas que, nos últimos meses, têm vindo a receber formação online pelas Escolas do Turismo de Portugal.
Vamos voltar aos números do passado? Sim, quando conseguirmos recuperar o turismo em todo o território, ao longo de todo o ano, e voltar a crescer em receitas acima do crescimento em número de turistas. Se já conseguimos que o turismo em Portugal crescesse 60% em quatro anos, não duvido de que o voltaremos a fazer!”.
Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP)
“A propagação da Covid-19 surpreendeu-nos a todos, sendo ainda uma incógnita no que se refere à sua evolução e impacto. O turismo tornou-se, desde o início, a atividade económica mais exposta a esta crise sanitária, porque as pessoas simplesmente deixaram de viajar, de se instalar em hotéis, de frequentar restaurantes, de alugar viaturas, de ir a eventos, de participar em congressos, de visitar atrações turísticas, etc. Praticamente tudo o que envolve a atividade turística ficou interdito durante um período considerável e agora apresenta grandes limitações.
Infelizmente, o impacto é gigantesco. As empresas de turismo estão habituadas a lidar com a adversidade. São, inclusive, as primeiras a recuperar das crises económicas e financeiras. Mesmo antes desta situação, as empresas já apresentavam outros problemas, como as dificuldades de acesso ao financiamento e uma carga fiscal excessiva. A pandemia veio trazer enormes dificuldades às empresas, que viram as suas receitas a descer abruptamente. As projeções da CTP apontam para uma redução de 70% de receitas.
É difícil fazer previsões neste cenário, mas diria que o turismo nunca [voltará aos números de 2019] antes de 2022 ou 2023. E para que isso aconteça, o turismo precisa de medidas que o coloquem novamente como o motor da economia nacional, tais como a reposição do lay-off simplificado, a rapidez na execução das medidas do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) e das medidas de capitalização das empresas e a garantia de que a “bazuca” europeia chega às empresas e à economia real a tempo de evitar uma tragédia. Sem estas medidas será muito difícil e lenta a recuperação.
As decisões do Governo no que toca às quatro medidas citadas serão determinantes para a recuperação do turismo. Naturalmente que também dependerá da evolução da pandemia e da rapidez com que conseguirmos uma vacina e/ou tratamento eficaz para este coronavírus. Assegurada a questão da saúde pública e com o apoio do Governo e da União Europeia, creio que o turismo reassumirá o papel decisivo na economia nacional e global”.
José Theotónio, CEO do Grupo Pestana
“Quando pensamos que estamos preparados para todos os cenários de incerteza a realidade consegue-nos sempre surpreender. No dia 7 de março assisti ao Inglaterra – Gales em rugby num estádio com 85 mil pessoas. No dia 16 de março fechávamos a primeira das 100 unidades que tínhamos abertas e no final de março todas as unidades Pestana estavam encerradas, com exceção das que prestavam apoio a equipas hospitalares sem cobrar qualquer valor. Se alguém diz que imaginou uma situação como esta, provavelmente, mente.
O impacto foi enorme. Vínhamos de um período ímpar de crescimento, com perspetivas ótimas, e em pouco mais de duas semanas ficámos completamente parados. Em abril e maio não se emitiu uma única fatura nos nossos hotéis e depois a retoma tem vindo a acontecer a um ritmo muito lento.
Quando é que voltaremos aos números de 2019? Quem tiver essa resposta, sem “inventar” responda-me e serei o mais agradecido. Ficará o meu guru da gestão. O que sabemos é que na última crise, que começa no último trimestre de 2008, só se começou a recuperar a partir de 2013 e que os resultados de 2007 e 2008 — os melhores até então — só foram ultrapassados oito anos depois, ou seja, em 2016. Esta crise é muito diferente, porque é mais repentina e abrupta. Mas a indústria para voltar a ter níveis de rentabilidade aceitáveis não necessita de chegar aos anos fantásticos que foram os anos de 2017 a 2019. Basta chegarmos a 60% desses valores, que se alcançaram algures entre 2014 e 2015″.
Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do Grupo Vila Galé
“Estou na Vila Galé desde 1996 e tivemos muitos momentos desafiantes, desde os ataques do 11 de setembro em 2001, a nuvens de cinza vulcânica, crises económicas globais e até epidemias como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) de 2002. Mas nunca imaginei que pudéssemos passar por uma pandemia com efeitos com esta dimensão e impacto. Foi a maior surpresa da minha atividade profissional.
O turismo e, consequentemente, a hotelaria estão a ser os setores mais afetados, tendo em conta que houve uma paragem total das viagens e que, por falta de procura, fechámos a maioria dos hotéis durante alguns meses. O impacto ainda se mantém de forma séria e acentuada, sendo estimadas quebras a nível nacional entre 70% e 80%. Este cenário e a previsão de se manter assim por vários meses poderão pôr em causa a sustentabilidade de muitas empresas do setor.
. Quando é que o turismo voltará aos números de 2019? Todos gostávamos de ter essa resposta, mas dada a volatilidade da situação, torna-se difícil fazer previsões. Mas pode efetivamente demorar vários anos, devido à recessão económica e financeira em que vamos entrar. Apesar da pandemia, a vontade de viajar e de explorar novos locais e culturas e de conhecer outros povos não vai desaparecer. As pessoas vão querer continuar a viajar, mas o número de consumidores e a oferta turística vão diminuir.
Também é difícil antecipar como será a recuperação. Tendo em conta o cenário atual, será certamente lenta e progressiva. Temos de fazer tudo o que for possível para conquistar a confiança dos clientes, demonstrando que é possível continuar a viajar e fazer férias ou viagens de negócios em segurança. A sociedade terá que aprender a conviver com o vírus”.
Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP)
“Penso que ninguém nunca imaginou [que o turismo passasse por um momento destes]. Os cenários mais catastróficos tinham em conta questões de segurança, terrorismo que implicaram numa queda de turistas durante alguns meses nos destinos atingidos, mas cuja recuperação foi relativamente rápida. Algo no nível que estamos a passar, onde muitos segmentos estão paralisados, com receitas apenas marginais durante vários meses. É um cenário quase de ficção científica.
O impacto no alojamento local e no turismo foi muito duro. Foram três ou quatro meses no início parados sem receita. Depois, houve um pequeno balão de oxigénio em alguns destinos em agosto, e agora volta a incerteza com a crise a aprofundar-se à medida que entramos na época baixa. Os apoios dados foram importantes, mas não vão ser nem de perto suficientes para o que vem aí no turismo. Se não houver um plano robusto de apoio ao turismo durante este inverno corremos o risco de perder boa parte dos alicerces e comprometer a posição de liderança que Portugal conseguiu nos últimos anos. A situação mais grave é nos destinos urbanos onde as quedas de receita ultrapassam os 80%.
Ainda é cedo para previsões de muito longo prazo. Estou mais inclinado para as projeções como as da IATA que apontam para que em 2024 possamos regressar aos números de 2019. Mas, temos sido surpreendidos regularmente nesta crise por mudanças de cenários, quem sabe, pelo menos no futuro, algumas destas alterações de projeções, para variar um pouco, nos surpreendam pela positiva.
Acredito que, à vontade, fazer turismo é algo que vai se recuperar de forma rápida assim que tivermos a vacina. O problema maior vão ser as sequelas que esta crise vai deixar. Como vão ficar a economia e o emprego? As famílias vão ter condições financeiras de manter os hábitos de viagem? Como ficam as companhias aéreas? Variável fundamental no caso de Portugal. E as empresas do turismo, quais é que vão resistir a esta crise e em que condições vão sair dela? São mais estes fatores que determinarão a recuperação do que a confiança e vontade de viajar”.
Mário Ferreira, CEO da Douro Azul
“Tendo já passado por momentos complicados em resultado de eventos que criaram disrupção no setor do turismo, e mesmo estando sempre preparado para potenciais cenários adversos, confesso que nunca imaginei um cenário em que tivéssemos que parar toda a atividade em todo o mundo. Ter uma frota de dezenas de navios espalhada pelo mundo parada, vazia e sem perspetivas imediatas de reatar a atividade era um cenário que não tinha imaginado acontecer.
Só não foi catastrófica porque o setor do turismo é bastante resiliente e capaz de se readaptar rapidamente. Isso permitiu que, mesmo num ano completamente atípico e adverso, tenha sido possível alguma atividade que impediu que fosse um ano completamente perdido e com consequências ainda mais graves para a economia mundial.
O processo de recuperação estará sempre dependente do avanço científico no combate à Covid-19. Seja através de uma vacina ou do desenvolvimento de um tratamento eficaz, o processo de recuperação do turismo estará sempre, inicialmente, dependente destes desenvolvimentos. Mas a vontade de viajar continua presente. Tendo em consideração esta vontade e as perspetivas otimistas no desenvolvimento de uma vacina, acredito que, com a resiliência sempre demonstrada pela indústria do turismo, que já em 2022 poderemos estar de volta aos números de 2019.
Acredito que será, inicialmente, uma recuperação lenta à medida que os avanços científicos progridem e os consumidores recuperam confiança. Mas acredito que, uma vez recuperada essa confiança, o setor irá recuperar rapidamente porque sentimentos nas pessoas a vontade de viajar, de conhecer o mundo e outras culturas que este vírus os impediu, temporariamente, de fazer. O aumento da poupança das famílias será também importante para um boom acelerado do setor turístico”.
Pedro Costa Ferreira, presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT)
“Estou bem ciente das questões relacionadas com a aleatoriedade e sou um gestor defensivo, que sempre se preocupou em dotar as empresas de capacidade de reação, mas… a maior crise das nossas vidas não é programável.
Caracterizar o impacto numa palavra seria “devastação”. O setor foi varrido por um tufão. A quebra do volume de negócios é brutal e a adesão ao lay-off é quase total. Avoluma-se a incerteza, à medida que o tempo passa e que a recuperação da saúde pública se mantém, aparentemente, distante.
2020 será um ano de destruição e 2021 de reconstrução, espera-se. Quero acreditar que entre 2023 e 2024 estaremos novamente em patamares anteriores à crise. Será lenta, assimétrica e incerta. E dolorosa também. Lenta e incerta porque absolutamente dependente da mobilidade internacional e da confiança para viajar, facto que apenas será alcançado com a resolução do problema de saúde pública. Assimétrica: o turismo de luxo terá mais facilidade em recuperar que o turismo de massas; As viagens corporativas aparecerão muito antes dos grandes eventos.
Finalmente, dolorosa, porque assistiremos a falências e a desemprego, tanto mais quanto o Governo não conseguir, com rapidez e eficiência, apoiar as empresas, permitindo a manutenção do emprego, da receita fiscal futura e, sobretudo, de uma recuperação económica mais rápida. Como em crises anteriores, será o turismo a liderar o crescimento, o emprego e o equilíbrio das contas externas. Porque a liderança económica não depende de escolhas políticas, baseia-se em capacidade concorrencial internacional”.
Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP)
“Tenho a certeza de que nem nós nem ninguém previu a situação que estamos a atravessar, tal como ninguém sabe quando acaba e a extensão dos efeitos que esta pandemia terá nos negócios, mas também nas pessoas.
Dadas as características desta crise de saúde pública, cedo previmos que teria um impacto negativo muito grande em todas as atividades, mas em especial nas atividades da restauração, bebidas e alojamento turístico, porque cria um sentimento de receio nas pessoas e limita a sua circulação. Estes dois fatores juntos levam a que as pessoas não frequentem os estabelecimentos, logo não consumam, o que se reflete na quebra, ou mesmo ausência, de faturação, e sem isso não há empresa que consiga sobreviver.
Fruto até da sua responsabilidade social, muitos estabelecimentos de restauração encerraram mesmo antes dessa medida ser legalmente decretada e outros ficaram muito limitados no seu funcionamento ao fazê-lo apenas em take away. Aliás, ainda hoje temos estabelecimentos encerrados por imposição legal e os que podem funcionar encontram-se muito limitados quanto à sua capacidade.
Todo este cenário faz com que as empresas estejam a acumular prejuízos há mais de seis meses, e cheguem agora a uma fase determinante, em que, ou chegam apoios efetivamente eficazes, ou serão obrigados a fechar portas. Falo daqueles que podem funcionar, porque se pensarmos nos bares e discotecas, tudo se agrava porque desde março que têm estão impedidos de exercer a sua atividade.
Posto isto, e tendo em conta as pouco animadoras perspetivas no curto prazo, é impossível prever quando chegaremos aos números de 2019 porque, desde logo, estamos muito dependentes da evolução da pandemia e depois ninguém sabe o exato impacto que terá nos negócios e na economia. Sabemos, no entanto, o caminho que deve ser tomado para que as empresas possam ultrapassar esta fase e pensar numa retoma quando o cenário for mais favorável, e duas medidas são absolutamente fundamentais: os apoios a fundo perdido para as empresas e a dinamização do consumo privado. Aos consumidores peço confiança e apelo para que nos apoiem nesta fase, e isso faz-se não deixando de frequentar os nossos estabelecimentos, que têm sido exemplares no cumprimento das regras sanitárias”.
Duarte Guedes, CEO da Hertz Portugal
“Nunca imaginei que o turismo passasse por um momento destes, sobretudo da magnitude do que verificámos no 2.º trimestre. Temos de estar sempre preparados para crises cíclicas, mas ter o mundo inteiro fechado em casa era um cenário que não considerava, muito honestamente.
O impacto foi traumático. Aquele que foi um setor que teve uma performance espetacular e preponderante em Portugal, como um dos motores na saída da crise das dívidas soberanas, foi severamente afetado. No entanto, os efeitos finais ainda estão longe de ser conhecidos. Temos de esperar entre um a dois anos para fazer o balanço e ver se passamos de um evento traumático a devastador. Dito isto, é um setor no qual continuo a acreditar muito no médio e longo prazo. As pessoas querem viajar, querem viver experiências e partilhá-las. Isso não mudou.
Desde março que transmitimos internamente à nossa equipa, que serão entre três a quatro anos até chegarmos a um ano semelhante a 2019. Acho que para já mantemos essa previsão, ou seja, 2024. Na minha opinião não é apenas o tema da vacina, mas também as consequências económicas de tudo isto no consumo.
Neste clima atual do regresso parcial dos lockdowns é muito difícil prever [como será a recuperação]. Assumindo que entramos num caminho de evolução gradual, continuaremos a ter o regresso do tráfego europeu, seguido do longo curso numa fase posterior, sendo que este último bem falta faz ao nosso turismo no que toca a receitas. Depois, e apesar do impacto económico negativo nos próximos anos, o leisure regressará com maior vigor do que o business, que por sua vez, para além dos desafios económicos, debate-se com a alteração dos hábitos de trabalho e do salto tecnológico nas ferramentas de colaboração/comunicação que observámos desde março. Acredito que este segmento terá alterações no seu perfil que perdurarão“.
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